Crianças e Adolescentes: Representantes de entidades debatem sobre mídia e redes sociais

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Veet Vivarta, da ANDI, falou sobre os Dez Pontos Estratégicos no Debate Infância e Comunicação

Por Helcio Kovaleski

Representantes de entidades que trabalham com direitos de crianças e adolescentes debateram, na tarde de quarta-feira (11), sobre o tema "Mídias, Redes Sociais e Direitos de Crianças e Adolescentes". Foi durante a atividade “Dia de Debate Geral ONU 2013", um dos inúmeros eventos do Fórum Mundial de Direitos Humanos, realizado entre terça (10) e sexta-feira (13), no Centro Internacional de Convenções do Brasil (CICB), em Brasília. Integraram a mesa-redonda Leila Paiva, da União Marista do Brasil (UmBrasil); Veet Vivarta, secretário-executivo da ANDI – Comunicação e Direitos; Douglas Moreira, coordenador da Central de Notícias dos Direitos da Infância e Adolescência (Ciranda), de Curitiba (PR) e membro do Conselho Nacional da Juventude (Conjuve) e do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes; Patrícia Benitez Romero, analista educacional do Grupo Marista; e José Edgard Rebouças, do Ministério da Educação (MEC).

Pontos estratégicos

Após a apresentação de Leila, Veet Vivarta iniciou sua fala apontando que existe uma "contradição" na área da comunicação. "Todo mundo dá palpites sobre a comunicação, mas não é comum haver uma discussão mais profunda sobre o tema", afirmou, lembrando que a comunicação é algo que está cada vez mais presente na vida das pessoas, "mas, ainda assim, ameaça direitos".

Em seguida, Vivarta apresentou os 10 Pontos Estratégicos no Debate Infância e Comunicação – a saber: educação para a mídia no âmbito do sistema de ensino; estímulo à produção de conteúdo audiovisual de qualidade para crianças; políticas de incentivo a programação regional e nacional; participação de crianças e adolescentes na produção de conteúdos midiáticos; regulação de exibição de imagens e identificação de crianças e adolescente; avaliação sistemática dos impactos gerados pelos conteúdos audiovisuais; estabelecimento de faixas horários e de faixas etárias (classificação indicativa); regulação da publicidade e merchandising dirigidos a crianças e adolescentes; trabalho infantil artístico nos meios de comunicação; e novas tecnologias: promoção da inclusão e estratégias de proteção. "Queremos leitores que tenham visão crítica", comentou, a respeito do primeiro ponto. "Não se esqueçam que tudo isso que está sendo discutido precisa ter uma interface com a liberdade de expressão. Principalmente a liberdade na rede [internet]", completou.

Vivarta disse que o Estado e o novo marco civil regulatório da internet geralmente estão "ausentes" da discussão dos direitos das crianças e dos adolescentes, e destacou que é preciso ir além desses direitos "e fazer o debate de forma mais qualificada".

Nesse contexto, Vivarta apresentou os dez desafios-chave para a liberdade de expressão na próxima década, conforme declaração conjunta publicada em 3 de fevereiro de 2010 pelos quatro especialistas que atuam como relatores da agenda para a liberdade de expressão junto a organismos multilaterais: Frank LaRue, relator especial das Nações Unidas para a Liberdade de Opinião e Expressão; Miklos Haraszti, representante da Organização para a Seguridade e Cooperação da Europa para a Liberdade dos Meios de Comunicação; Catalina Botero, relatora especial da Organização dos Estados Americanos (OEA) para a Liberdade de Expressão; e Faith Pansy Tlakula, relatora especial sobre a Liberdade de Expressão e Acesso à Informação da Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos. Os dez desafios são: mecanismos ilegítimos de controle governamental sobre os meios de comunicação; difamação penal; violência contra jornalistas; limites ao direito de acesso à informação; discriminação no exercício do direito à liberdade de expressão; pressões econômicas; apoio à emissoras públicas e comunitárias; segurança e liberdade de expressão; liberdade de expressão na internet; e acesso a tecnologias de informação e comunicação.

A última parte da apresentação de Vivarta foi pontuada por um questionamento: por que, então, não regular a mídia? Ele salientou que todas as democracias consolidadas, dos mais diversos continentes adotam instrumentos voltados à regulação dos meios de comunicação de massa, e mostrou alguns exemplos de aspectos relacionados aos conteúdos midiáticos que frequentemente são submetidos à regulação estatal: equilíbrio na cobertura jornalística de processos eleitorais; direito de resposta, em caso de cobertura jornalística não-verídica ou com intenção explícita de difamar; proibição de mensagens que incitem ao ódio e à discriminação de determinados grupos populacionais; classificação etária de obras audiovisuais associada a faixas de horário de exibição; e restrição à publicidade de certos produtos (como armas, medicamentos, agrotóxicos, bebidas alcoólicas e tabaco).

"O comitê [de direitos humanos] vai ter que falar em marco regulatório", afirmou Vivarta. "É importante que o comitê trabalhe dentro deste campo entre aqueles que querem garantir uma operação comercial e aqueles que querem proteger os direitos de determinados segmentos. Então, muitas vezes você vai se tencionar com quem trabalha com a liberdade de expressão", complementou, recordando que o projeto de lei sobre restrição da publicidade infantil está "embargado" no Congresso Nacional há 12 anos. "O comitê deveria levar em consideração esse debate entre liberdade de expressão e censura, uma vez que as mídias sociais e as redes sociais estarão em discussão na ONU [Organização das Nações Unidas], em Genebra, em 2014. As pressões do mercado precisam ser olhadas no âmbito da comunicação", disse.

Para Vivarta, distintos tipos de conteúdos midiáticos recebem diferentes tratamentos dos órgãos reguladores. "Da mesma forma, distintos tipos de conteúdos midiáticos merecem graus diferentes de preocupação quando está em foco a liberdade de expressão", argumentou. Assim, pode-se falar de três níveis de prioridade no debate que associa a liberdade de expressão, os conteúdos de mídia e a regulação estatal: informação noticiosa/jornalística, conteúdo de entretenimento e publicidade. Atualmente, portanto, a perspectiva de mercado está centrada na comunicação como negócio; a informação como um “bem público”; um negócio altamente vulnerável às “falhas de mercado”; ou um negócio altamente competitivo; e a tendência a constantemente reduzir seus padrões de qualidade – a síndrome da “corrida para o fundo” (race to the bottom, na expressão em inglês). “Devemos pensar na inclusão digital, para que possamos ter um mundo em que crianças e adolescentes que queiram, possam estar conectadas”, resumiu.

Produtores de comunicação

Na sequência, Douglas Moreira destacou o fato de que é necessário pensar a criança e o adolescente como "sujeitos" e "produtores" de comunicação. "Eu resumiria os dez pontos apresentados pelo Veet Vivarta em três: comunicação sobre crianças e jovens, comunicação para crianças e jovens e comunicação por crianças e jovens".

"Ao produzir comunicação, você passa a entender a comunicação", assegurou Douglas, citando a revista Viração, de São Paulo (SP) como um "exemplo interessante de pensar a produção de mídia por adolescentes e jovens". "Crianças, adolescentes e jovens têm muito a dizer. E cabe ao poder público desenvolver, sim, essas políticas públicas que garantam que meninos e meninas, seja nos grandes centros urbanos, nas periferias, ou em qualquer parte do Brasil, possam dizer o que pensam e o que querem", afirmou.

Nesse contexto, Douglas advertiu para a necessidade de, além de proteger crianças e adolescentes, potencializar e fomentar os aspectos positivos da relação eles e a comunicação. "Há impactos negativos nessa relação, mas também positivos. E, se queremos fazer um debate qualificado sobre esse tema, devemos olhar para os dois pontos", defendeu.

Douglas lembrou que o próprio Estatuto da Juventude (que abrange a faixa etária entre 15 e 29 anos) já coloca a comunicação como um direito da mesma forma que a educação e a saúde, por exemplo – mais detalhadamente nos artigos 16 e 53. "É preciso atentar a esses artigos e buscar mecanismos para que eles se efetivem. Isso se dá de duas formas: na regulação da mídia e na criação de políticas públicas. Além disso, o direito à comunicação significa o direito individual de não ter a sua liberdade de expressão restringida pelo Estado. Porque a liberdade de expressão, hoje, deve se dar no espaço de comunicação, na mídia", pontuou.

Na avaliação de Douglas, o acesso aos meios de comunicação se dá principalmente através da educação para que os indivíduos construam uma relação autônoma e crítica à esses meios. "Portanto, é preciso produzir e ter espaços para difundir essa produção, e ter mecanismos efetivos de se proteger crianças e adolescentes de conteúdos que violem seus direitos. Aliás, é bom lembrar que entre as atribuições dos conselhos tutelares está exatamente essa proteção", lembrou.

Protagonismo

Patrícia Benítez salientou a importância do protagonismo e a participação de crianças e adolescentes. E contou que, conforme a experiência do próprio Grupo Marista, chegou-se à conclusão de que antes é necessário "escutar" mais as crianças, os adolescentes e os jovens, "e não destinar-lhes demandas impostas". "Geralmente, a participação de crianças e adolescentes se dá no âmbito do controle social", afirmou.

Observatório da Mídia

Por último, José Edgard Rebouças contou da sua experiência na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde foi criado o "Observatório da Mídia", que trabalha três subtemas: Direitos Humanos, Políticas (regulação) e Sistemas (as indústrias midiáticas que estão por trás dessa regulação). "Para a comunicação, os direitos humanos ainda são uma área muito desconhecida", disse ele.

Citando o filósofo Jürgen Habermas, um dos criadores da famosa Escola de Frankfurt, Edgard falou sobre a conceituação de "espaço público" e lembrou de um detalhe histórico que, a seu ver, faz toda a diferença quando se fala do assunto. "Em minhas pesquisas, descobri que a famosa 'ágora' grega, onde as pessoas se reuniam para se manifestar, acontecia nos mercados, isso nos anos 400 a. C. Mas eu também descobri que os mercados nasceram há muito mais tempo – há pelo menos 4 mil a. C. Ou seja, a conclusão é que está explicado o porquê de ser muito difícil discutir com o mercado, e isso há muito tempo. E é esse o pano de fundo da nossa discussão sobre a mídia e os direitos  humanos, hoje", argumentou.

Nesse contexto, Edgard alertou para o que ele chama de "gameficação" da educação. "Ou seja, a tendência do mercado em transformar tudo, até mesmo a educação, em brincadeiras, jogos", explicou. "Logo, o que é importante dizer é que é necessário, sim, sempre mais se pensar em educação para a mídia, e isso já no ensino básico. É bom lembrar que o sociólogo já defendia, na LDB [Lei de Diretrizes e Bases] da Educação, a inclusão de uma disciplina chamada "Educação para a Mídia" já na 4ª série – hoje o 5º ano", disse. "Os dispositivos tecnológicos estão sendo direcionados a favor de uma sociedade de consumo, e não a favor de uma sociedade do conhecimento", advertiu.

Perguntas

Após as falas dos integrantes da mesa, Leila Paiva abriu para as perguntas da plateia, que, basicamente, se centraram na importância da Educomunicação, na violência contra crianças e adolescentes e o seu processo de revitimização pelos meios de comunicação e na atuação de conselhos tutelares. "A Educomunicação é, sim, uma saída. Mas, primeiro, temos que convencer os educadores e os comunicadores disso", disse Edgard Rebouças. "Já dizia o pensador da educação Paulo Freire que comunicação e educação estão interligadas", lembrou.

Veet Vivarta recordou que leu uma nota no Portal UOL onde profissionais da Rede Globo já estão se reunindo para "enfrentar a violência" – num contexto onde as outras emissoras se pautam na exibição de cenas violentas para garantir audiência. "Fale o que quiser da Globo, mas ela tem um limite em relação à violência. No entanto, a Globo está sendo pressionada porque os seus produtos não garantem mais audiência", disse.

Por seu turno, Douglas Moreira advertiu que é "ilusão" achar que, conseguindo 1,3 milhão de assinaturas para a questão dos direitos de crianças e adolescentes junto ao Congresso Nacional "alguma coisa vai mudar". Sobre a Educomunicação, ele afirmou que tem crescido no País essa discussão. "É um campo que está sendo expandindo, com cursos de graduação em universidades. É um processo que está crescente, mas ainda não é algo fechado. Porém, pode ser um processo, uma metodologia", observou.

Patrícia Benítez lembrou que, atualmente, 40% da população brasileira ainda não tem acesso à TV a cabo e questionou a exibição de programas humorísticos em horário nobre nos finais de semana, na TV aberta. "Qual o movimento que fazemos enquanto sociedade civil em relação a esses conteúdos", indagou.

Respondendo a uma pergunta sobre o uso político-eleitoral de um conselho tutelar na Baixada Fluminense (RJ), Leila Paiva disse que é importante denunciar esse tipo de ocorrência. "Não devemos abrir mão dessa conquista do modelo de conselhos tutelares, mas temos sempre que denunciar as irregularidades", afirmou.