Brumadinho: 4 anos de um crime que ainda faz vítimas

Brumadinho: 4 anos de um crime que ainda faz vítimas

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Hoje, completam-se 4 anos de um dos maiores crimes socioambientais do país, o rompimento da barragem da Vale S/A, em Brumadinho, Minas Gerais. Uma tragédia que matou, ao menos, 272 pessoas, marcou para sempre a vida de todas as populações que vivem próximas à bacia do Rio Paraopeba, impactou gravemente a biodiversidade e segue sem uma responsabilização efetiva dos principais responsáveis.

“As pessoas atingidas continuam sem suporte do poder público, sem medidas concretas de prevenção e precaução (para evitar novos crimes de transbordamento e rompimento de barragens), convivem com novas violações de direitos e estão com a saúde física e mental cada vez mais ameaçadas”, relata Fernanda Portes, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que atua diretamente na região da Bacia do Paraopeba.

“O rio era o que nos mantinha em pé”

Desde o rompimento da barragem no distrito do Córrego do Feijão, em 25 de janeiro de 2019, as marcas do crime costuram o cotidiano de milhares de pessoas e fazem do presente uma realidade impune, hostil e ameaçadora. 

A comunidade indígena da Aldeia Katurãma está entre as impactadas. Ela é constituída por grupos familiares dos povos Pataxó e Pataxó Hã-hã-hãe que, depois de terem a aldeia destruída pela lama, em Brumadinho, precisou mudar-se para o município de São Joaquim de Bicas, na região metropolitana de Belo Horizonte (MG). A comunidade vive atualmente em um terreno cedido pela Associação Mineira de Cultura Nipo-Brasileira (AMCNB) – doação essa que não tem relação com nenhuma ação de compensação da Vale S/A.

Com a tragédia causada pela Vale, os moradores da região ficaram sem água, alimento e moradia e o cenário se agravou por problemas de saúde relacionados a intoxicações. Desde então, as pessoas no território vivem em situação de extrema vulnerabilidade econômica, social e cultural. Seus habitantes moram sob estruturas frágeis, muitas com parede e cobertura de lona, sem acesso à água potável e sem atendimento à saúde e à educação.

“Perdemos o direito à dignidade humana. Só não estamos pior porque se compadeceram e doaram essa terra pra nós, que hoje nós ajudamos a preservar”, desabafa Ãgohócacica da Aldeia Katurãma, que ainda vive outra grave ameaça no território, a invasão de grileiros. Desde junho de 2021, invasores derrubam árvores nas áreas demarcadas e ameaçam as famílias.

O crime da Vale levou pessoas, rios, árvores, animais, organismos vivos de todo um bioma. Deixou sem nada quem tinha tudo sem precisar valer-se da destruição. Matou uma parte da cultura de quem via no rio o princípio da criação, onde eram feitos os rituais de passagem mais importantes da vida dos Pataxó.

“Tiraram de nós o nosso Deus, que era o nosso sagrado. Hoje a gente vive a 700 metros do rio Paraopeba, contaminado. A gente não tem mais a nossa caça, o nosso peixe, os nossos rituais sagrados. Estamos há quatro anos sem poder fazer o batizado das nossas crianças na nossa cultura. O que esse crime mais nos afetou foi o nosso modo de vida tradicional. O rio era o que nos mantinha em pé”, relata Ãgohó. “Tudo que a gente queria era a nossa comunidade restaurada de volta”.

No último domingo (22.01), os Pataxó da Aldeia Katurãma tiveram suas casas invadidas pelas fortes chuvas que acometem o estado, aumentando ainda mais as condições de vulnerabilidade.

Crise climática

As consequências desse crime são enormes para quem convive com a impunidade, e que agora se soma à realidade imposta pela crise climática. Minas Gerais está entre os estados mais ameaçados pelo aumento das precipitações.

“A combinação histórica de um modelo de desenvolvimento desigual e excludente produz bombas relógio como Brumadinho, que ameaçam a vida de determinadas populações enquanto premiam grandes corporações. Essa dinâmica tem nome: Racismo Ambiental“, comenta Marcelo Laterman, da campanha de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil.

É hora de aprofundar a luta por Justiça Socioambiental e Climática, junto a movimentos que atuam historicamente nessa frente, como o MAB, para reverter esse cenário e evitar que comunidades que vivem próximas a barragens, ou em encostas de morros (sujeitas a deslizamento de terra), margens de rios, e em situação de vulnerabilidade tenham suas vidas ameaçadas por chuvas, que tendem a aumentar em frequência e intensidade no atual cenário de crise climática”, conclui.

Águas contaminadas

Um estudo recente da Universidade do Rio de Janeiro, em parceria com a Fiocruz e outras instituições, identificou a presença de superbactérias na bacia do rio Paraopeba, de onde vem a maior parte da água que abastece a região metropolitana de Belo Horizonte. Publicado na revista científica “Science of the Total Environment”a pesquisa analisou a qualidade da água desde o rompimento da barragem e concluiu que a lama despejada no rio pode ter favorecido o desenvolvimento de bactérias resistentes a antibióticos.

Em entrevista recente ao G1, um dos pesquisadores destacou a preocupação diante do risco dessas bactérias se espalharem tornando-se uma grave ameaça à saúde pública e à segurança alimentar. A última coleta, feita em novembro de 2022, constatou também a presença de metais tóxicos em quantidade acima do limite legal.

A justiça tem pressa

Na última semana, a Ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a Justiça Federal de Minas Gerais dê início imediato à tramitação da ação penal que apura a responsabilidade pelo crime do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. A ministra alertou para o “risco iminente de prescrição dos delitos ambientais” descritos na acusação, que estabelece o prazo de 4 anos “para parte das imputações da peça acusatória”. Ou seja, o risco de não haver punição por conta da demora na tramitação do processo.

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Fonte: Greenpeace