Falta de dados sobre crianças e adolescentes em situação de rua denota descaso do poder público

Falta de dados sobre crianças e adolescentes em situação de rua denota descaso do poder público

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No Brasil, em março de 2020, a quantidade de pessoas em situação de rua era de quase 222 mil, segundo estimativas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em 2019, a ONG Visão Mundial informou estar em 70 mil o número dessas crianças no País. O assunto chamou a atenção da advogada Mariana Albuquerque Zan, que decidiu estudar, em seu mestrado na USP, a realidade dessa população na cidade de Ribeirão Preto.

Entre as premissas para o projeto de mestrado, desenvolvido na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP), Mariana buscou informações ligadas à quantidade e ao perfil, à existência de políticas públicas e à possibilidade de judicialização para o amparo e resgate dos direitos constitucionais dessas crianças. Como resultado, a pesquisadora destacou a inexistência de dados oficiais, fato que “já é um dado em si”, afirma, pois denota “descaso do poder público” na cidade.

A metodologia utilizada foi a análise do projeto Políticas públicas para crianças e adolescentes em situação de rua de Ribeirão Preto–SP; iniciado em 2017 e envolvendo diferentes atores, incluindo a própria advogada, o projeto ainda está em andamento na cidade. O objetivo final de Mariana era entender e analisar as ações desenvolvidas pelo Estado voltadas para crianças e adolescentes vivendo nas ruas (e, consequentemente, atualizá-las), além de sugerir novos programas.

Ao avaliar o desdobramento do projeto da cidade, a advogada afirma que, já em 2018, “foi vislumbrada a necessidade de articulação entre os serviços municipais que atuam junto de crianças e adolescentes para dar os encaminhamentos necessários para a criação de uma política pública específica em nível municipal.”

“Complexidade não justifica inércia do Estado”
“Nós não temos dados oficiais acerca de crianças e adolescentes em situação de rua no município e tampouco qualquer informação sistematizada relativa a números, sexo, raça ou locais de maior concentração desses jovens”, afirma a pesquisadora.

De acordo com Mariana, a sistematização das informações é um processo complexo: são pessoas de diferentes origens – étnicas, de gênero, de idade, geográficas ou de configuração do núcleo familiar. A pesquisadora classifica a omissão do Estado no levantamento desses dados como uma violação perante esses cidadãos. A justificativa é que, ainda que marginalizadas e altamente vulnerabilizadas, essas crianças e adolescentes em situação de rua “são sujeitos de direitos” e devem, por força da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ter seus direitos garantidos com absoluta prioridade. “A ausência desses dados mostra a invisibilidade desses jovens na agenda política local”, declara.

Sobre a necessidade de conhecer os dados da cidade de Ribeirão Preto, a advogada lembra que a Prefeitura de São Paulo divulgou, em meados de 2022, o Censo de Crianças e Adolescentes em situação de rua, que mostrou a existência, na capital paulista, de cerca de 3.700 crianças e adolescentes nesta situação. Deste número, cerca de 60% são do sexo masculino, a maioria dos adolescentes é negra (70%) e a faixa etária que prevalece é entre 12 e 17 anos (42%).

Agenda de políticas públicas deveria ser criada
A pesquisadora destaca a importância do trabalho dos serviços municipais, como o da assistência social, da educação, do esporte, da guarda municipal e dos conselhos tutelares. Contudo, avalia Mariana, o panorama geral das crianças e adolescentes em situação de rua no Brasil ainda é o de “existências marcadas pela luta em prol de seus direitos como cidadãos.”

Quanto aos resultados específicos de seu estudo em Ribeirão Preto, Mariana acredita que sua pesquisa pode subsidiar a criação de uma agenda de políticas públicas municipais para essa população. Mas mais estudos são necessários na busca por informações que sirvam de base para uma sociedade mais justa.

Fonte: Jornal da USP