O impacto da privação de liberdade na saúde mental de adolescentes

O impacto da privação de liberdade na saúde mental de adolescentes

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O processo de desenvolvimento psicossocial durante a adolescência representa uma trajetória extensa, que é influenciada pelas experiências passadas do indivíduo, pelas mudanças físicas e cognitivas características desse período, além dos contextos sociais e interpessoais nos quais o/a adolescente e jovem está inserido/a.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), subdivide a adolescência em três etapas:  pré-adolescência, que abrange a faixa etária dos 10 aos 14 anos; adolescência propriamente dita, compreendendo os 15 aos 19 anos; e juventude, estendendo-se dos 15 aos 24 anos.

No contexto brasileiro, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) delimita a adolescência como o intervalo dos 12 aos 18 anos completos. Essa definição, desde 1990, tem servido como referência para a elaboração de leis e programas que buscam garantir os direitos dessa parcela da população.

Ato infracional

A Constituição Federal considera crianças e adolescentes enquanto indivíduos inimputáveis, ou seja, pessoas que não compreendem a ilicitude de seu ato, em razão de desenvolvimento mental incompleto. Isso quer dizer que essa parcela da população não pode ser tratada da mesma maneira que adultos.

O artigo 103 do ECA considera condutas que podem ser descritas como crime ou contravenção penal enquanto ato infracional e por isso, crianças e adolescentes a quem se atribui esse tipo de ato são responsabilizados através da Lei do Sinase.

O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) é quem coordena a execução das medidas socioeducativas, incluindo as de privação e restrição de liberdade como internação e semiliberdade; e também as de liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade.

Privação de liberdade na adolescência

Apesar de, na teoria, a privação de liberdade ser colocada como a última alternativa de medida socioeducativa para a responsabilização de um/a adolescente, na prática, não é isso que ocorre. Segundo o último Levantamento do Sinase (2023), 11.556 adolescentes estão inseridos/as no Sistema Socioeducativo nas modalidades de restrição e privação de liberdade. Destes, cerca de 74%  estão em cumprimento de medida socioeducativa de internação.

A socialização é um fator essencial no desenvolvimento humano, particularmente durante a adolescência, uma fase caracterizada pela busca de identidade e pertencimento. A interação com pares e adultos, o envolvimento em atividades construtivas e a manutenção dos laços familiares ajudam a forjar relações saudáveis e a adquirir habilidades interpessoais cruciais para o futuro. A privação de liberdade pode interromper esse processo natural de crescimento, impondo obstáculos que podem afetá-los durante toda a vida.

Impacto na Saúde Mental

A privação de liberdade exerce uma pressão psicológica significativa sobre os adolescentes. Estudos indicam que o confinamento pode levar ao desenvolvimento de problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão e até mesmo transtornos de estresse pós-traumático. A exposição a um ambiente restritivo pode comprometer a estabilidade emocional e social, exacerbando os desafios já enfrentados durante a adolescência.

A medida de internação – e consequentemente a privação de liberdade –  não é o único desafio enfrentado pela juventude inserida no Sistema Socioeducativo. A militarização da Socioeducação, a redução da maioridade penal, as tentativas de privatização e de transformação do Socioeducativo em uma pauta da Segurança Pública são políticas que seguem a lógica do extinto Código de Menores e acabam com qualquer caráter pedagógico que a medida socioeducativa possa ter. Isso reverbera dentro dos territórios de maneira violenta e se desenha a partir das violações, de torturas e de abusos.O último relatório anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura (2022), traz dados de unidades socioeducativas em quatro estados brasileiros e do Distrito Federal. Problemas estruturais e de ventilação, falta de acesso à água, insegurança alimentar, uso de armas menos letais por agentes socioeducativos, revistas vexatórias, uso de força e práticas machistas/lgbtfóbicas são algumas das violações encontradas.

A  violência sofrida dentro das unidades socioeducativas reverbera na saúde mental dos e das adolescentes que, em geral, já tiveram uma série de direitos negados durante toda a sua trajetória. Segundo Levantamento do Sinase, dos 1.667 adolescentes inseridos no Sistema Socioeducativo que são usuários do atendimento do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), 89,14% estão cumprindo medida de privação de liberdade.

Alternativas e Intervenções Efetivas

Quando falamos de adolescentes privados de liberdade, precisamos considerar a totalidade do sujeito, entender sua individualidade, e compreender que tanto o período antecedente, como o próprio cumprimento da Medida de Internação, podem ser adoecedores.

Investir em acesso à educação, moradia digna, lazer e outros direitos fundamentais é mais eficaz na prevenção do ato infracional, do que a privação de liberdade. Além disso, uma abordagem de cunho pedagógico, em  oposição a uma abordagem estritamente punitiva, tem o potencial de interromper o ciclo de violência e garantir que certos comportamentos não se perpetuem.

Cuidar da juventude é cuidar do futuro do país!

 

Fonte: Coalizão pela Socioeducação

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