Grupo pede fim de produtos químicos em plásticos que danificam cérebro de bebês

Veículo: CNN Brasil
Compartilhe

Produtos químicos sintéticos chamados ftalatos prejudicam o desenvolvimento do cérebro das crianças e, portanto, devem ser imediatamente banidos dos produtos de consumo. Essa foi a conclusão de um grupo de cientistas e profissionais de saúde do Projeto TENDR, dos EUA.

O TENDR (uma sigla para o que pode ser traduzido como Visando Riscos Ambientais no Neurodesenvolvimento) é um grupo de cientistas voluntários, profissionais de saúde e defensores da infância que trabalham para estudar e reduzir a exposição das crianças a produtos químicos neurotóxicos e poluentes.

“Queremos mover a comunidade de saúde pública, incluindo os reguladores, em direção a esse objetivo de eliminação dos ftalatos”, disse a autora principal, Stephanie Engel.

“Temos evidências suficientes agora para nos preocupar com o impacto desses produtos químicos no risco de distúrbios de atenção, aprendizado e comportamento de uma criança”, disse Engel, professora de epidemiologia na faculdade de saúde pública da Universidade da Carolina do Norte.

“Espero que este artigo funcione como um alerta para compreender que a exposição precoce a esta classe de produtos químicos está afetando nossas crianças”, disse a toxicologista Linda Birnbaum, ex-diretora do Instituto Nacional de Ciências da Saúde Ambiental e do Programa Nacional de Toxicologia. Ela não esteve envolvida no estudo.

“Quando o mesmo tipo de descoberta aparece em várias populações, feita por diferentes investigadores usando diferentes ferramentas e abordagens e continua chegando à mesma descoberta, acho que pode começar a dizer que os dados são bastante claros”, disse Birnbaum.

A CNN solicitou comentários do Conselho Americano de Química (ACC). Eis a resposta, dada por Eileen Conneely, diretora sênior da divisão de produtos químicos e tecnologia da ACC.  “Embora sejamos encorajados por esforços contínuos de pesquisa sobre a ciência e a saúde dos ftalatos, estamos preocupados com a superinterpretação dos estudos que não estabeleceram uma ligação causal entre os ftalatos e os efeitos adversos à saúde humana”.

Conhecidos como “produtos químicos que estão todos os lugares” por serem muito comuns, os ftalatos são adicionados às mercadorias para tornar o plástico mais flexível e mais difícil de quebrar.

Os ftalatos são encontrados em centenas de itens automotivos, domésticos, alimentícios e de higiene pessoal: embalagens de alimentos, detergentes, pisos vinílicos, roupas, móveis e cortinas de chuveiro, plásticos automotivos, óleos lubrificantes, adesivos, produtos resistentes à chuva e às manchas, entre outros. Em muitos cosméticos, incluindo xampus, sabonetes, sprays para cabelo e esmaltes de unha, eles ajudam as fragrâncias a durarem mais.

Nos Estados Unidos, os ftalatos devem ser listados entre os ingredientes nos rótulos dos produtos, a menos que sejam adicionados como parte do perfume. De acordo com os regulamentos atuais da Food and Drug Administration (FDA) dos EUA, os ftalatos podem ser simplesmente rotulados de “fragrância”, mesmo quando representem até 20% da composição do produto, segundo estudos.

Os ftalatos também estão presentes em encanamentos de PVC e produtos e itens de construção, tubos hospitalares, mangueiras de jardim e alguns brinquedos infantis. Globalmente, aproximadamente 8,4 milhões de toneladas métricas de ftalatos e outros plastificantes são consumidos todo ano, de acordo com a European Plasticizers, uma entidade de classe.

Estudos conectaram ftalatos a obesidade infantilasmaproblemas cardiovascularescâncer e problemas reprodutivos, tal como malformações genitais e testículos que não desceram em meninos e baixa contagem de esperma e níveis de testosterona em homens adultos.

Neurotoxinas

O novo alerta (o relatório TENDR), publicado no dia 18 de fevereiro no “American Journal of Public Health”, concentra-se especificamente na ligação entre a exposição ao ftalato e danos neurológicos de longa duração em fetos, bebês e crianças.

Até 2019, mais de 30 estudos examinaram a exposição pré-natal a diferentes tipos de ftalatos. São pesquisas de longo prazo feitas em 11 países ou territórios diferentes ao redor do globo. Nem todos os artigos encontraram resultados consistentes, especialmente na área de desenvolvimento cognitivo, mas os autores do TENDR – que analisou os dados desses estudos – disseram que isso pode ser devido às diferenças nos desenhos dos estudos e na idade das crianças.

O relatório TENDR afirma que as associações mais fortes são relacionadas a hiperatividade, agressão, comportamento desafiador, reatividade emocional, delinquência e outros sinais de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) após exposição a ftalatos.

Um estudo, por exemplo, descobriu que filhos de mães com os níveis mais altos de ftalatos na urina durante o segundo trimestre de gestação tinham quase três vezes mais chances de serem diagnosticados com TDAH do que crianças com mães que apresentavam níveis muito mais baixos.

Uma ligação entre a exposição ao ftalato e memória de trabalho e inteligência mais pobres também foi encontrada. Segundo outro estudo reunido no projeto, crianças expostas a níveis mais elevados de ftalatos no útero tinham um nível de QI sete pontos menor do que crianças com menos exposição. As crianças de maior risco também tiveram raciocínio perceptivo e compreensão verbal reduzidos.

A diretora do ACC, no entanto, respondeu que revisões sistemáticas recentes, com dados disponíveis sobre efeitos neurocomportamentais e cognitivos, “concluíram que não havia associação entre DINP e DIDP e efeitos neurocomportamentais ou cognitivos”. Os plastificantes diisononil ftalato (DINP) e o diisodecil ftalato (DIDP) são dois dos muitos tipos de produtos químicos da família dos ftalatos.

Além disso, a diretora Conneely disse que “os dados dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças dos EUA mostram claramente que os níveis de exposição aos ftalatos estão bem abaixo dos níveis determinados pela Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos EUA e outros órgãos reguladores por serem seguros”.

 

É verdade que “a regulamentação federal de ftalatos nos Estados Unidos tem sido mínima, com várias exceções, incluindo restrições a oito ftalatos em brinquedos e artigos de puericultura”, disse o estudo.

No entanto, o estudo continuou, “instamos veementemente as agências federais e estaduais a agir rapidamente para eliminar o uso de ftalato”, acrescentando que “os estados não devem esperar a ação do governo federal, pois a ação estadual pode galvanizar a regulamentação federal”.

Em resposta ao pedido da CNN, um porta-voz da EPA disse que “o governo Biden-Harris trabalha para promover a missão da EPA de proteger a saúde humana e o meio ambiente, e a agência está comprometida em garantir a segurança dos produtos químicos usados por todos os norte-americanos”.

“A agência está trabalhando ativamente para garantir que todas as avaliações de risco químico (Toxic Substances Control Act), incluindo as avaliações contínuas para sete ftalatos, sigam a ciência e a lei e que quaisquer ações de gerenciamento de risco resultantes protejam a saúde humana, especialmente a saúde dos mais vulneráveis grupos como crianças e trabalhadores e o meio ambiente”.

Tempo de exposição

Ao contrário de metais tóxicos como chumbo, arsênio, cádmio e mercúrio, os ftalatos são metabolizados mais rapidamente e normalmente deixam o corpo assim que a exposição é removida.

“Eles têm meias-vidas biológicas muito mais curtas do que, digamos, os metais pesados, que podem durar décadas”, explicou David Bellinger, professor de neurologia e psicologia do Hospital Infantil de Boston e membro do Projeto TENDR que não esteve envolvido no novo estudo.

Para o médico, o problema é que, assim que o cérebro em desenvolvimento do bebê é impactado pela substância química no útero, o dano já está feito. “O cérebro pode ser exposto na hora errada. É essa a preocupação”.

Os críticos do estudo argumentam que os diferentes danos ao neurodesenvolvimento só foram demonstrados em animais, enquanto as pesquisas em crianças pequenas enfocam os impactos comportamentais, como aumentos nos distúrbios comportamentais e nos déficits de atenção e aprendizagem.

“É claro que não teremos estudos clínicos randomizados padrão ouro”, disse a toxicologista Birnbaum, porque a ciência nunca exporia deliberadamente uma criança a tais produtos químicos.

 A eliminação é o objetivo

O documento preconiza a eliminação de toda a classe de ftalatos de produtos que levam à exposição de mulheres grávidas, mulheres em idade reprodutiva, bebês e crianças.

Para a autora do estudo, a professora de epidemiologia Engel, porém, bani-los um por um não diminuirá adequadamente a ameaça. “Estamos expostos a vários ftalatos diferentes, e essa mistura pode acontecer dentro de um único produto, mas também da combinação de vários produtos aos quais as pessoas são expostas em um dia”, disse Engel. “A realidade é que precisamos pensar nos ftalatos como uma classe, porque é assim que as pessoas são expostas a eles”.

Outra razão pela qual toda a classe de ftalatos deve ser regulamentada, disse a toxicologista Birnbaum, é evitar que os fabricantes substituam um “produto mau” por outro ftalato que ainda não foi estudado.

“É sempre assim com esses produtos químicos. Passamos de um produto químico com o qual temos preocupações para outro que ainda não estudamos, que muitas vezes acaba sendo igualmente problemático. Não podemos continuar a testar estas coisas uma de cada vez”, continuou Birnbaum. “Dá para concluir que, se um produto químico pode ser substituído por outro sem alterar a sua função, por que as consequências dele seriam diferentes?”

Os críticos apontam para a despesa de remover uma classe inteira de produtos químicos do mercado.

“O custo é sempre usado para atacar a mudança”, disse a autora principal, Engel, à CNN. “Mas o sistema atual também tem custos. É que nos acostumamos a pagá-los. Neste momento, famílias e profissionais de saúde e educação estão arcando com os custos da falta de regulamentação de proteção à saúde das crianças”.

A doutora também argumenta que a eliminação de toda a classe de produtos químicos é possível “porque os fabricantes já estão nos mostrando que é viável” e aponta para uma série de ações já tomadas pelo mercado. De acordo com o grupo, a Apple removeu “ftalatos como classe de quase todos os produtos”, enquanto outras empresas como a rede de farmácias CVS e a de materiais para casa The Home Depot reduziram o uso de ftalatos em cosméticos, produtos de cuidado pessoal, de limpeza e nos pisos vinílicos.

Além disso, a população pode desempenhar um papel significativo na mudança. Bellinger, do hospital pediátrico de Boston, lembrou do sucesso das mães furiosas que exigiam que as empresas removessem o desregulador hormonal Bisfenol A, comumente conhecido como BPA, das mamadeiras e copinhos nos EUA.

Em reação ao alvoroço público, seis dos principais fabricantes de mamadeiras anunciaram a remoção do BPA de seus produtos em março de 2009, três anos antes de a FDA banir o produto químico desses produtos a pedido do ACC.

Para a doutora Birnbaum, o poder dos consumidores é importante para trazer mudanças.

“Precisamos dar um passo atrás e nos perguntarmos o que podemos fazer quando há uma desvantagem para nós. Por exemplo: a gente precisa mesmo que cada toalha de mesa ou carpete novo seja totalmente à prova de manchas?”, opinou.

Outro exemplo: “Talvez seja uma boa levar um recipiente de vidro na bolsa quando saímos para jantar e queremos trazer o que sobrou para casa, sem precisar de uma embalagem de isopor ou um saco de papel revestido de plástico”, continuou a toxicologista.

A CNN solicitou comentários da FDA sobre o novo estudo. A agência disse que estava ciente da publicação do estudo e estava revisando os resultados.

Temas deste texto: