A obesidade em crianças desencadeia problemas que vão muito além da balança

Veículo: Correio Braziliense - DF
Compartilhe

As brincadeiras ao ar livre e as lancheiras caseiras têm sido substituídas pelo uso de aparelhos eletrônicos e alimentos processados. E essa mudança no estilo de vida é uma das causas para que a obesidade infantil esteja atingindo proporções alarmantes nos últimos anos. Assim como com os adultos, o sobrepeso e a obesidade infantil ocorrem quando a ingestão calórica é maior que o gasto de energia.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma em cada três crianças, entre 5 e 9 anos de idade, está acima do peso no Brasil. Os números são tão preocupantes que a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou o problema como um dos mais sérios desafios de saúde pública do século 21.

Uma estimativa feita pela Federação Mundial de Obesidade (World Obesity Federation — WOF) aponta que, em 2035, metade das crianças no Brasil estará acima do peso e que 770 milhões de crianças e adolescentes no mundo devem sofrer com o sobrepeso e a obesidade.

De acordo com João Lucas Altoé, pediatra do Hospital Brasília Águas Claras, da Rede Américas, ao contrário do que muitos pensam, criança gordinha não é sinônimo de criança saudável. “Nem todo ganho de peso é sinal de saúde. Criança saudável é aquela que se desenvolve bem, tem energia para brincar, alimenta-se de forma equilibrada e cresce dentro dos padrões esperados. O excesso de peso hoje pode se transformar em doença crônica amanhã”, aborda.

Existem dois tipos de obesidade: a exógena, tipo mais comum entre as crianças, causada pelo superavit calórico e pelo sedentarismo, e a endógena, desencadeada por outras doenças ou fatores genéticos. Com um acompanhamento profissional, é possível identificar o tipo para um tratamento eficaz.

A obesidade é causada por múltiplos fatores, como fatores genéticos, hormonais, psicológicos e comportamentais, além das condições do ambiente em que essa criança vive. Apesar de a alimentação e o estilo de vida serem as principais causas, alterações no sistema endócrino da criança podem ser verdadeiros vilões para a saúde. “A criança pode ter hipotireoidismo, ter uma genética que favorece a obesidade, uma obesidade hipotalâmica ou pode ser uma criança com deficit de atenção, autismo, síndrome de Down, outras situações que geram um metabolismo mais lento e uma tendência para acúmulo de gordura”, explica Marcelle Reis, endocrinologista pediátrica.

Crianças acima do peso têm mais probabilidade de desenvolver doenças crônicas, como diabetes tipo 2, hipertensão, doenças cardiovasculares, distúrbios do sono e até problemas ortopédicos, além de problemas psicológicos, como baixa autoestima, isolamento, ansiedade e depressão. Se essas causas não forem resolvidas, a obesidade infantil pode ter consequências sérias a curto e longo prazo.

E os prejuízos não param por aí. A obesidade infantil prejudica o processo de aprendizagem desde a educação infantil. Um estudo da Universidade de São Paulo (USP), realizado pela fonoaudióloga Patrícia Zuanetti, avaliou dois grupos: um com crianças com o peso ideal e outro com crianças obesas. As que estavam acima do peso demonstraram dificuldades na flexibilidade cognitiva, para ler e desvios de atenção.

Tratamento

A mudança de hábitos alimentares, somada à prática de atividades físicas e ao acompanhamento profissional, é a principal maneira de tratar a obesidade. Em alguns casos, especialmente quando há risco à saúde ou quando os tratamentos convencionais não estejam dando resultado, o uso de medicamentos pode ser considerado, sempre com acompanhamento médico. Segundo a endocrinologista Marcelle Reis, os análogos do GLP-1 são aprovados a partir dos 12 anos, como a semaglutida (Ozempic) e a liraglutida, que é aprovada para crianças. O tratamento deve ser, acima de tudo, um processo acolhedor e que respeite o tempo de cada um.

Diagnóstico

É necessária uma avaliação completa da criança, com uma análise de sua rotina, do histórico médico e familiar e, principalmente, dos hábitos alimentares. Com base no índice de massa corporal (IMC), obtido entre o peso e a altura da criança, é possível fechar um diagnóstico. Uma criança se encontra com sobrepeso quando seu IMC está acima do percentil 85 e abaixo de 97, e obesa quando se encontra acima de 97, de acordo com sua idade e sexo.

Influência do ambiente

O exemplo que os adultos dão às crianças, assim como o ambiente escolar, social e familiar estão entre os pontos-chaves envolvidos nessa patologia, já que as crianças estão em fase de aprendizado e buscam referências o tempo todo. O conjunto de ações tem um poder tanto para proteger quanto favorecer o desenvolvimento da obesidade infantil. A presença de alimentos gordurosos, ultraprocessados e o consumo de fast foods com certa frequência na rotina, somada ao sedentarismo, contribuem para o ganho de peso.

Prevenção

A melhor forma de combater a obesidade infantil é por meio da prevenção. Para o pediatra João Lucas Altoé, durante os primeiros anos de vida da criança, é possível identificar um ganho de peso acelerado fora do padrão esperado. E as melhores maneiras de prevenir a obesidade são:

– Aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de idade.

– Alimentação saudável e equilibrada desde os primeiros anos de vida.

– Estimular bons hábitos desde cedo: comer em família, evitar distrações com telas nas refeições, oferecer frutas e legumes e respeitar a saciedade da criança.

– Incentivar a criança a ter uma vida ativa, por meio da prática regular de atividades físicas, brincadeiras e menos tempo em telas.

Palavra do especialista

Quais estratégias adotar para prevenir a obesidade infantil? Como os pais podem lidar com a seletividade alimentar sem recorrer a opções pouco saudáveis?

A seletividade alimentar é comum em algumas fases da infância, mas é importante que os pais não cedam à tentação de oferecer alimentos ultraprocessados como forma de garantir que a criança “coma alguma coisa”. O ideal é trabalhar com paciência e persistência, oferecendo os alimentos saudáveis de formas variadas, com preparações diferentes e apresentação atrativa. Envolver a criança no preparo das refeições também ajuda. Além disso, manter uma rotina alimentar, com horários definidos para as refeições e os lanches, é fundamental para evitar o consumo excessivo ao longo do dia. Para prevenir a obesidade infantil, é importante garantir uma alimentação rica em frutas, verduras, legumes, proteínas de qualidade e carboidratos complexos, além de estimular a prática regular de atividade física e limitar o tempo de tela. Outro ponto essencial é criar um ambiente sem pressões ou chantagens durante as refeições.

Como o aspecto emocional influencia a alimentação das crianças?

O emocional da criança tem grande impacto na relação com a comida. Situações de estresse, ansiedade, conflitos familiares ou até mesmo o excesso de cobrança podem levar a episódios de comer emocional, em que a criança busca conforto nos alimentos, geralmente em opções mais calóricas e pouco nutritivas. Além disso, hábitos como usar a comida para aliviar frustrações ou acalmar birras podem reforçar um ciclo prejudicial a longo prazo. Por isso, é importante estar atento ao comportamento alimentar da criança, observando se ela come por fome ou por questões emocionais.

Qual a importância de evitar a relação “comida como recompensa”?

Usar a comida como recompensa — por exemplo, “se você se comportar, vai ganhar um doce” — pode criar uma associação emocional perigosa com os alimentos. Esse hábito ensina a criança a relacionar a comida, principalmente os alimentos ultraprocessados e com alto teor de açúcar, com sensação de prazer, consolo ou sucesso. A longo prazo, isso aumenta o risco de desenvolver hábitos alimentares inadequados, dificuldade em reconhecer sinais de fome e saciedade, além de favorecer o desenvolvimento da obesidade e outros transtornos alimentares. O ideal é reforçar comportamentos positivos com elogios, atenção e atividades prazerosas que não envolvam comida.

Para saber mais sobre o direitos das crianças, conheça a newsletter Infância na Mídia.