Alienação parental: dilemas, afeto e o drama de pais e filhos

Veículo: Correio Braziliense - DF
Compartilhe

Alienação parentalÉ dentro de casa que se encontra o suporte necessário para crescer. Não somente da infância para a vida adulta, mas, também, evoluir como pessoa. E, nesse processo, a família é fundamental. No meio do caminho, porém, esse percurso pode ser interrompido abruptamente por diversas questões. Um desses dramas familiares é conhecido como alienação parental. Apesar de a expressão ganhar cada vez mais notoriedade, o significado que escorre pelas camadas do tema é mais profundo do que se imagina, podendo romper laços, minar relações parentais e formar adultos com dificuldades de se relacionar.

Na próxima terça-feira (25/4), celebra-se o Dia Internacional Contra a Alienação Parental, que, presente desde 2010 na legislação brasileira, visa combater esse tipo de comportamento capaz de impactar de maneiras inimagináveis a vida de crianças e adolescentes. Mas, mais do que isso, afeta todo o núcleo familiar.

Afinal, do que se trata a alienação parental? A advogada Renata Cysne, coordenadora do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), explica que a prática é caracterizada por toda interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, a fim de prejudicar vínculos afetivos do indivíduo com o outro genitor.

“O resultado da alienação parental é o enfraquecimento do relacionamento familiar e afetivo entre a criança ou adolescente e um dos pais. Isso traz uma série de prejuízos psicológicos na formação da criança e do adolescente, que podem crescer menos autoconfiantes e menos seguros das suas emoções, não conseguindo, muitas vezes, expressá-las”, detalha.

O termo, de acordo com ela, passou a ser utilizado no fim da década de 1980, para designar o ato de um dos pais ou responsáveis pelas crianças e adolescentes, incitarem, de forma proposital ou não, a repulsa ou a quebra desse afeto contra pai, mãe, avós ou responsáveis pela guarda do indivíduo menor de idade.

Lei de Alienação Parental

Segundo a advogada, é um direito da criança e do adolescente conviver com pai, mãe e outros familiares. Inclusive, está comprovado que crianças crescem de forma mais saudável quando estão em ambientes respeitosos e que as preparem para a vida adulta. Por isso, em 2010, a Lei de Alienação Parental foi criada.

“O intuito, do ponto de vista processual, é trazer uma série de medidas para proteger a vida da criança ou daquele adolescente em situação de alienação. Além disso, tem o objetivo de restabelecer a convivência do pai ou da mãe que também é vítima dessa prática”, explica Renata.

Na rota desse delicado percurso de volta à estabilidade familiar, todo cuidado para com a vida e integridade da criança é necessário. Nesses casos, durante os processos, a justiça dispõe do chamado depoimento especial, em que são compartilhados os relatos dela com todos os órgãos de sistema de proteção à criança, para que ela não precise repetir várias vezes o ocorrido.

Comportamento, características e conduta

A lei, como descreve Renata, protege a criança para que eventuais desavenças e discordâncias entre quem tem a responsabilidade pela criação não interfiram na relação entre ela e o pai, ou a mãe, ou os avós, por exemplo. “Ela dá ao Judiciário instrumentos para coibir a prática sempre que perceber que está ocorrendo, garantindo, assim, o direito da criança e do adolescente de conviver, de maneira saudável, com seus familiares”, afirma.

Esse drama presente dentro do lar é mais comum do que se imagina. As formas de alienação e o comportamento tóxico podem ser feitos de forma consciente ou, acredite, sem que o genitor perceba. “A lei traz, inclusive, um dispositivo que permite ao juiz chamar os pais quando ele percebe uma situação de alienação e alertá-los sobre a prática, porque, às vezes, ela acontece de maneira inconsciente”, ressalta Renata.

Entre as diversas formas de alienação, a mais popular, talvez, seja a campanha desqualificadora da conduta da mãe, do pai ou do responsável pelo exercício da paternidade ou da maternidade da criança, em que falsas denúncias são criadas para que o vínculo afetivo seja rompido.

Outra característica do alienador é dificultar o convívio familiar ou a autoridade parental, omitindo informações relevantes, como dados escolares, médicos, alterações de endereço, mudando para lugares distantes, onde o acesso para visitas é mais difícil.

“Importante ressaltar que, quando se trata de alienação parental, há um conjunto de ações, com objetivo de afastamento. Não são condutas isoladas e que ocorrem muitas vezes pontualmente em situações de reorganização de dinâmicas familiares”, reitera a advogada.

Contraponto

No entanto, a origem dessa lei é um tanto quanto controversa. Pelo menos no Brasil, o debate percorre diversos caminhos. Para Josimar Antônio de Alcântara Mendes, PhD em psicologia pela Universidade de Sussex (Reino Unido), pós-doutorado no Projeto Engajadamente (Universidade de Oxford & UnB), o projeto de lei que deu o salto inicial para tramitação nasceu rapidamente, sem qualquer envolvimento de vozes e representantes que indicassem a diversidade de visões e críticas sobre o tema.

Segundo ele, na audiência pública que antecedeu a criação da lei, não houve participação de outras pessoas senão daqueles que estavam interessados em desenvolvê-la rapidamente. Um fator em questão, chamou atenção, a ausência do Conselho Federal de Psicologia (CFP) no debate, embora fosse um grande interessado, visto que a premissa da lei versa sobre problemas e consequências psicológicas.

“Naquela época, o Conselho se inseriu no processo, sem ser convidado, afinal, a psicologia é bastante interessada nesse tópico, porque a premissa deles é de que esses atos produzem uma série de problemas psicológicos. É um tema muito caro para não convidar ninguém da área”.

Com isso, mesmo sem ser convidada a discutir sobre a criação da lei, o CFP compareceu na audiência pública, mas teve seu posicionamento, que foi contrário, ignorado. Pouco tempo depois, o trâmite foi aprovado e o Brasil passou a ser o primeiro país no mundo a ter uma lei de alienação parental. Embora a título de interesse isso tenha um caráter magnífico, Josimar reitera que há mais complexidade nisso do que parece.

Por que a contrariedade?

Na avaliação do psicólogo, a lei criada no Brasil é apenas uma réplica de teorias que se estabeleceram nos Estados Unidos na década de 1980, pelo psiquiatra infantil Richard Gardner, uma figura bastante contraditória no que diz respeito ao tema, já que, apesar de lutar contra a alienação parental, também defendia homens que foram acusados de pedofilia ou incesto.

Além disso, esse modelo replicador não tem total entrelace com a cultura da alienação parental no Brasil. Como ressalta Josimar, não houve uma conversa do assunto com a realidade da sociedade brasileira, já que, na tese de Gardner, ele colocava as mulheres como principais alienadoras. “Não podemos pegar nada que venha de outra cultura que é construída com outros valores e remodelar no Brasil, sem que haja uma crítica sobre isso”, reafirma.

Essa teoria, segundo o profissional, foi criada nos Estados Unidos a partir de um modelo de sociedade específico, de um sistema jurídico diferente do nosso, ou seja, criado em outro lugar e trazido sem qualquer validação transcultural, científica ou qualquer discussão técnica sobre isso.

Do ponto de vista científico, como descreve Josimar, ainda falta muito para explicar a alienação parental, pois ela não ocorre somente na lógica do término de um relacionamento em si. Partir por esse pressuposto não seria a melhor análise, tanto da afirmação sobre o termo quanto das consequências que a prática pode deixar.

“As pessoas que defendem essa teoria não sabem das evidências ou as ignoraram. Além do mais, essa lei é, essencialmente, de misoginia. Neste país, bastante machista e patriarcal, qualquer coisa que possa atingir ou violar o direito de mulheres é, basicamente, muito bem aceito”, aponta Josimar.

Fim do casamento; fim da família

As marcas deixadas pela alienação parental atingem não somente a criança, mas também aqueles que sofrem pela distância dos filhos. Há mais de uma década, Maria Silva (nome fictício), 47 anos, vive a dura realidade de ser mãe na ausência, pois o fim do casamento também causou o fim da família, já que ele não aceitou o término de forma saudável.

Na época em que Maria decidiu se separar, o filho do casal tinha apenas um ano e meio. “Ele prometeu que faria da minha vida um inferno. Quando levava meu filho, não devolvia, descumprindo a regulamentação das visitas. Meu filho foi objeto de busca e apreensão por três vezes”, recorda-se.

Diante do comportamento agressivo por parte do pai, a juíza do processo estipulou visitas assistidas, o que acabou deixando-o ainda mais irritado. Na época, o ex-marido usava da condição financeira e do alto cargo que ocupava em sua profissão a seu favor, atraindo Maria para o seu jogo psicológico.

No entanto, passado um tempo, assim como em quase todas as relações, uma impressionante mudança em seu comportamento começou a surgir. A postura, da água para o vinho, fez com que Maria acreditasse e demonstrasse vulnerabilidade e crença nas palavras ditas. “Ele dizia sentir muita falta do filho. Tanto que me convenceu a deixá-los passear em um fim de semana. Porém, na data estipulada para a entrega, não apareceu e disse que eu nunca mais veria meu filho.”

Distância forçada

O desespero, obviamente, foi natural. Maria optou por contratar um advogado para frear o comportamento do ex-marido. Foi aí que ela tomou ciência de que ele havia entrado com processo para modificação da guarda, alegando falsas denúncias e mentiras contra a ex-companheira. “Eu consegui provar que nada do que ele falava estava acontecendo. Porém, com a morosidade do Judiciário, fiquei afastada do meu filho por cinco anos. Consegui, com muito custo, a visita supervisionada dentro do fórum e, mesmo assim, meu filho se recusava a me ver.”

Os anos se passaram e o filho tornou-se um desconhecido para Maria. Em 2022, com 15 anos, ela tentou se reaproximar. Mesmo buscando contato por telefone, e-mail ou outros meios, o garoto, alienado pelo pai, tem dificuldades em desenvolver qualquer tipo de diálogo com a mãe.

Com muita luta, conseguiu uma espécie de acordo com o ex-marido: uma visita por mês em algum lugar público, para, pelo menos, tentar construir alguma relação com o adolescente. “Eu busquei ajuda psicológica, pois não sabia o que era a alienação parental e também desconhecia a falsa acusação. Para mim, foi um universo novo que jamais acreditei que aconteceria comigo.”

De acordo com ela, com a demora do processo judiciário, a alienação parental foi instalada na medida em que o filho crescia. Relatos, falsas memórias e trocas que nunca aconteceram foram contadas pelo garoto, que passou a ser muito fiel ao pai. “Meu filho passou por avaliação judiciária (psicólogos) e estava nítida a alienação. Ao ser indagado pela profissional sobre determinado assunto, ele não sabia responder, então dizia: pergunta para o papai, ele que sabe”, relembra.

Com bastante restrição e somente quando o pai sente vontade, Maria consegue ver o filho. Ambos moram em cidades diferentes, o que dificulta ainda mais o acesso, que por si só já é distante. Mesmo assim, a esperança de Maria, sendo mãe, ainda não morreu — e nunca vai morrer.

Pelo olhar da criança alienada

Pós-doutor em neurociências e mestre em psicologia, Fabiano de Abreu reforça a importância de reconhecer e perceber os traços da criança alienada, para que eles sejam revertidos da melhor maneira possível. Alguns dos sintomas citados por ele, e possivelmente presentes, são: ódio ou medo do genitor alienado; acusações irrealistas ou falsas; ausência de culpa sobre sentimentos negativos em relação ao genitor alienado; apoio inabalável ao genitor alienador; e idealização do genitor alienador.

“A criança alienada desenvolve um apego emocional doentio (vínculo traumático) com seu agressor, o genitor alienador. Comportamentos de vínculo traumático são vistos em cultos, situações de reféns, tráfico humano, violência de parceiro íntimo e abuso infantil. É resultado de trauma interpessoal em relacionamentos violentos ou exploradores”, acrescenta o profissional.

Fabiano descreve que o impacto da alienação parental pode durar anos ou até a vida inteira. A prática, como avaliada por ele, nega às crianças uma infância normal. Outro aspecto mencionado pelo profissional, e pouco abordado quando correlacionado ao tema, é a impossibilidade de a criança ter uma relação com a família do genitor alienado.

“Crianças alienadas vivenciam um luto complexo pela perda de um genitor ainda vivo. Como essa perda é resultado de manipulação emocional, elas experimentam dificuldades psicológicas associadas a esse tipo de trauma e abuso. A alienação parental causa sofrimento emocional aos filhos. Os resultados a longo prazo nas crianças incluem: isolamento social, senso de identidade frágil, raiva, depressão e ansiedade“, elenca o doutor em psicologia.

“Cadê seu pai?”

De fato, tudo que é construído na infância, visto pelo olhar da criança, é guardado em sua memória com acontecimentos que ela não queria ter presenciado. Fernanda Souza (nome fictício), 22, nasceu dentro da guerra de seus pais, que se separaram quando ela tinha apenas 3 anos. No começo, confessa que não entendia o porquê do drama familiar ter inaugurado tantas cicatrizes em seu peito. Mas, à medida que foi crescendo, percebeu que estava no meio de uma realidade dura e difícil.

“Por um lado, uma mãe solteira revoltada com o término; por outro, um pai que vacilou de diversas maneiras e se ausentou depois da separação”, diz a jovem. Ao longo do tempo, percebeu-se cada vez mais distante daquele que deveria cumprir o papel de homem de sua vida. E isso, como afirma, porque se viu tomando as dores da mãe em relação às vivências que ela teve com o ex-companheiro. Foi aí que virou a chave: Fernanda estava sendo alienada.

“Havia coisas que realmente me davam motivos para ficar chateada com ele, mas boa parte era por situações que a minha mãe tinha passado com ele no casamento, não eu. Como fui criada por ela, a raiva e todos os outros sentimentos foram passados pra mim”, relembra.

Todos esses elementos presentes no crescimento da jovem implicaram no difícil acesso ao pai, que acabou se afastando. Crescer sem uma companhia masculina fez nascer em Fernanda cicatrizes ainda na infância, que perduraram na adolescência e ainda precisam ser cuidadas na vida adulta.

“Não consigo abraçar nem me expressar afetivamente sem sentir um incômodo no peito. Parece que ele é um estranho para mim, mesmo que tenhamos melhorado nossa relação. Essa situação refletiu muito nos meus relacionamentos, principalmente amorosos”, expõe. Ela cita ainda a dificuldade em verbalizar mágoas ou mesmo pedir desculpas.

Acredita que tudo isso tenha sido gerado pela forma como viu a mãe conduzir a relação com o pai. Durante a infância, a escutava dizer coisas como: “Eu tô aqui fazendo tudo por você, ‘cadê seu pai?’. Seu pai fez tal coisa e você ainda quer sair com ele?”.

Escutar e absorver tantas informações não foi fácil. Apesar da barreira em lapidar afeto paterno, Fernanda conta que o relacionamento entre os dois melhorou, que é tranquilo. Mesmo assim, os traumas e cicatrizes ficaram, pois, quando o assunto é afeto, esquecer parece nunca ser uma opção.

“Isso não é só em relação ao meu pai. Depois que tive plena consciência da situação em que estava, sinto a mesma coisa com a minha mãe. Meu lado maduro e adulto entende tudo que ela passou, entende a situação em que ela estava (criando uma filha sozinha, desempregada), mas minha criança interior vê uma mãe que não poupou uma criança de problemas que não eram para ser absorvidos, que perdeu a infância e uma relação melhor com o pai por conta dessas brigas”, expressa.

A importância de acolher

Nos últimos anos, o tópico alienação parental vem ganhando força e levando informação para aqueles que desconhecem a expressão. Muito dessa conquista vem daqueles que agem pela causa. A Associação Nacional em Defesa dos Filhos Pela Igualdade Parental (ANFIPA) é um exemplo. Fundada em julho de 2019, a instituição luta contra a prática, além de assistir e acolher pais e filhos vítimas.

O atual presidente da associação, Vinicius Ferreira, 44, comenta que o trabalho realizado em torno dessas pessoas aborda a importância de informar, por meio de estudos, publicações, matérias e teses, quais são os atos de alienação e do que se trata o direito familiar. Graças ao grupo, e a tudo o que estão fazendo, o termo alienação parental ganha visibilidade. Com assistência terapêutica, reuniões nas cúpulas de Brasília, os esforços e as energias em prol do combate são imensos.

Ainda sim, conseguem acolher e abraçar. “Se não ajudarmos essas pessoas, o desespero delas pode tomar contornos absurdamente cruéis e terríveis. Não são raros os casos de suicídio. É muito importante que essas pessoas saibam que tem gente capacitada para lidar com isso, e que elas não estão sozinhas. Isso é uma coisa que fazemos. Acolhemos pessoas”, enfatiza Vinicius.

O amor muda tudo

Especialmente quando se é criança, um abraço pode mudar tudo. Sobretudo quando você cresce colocando suas mãos no desafeto. Miguel Nascimento (nome fictício), 50, sabe bem o quão necessário é amar, mesmo que seja tarde. Em 2008, separou-se da então companheira. Ciúmes, possessividade e traços tóxicos não lhes trouxeram outra opção. O que foi, decerto, bem difícil, pois existia algo que os unia eternamente: uma filha.

Na época, a pequena tinha 9 anos. Com o término de vontade unilateral, a ex-esposa fez de tudo para minar o relacionamento de Miguel com a criança. “Ela dizia que eu não a amava, que eu tinha abandonado a família. Criava um cerco psicológico, muito difícil de se libertar. E cada evento inesperado que acontecia entre a gente, seja um telefonema perdido, seja uma visita que não dava certo, era uma validação para essa teoria”, acentua.

Com isso, a filha cresceu abalada. E, pior, com a consciência de que não era amada. Seja pelo pai, seja pela mãe. A situação, ficando cada vez mais conflituosa entre os dois, fez com que Miguel abrisse mão de vê-la por um tempo, por volta dos 12 anos dela, para tentar apaziguar a relação e decretar trégua no pós-término. E talvez tenha sido essa a decisão da qual mais se arrepende.

“Chegou um momento em que minha filha me via como um monstro. E, neste ponto, eu falhei, pois eu tinha também meus problemas e dificuldades, achei que o melhor seria que o tempo mostrasse a situação. Meu pensamento era: se minha filha não entender agora, não adianta forçar; quando ela crescer, entenderá, de fato, quem está certo ou errado.”

Mas, depois de uma situação infeliz, já entrando na adolescência, ela começou a acreditar fielmente nas coisas que a mãe contava sobre o pai. De acordo com Miguel, foi a gota d’água para que a filha se apegasse à teoria de que ele não a amava. Foram mais de dois anos de distância. Era difícil para ela entender. De um lado uma mãe tóxica; do outro, o pai que a deixou, mesmo que sem vontade. Crescer não deveria ser tão difícil, mas foi. “Não importa o quanto uma criança esteja alienada, nunca se abandona um filho”, diz Miguel.

Retorno, perdão e perda

Com o passar dos anos, a necessidade da filha em ter um colo foi aumentando. Já que a adolescência, em razão das diversas relações familiares frustradas, não vinha lhe fazendo bem. Nessa oportunidade dada pelo destino, o perdão entre pai e filha, enfim, veio. “Quando ela começou a entender a história, a mágoa foi transformada em raiva. Um sentimento por ter sido alienada e outro por ter sido abandonada”, revela.

Apesar disso, o ressignificado nasceu. Das dores e traumas, o apreço e o aconchego. Ambos eram pai e filha, como nunca antes. Cúmplices, se comunicavam quase todos os dias, compartilhavam futuros e sonhos. Em especial ela, que estava saindo do ensino médio e ansiando pela vida. Embora as cicatrizes existissem e a terapia fosse presente na vida da filha, tudo parecia se encaixar.

O início na faculdade de psicologia, novos amigos e amores. Até mesmo passou a morar sozinha aos 20 anos. Mas, em 2020, tudo mudou. A pandemia havia chegado e o pai, incrédulo, recebeu a notícia que tinha perdido a filha que tanto lutou para ter por perto de novo. “Eu mal conseguia acreditar. Como morávamos em estados diferentes, precisei viajar. Foram as piores horas da minha vida”, lembra.

Após a morte da filha, Miguel entrou em uma jornada de autoconhecimento. Hoje, percebe tudo de forma mais clara. Entende, ainda, a parte da relação tóxica que teve e passou a ter compaixão pelo sofrimento da ex-esposa. “Já me pacifiquei quanto a isso, sendo mais presente e útil quanto eu possa às pessoas que me cercam. A vingança, a raiva e a culpa não trarão minha filha de volta, mas passar essa experiência para frente pode vir a ajudar outras crianças a não passarem o que ela passou”, finaliza.

 

Para saber mais sobre o direitos das crianças, conheça a newsletter Infância na Mídia.