Escolas usam jogos educativos para avaliar aprendizagem em tempo real
Sem precisar corrigir as tarefas de cada um dos 16 alunos do 1.º ano do ensino fundamental, a professora Noemia Chamelet recebe em poucos minutos um relatório com os erros e acertos que a turma teve na lição de casa. Já bastante comuns nas escolas como complemento das aulas, os jogos educativos online passaram a ser usados para avaliar o desempenho das crianças e trazer um diagnóstico mais rápido do aprendizado.
Alinhados às competências avaliadas por provas nacionais, como a Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA) e a Prova Brasil, plataformas e aplicativos com exercícios gamificados de Português e Matemática, que oferecem um relatório individual do aprendizado, estão cada vez mais presentes nas escolas. Especialistas dizem que o instrumento pode ser um apoio complementar nas aulas, mas ressaltam que é preciso cuidado para não pressionar as crianças por bons resultados ou retirar a autonomia do professor.
O Colégio Maria Imaculada, na região central de São Paulo, começou a usar a plataforma Elefante Letrado ao buscar um instrumento que identificasse o desenvolvimento das crianças em fase de alfabetização. A plataforma oferece 900 livros infantis e mede o tempo que cada aluno levou para ler, além de apresentar um questionário para avaliar quanto o aluno interpretou do texto.
Uma vez por semana, Noemia apresenta um dos livros do aplicativo para leitura coletiva em sala de aula e depois propõe como lição que os alunos leiam outra obra em casa. “Quando a criança termina a tarefa, recebo um relatório que me indica o tempo que ela levou para ler, se concluiu o livro, se entendeu o que leu. Com base nessa análise, sei em que ritmo cada um está e como trabalhar em sala para estimulá-los”, diz a professora.
O uso da plataforma em momentos de lazer também é incentivado pela escola. O publicitário Alan Ristow, de 43 anos, conta que o filho Henrique, de 6 anos, deixou de pedir para usar seu celular para brincar com jogos eletrônicos desde que passou a acessar o Elefante Letrado. “Quando estamos em um restaurante ou algum lugar que não tem com quem brincar, ele pede para usar o aplicativo. Trocou os joguinhos pelos livros digitais.”
Nos últimos três meses, o menino leu 50 livros pela plataforma. O pai conta ainda que o incentiva a responder às questões propostas ao fim da leitura e pede para que conte o que leu. Segundo Noemia, o aplicativo ajuda a identificar não só os alunos que estão com mais facilidade para ler, mas também os que têm mais interesse pela leitura. “Se uma criança lê apenas o que é obrigatório, eu vou buscar outras estratégias, como os livros físicos ou gibis, para tentar captar a atenção”, conta.
Monica Timm, CEO da plataforma, diz que as análises permitem um olhar preciso do desenvolvimento da leitura. “Avaliamos 15 habilidades e competências leitoras e mostramos quais são as deficiências. Por mais atento que o professor esteja, às vezes ele pode estar focando em apenas um aspecto”, diz.
Para acompanhar o aprendizado dos alunos em Matemática, o Colégio Humboldt, na zona sul, adotou o Matific a partir do 3.º ano do ensino fundamental. Uma vez por semana, as crianças vão para o laboratório de informática ou usam tablets para fazer os exercícios, que são apresentados em formato de jogo. Minutos depois, a plataforma cria um relatório com o desempenho de cada um e o geral da turma – por exemplo, o porcentual de crianças que errou as atividades que envolvem fração.
“O professor consegue identificar como cada um aprende. Por exemplo, quem faz os exercícios rapidamente ou quem leva mais tempo, mas tem maior índice de acertos. Entendemos o ritmo de cada criança, o que é difícil de detectar pela lição tradicional”, diz o coordenador Marcelo Milani.
Assistente. Para Eliana da Silva, professora do 4.º ano da Escola Estadual Idalino Pinez, o uso da plataforma russa DragonLearn, que também avalia dados com base em exercícios gamificados de Matemática, faz com que os alunos se concentrem mais do que em outras atividades propostas em sala de aula. “Eles não sentem que estão sendo avaliados, entendem como se fosse uma brincadeira. Eles se empenham porque querem avançar para as próximas fases.”
Com os exercícios, Eliana percebeu que parte dos 28 alunos da turma estava com dificuldade na identificação numérica e, por isso, decidiu retomar o conteúdo que já havia sido ensinado em anos anteriores. Frederico Farias, diretor da DragonLearn no País, explica que, ao identificar as dificuldades de cada estudante, a plataforma se torna um “assistente” do professor. “Ele permite trilhas diferentes de exercício. Assim, o aluno que está mais avançado não fica entediado de fazer algo que para ele é simples; nem desestimula quem tem dificuldade.”
Especialistas têm ressalvas e destacam papel do professor
A utilização dos jogos de educação para avaliar o desempenho dos alunos é vista com ressalvas por especialistas da área. O tempo de uso em sala de aula e o acompanhamento de um adulto são necessários para identificar a reação das crianças durante as atividades.
“Alguns alunos podem se sentir desafiados, mas outros podem ficar frustrados ou ansiosos ao errar e, com isso, se afastar da disciplina. Também é preciso cuidado para não confundir o interesse da criança pela matéria com um possível vício pelo jogo”, diz Monica Franco, superintendente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação (Cenpec).
Ela também ressalta que, como os conteúdos dessas plataformas podem ser atualizados constantemente, o professor tem menos controle sobre o que o aluno está acessando. “O livro didático passa por uma análise de uma equipe pedagógica. No aplicativo, nem sempre é possível saber qual é abordagem dos exercícios, se os enunciados podem trazer alguma mensagem negativa, por exemplo, de preconceito”, diz.
Ela também avalia que, como qualquer recurso pedagógico, os jogos precisam dialogar com a proposta do colégio. “Se o conteúdo ou a abordagem dos exercícios não estiver alinhada com o que é trabalhado em sala de aula, pode provocar uma confusão na cabeça da criança.”
Olhar. A psicopedagoga Neide Noffs, especialista em avaliação educacional, defende que a melhor forma de compreender as necessidades e dificuldades de cada criança, especialmente no início da vida escolar, é o olhar atento do professor. “Nessa fase, a criança precisa desenvolver uma relação próxima com o professor para ganhar confiança e segurança na sua capacidade de aprendizagem. Ao delegar a responsabilidade dessa proximidade a uma ferramenta digital, corre-se o risco de rotular o aluno, fazer um diagnóstico raso e prejudicial”, diz. Ela também questiona a função de algumas informações avaliadas pelos aplicativos, como o tempo de resolução de exercícios ou leitura.
As especialistas dizem que os jogos podem ajudar a tornar o conteúdo mais atrativo, mas lembram que nos anos iniciais também é importante que as atividades sejam desenvolvidas de forma coletiva. “Deve haver um cuidado para não reduzir o aprendizado escolar apenas ao resultado acadêmico e não visar ao desenvolvimento integral da criança”, diz Neide.