Extrema pobreza entre crianças e adolescentes atinge maior índice em seis anos no Ceará

Veículo: O Povo - CE
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O número de pessoas menor de 14 anos que vivem em situação de extrema pobreza no Ceará (com renda per capita domiciliar mensal de até um quarto de salário-mínimo), aumentou cerca de 39% entre 2020 e 2021. Conforme publicação divulgada pela Fundação Abrinq, índice é o maior já registrado em seis anos.

Dado faz parte da edição 2023 do Cenário da Infância e Adolescência no Brasil, estudo idealizado pela fundação e que leva em consideração índices da última divulgação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Objetivo da publicação é traçar um panorama que reúne os principais indicadores sociais sobre crianças e adolescentes. Na nova edição, o compilado dos dados mostrou que o Ceará tem 753 mil pessoas de até 14 anos vivendo em um ambiente domiciliar mantido por uma renda de apenas R$ 275 mensais.

Número de cearenses desse grupo na extrema pobreza aumentou nos últimos anos. Série histórica foi de: 2016 (699.889), 2017 (684.676), 2018 (681.434), 2019 (682.000), 2020 (540.149) e 2021 (753.694).

Além disso, o índice de residentes do Estado de até 14 anos que vivem em situação de pobreza (com renda domiciliar mensal per capita de até meio salário-mínimo) aumentou cerca de 16% entre 2020 e 2021. Série Histórica foi de: 2016 (1.337.309), 2017 (1.309.189), 2018 (1.262.047), 2019 (1.248.402), 2020 (1.205.247) e 2021 (1.401.020). Índice é o maior registrado dentro da faixa de tempo analisada.

No cenário nacional, considerando os anos de 2020 e 2021, a publicação mostra que o Brasil teve um aumento de 14% do número de pessoas de até 14 anos que estão inseridas na condição de pobreza. Já o índice de indivíduos dessa faixa etária inseridos na extrema pobreza aumentou aproximadamente 38%.

O Nordeste é a região que mais apresenta crianças e adolescentes dentro da pobreza e da extrema pobreza, registrando 9.297.288 e 5.277.849, respectivamente. De acordo com João Pedro Sholl Cintra, técnico em inteligência de dados e indicadores sociais da Fundação Abrinq, um dos fatores que agravaram essa situação no País foi a “insustentabilidade” do auxílio emergencial em 2020.

Já sobre o aumento dos índices na Região Nordeste e no Ceará, ele frisa que “a Pnad aponta a participação decisiva das transferências de programas sociais na composição da renda do domicílio, o que mostra que as famílias são mais suscetíveis às variações dos programas de governo e do próprio cenário econômico”. Além disso, o representante destaca que é preciso levar em consideração que, tanto no Nordeste como no Ceará, um em cada três residentes têm menos de 19 anos de idade.

Extrema pobreza afeta desenvolvimento de crianças e adolescentes

Segundo Aurislane Abreu, assistente técnica do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca), o empobrecimento traz impactos negativos no desenvolvimento de crianças e adolescentes, como na autoestima e sociabilidade — que podem ser agravadas pela fome e pela insegurança alimentar.

“Uma criança com fome possivelmente se sentirá mais indisposta e desinteressada por atividades próprias da sua idade. No campo da educação, os impactos são na aprendizagem desses sujeitos, de modo que podem apresentar dificuldade de concentração, irritabilidade ou sono excessivo, por exemplo, dificultando a absorção de conhecimento passado em sala de aula”, pontua.

A representante frisa ainda que existem pesquisas que mostram que uma criança e adolescente que não se alimenta adequadamente terá seu desenvolvimento metabólico afetado”. Além disso, ela destaca que outro ponto importante está relacionado “ao não acesso a políticas publicas fundamentais para a vida”.

“Pessoas que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza encontram maior dificuldade para acessar educação, saúde, moradia, esporte e lazer em virtude da dificuldade para se deslocar na cidade, por exemplo, ou acessar informações básicas sobre o funcionamento e acesso dessas políticas. Para além disso, vale destacar que os territórios de maior vulnerabilidade são onde existem menos equipamentos públicos e projetos que viabilizem o acesso a esses direitos fundamentais”, explica.

Nesse cenário, Aurislane frisa que o “acesso a políticas públicas é um caminho para a construção de uma sociedade justa e igualitária”. Além do trabalho realizado pelo Cedeca, no Ceará existem alguns programas voltados para essa problemática, a exemplo do Vale Gás e do Mais Infância, como conta Abreu.

“Entretanto, cabe destacar que se faz necessário pensar políticas públicas e de estado que sejam consistentes e pensem de forma ampla a pobreza em nosso Estado, entendendo que a pobreza não está relacionada somente a distribuição de renda. É necessário que se invista nas demais políticas, possibilitando acesso de qualidade para todas as crianças e adolescentes cearenses. E também na redistribuição de renda, pois vivemos em um país de extrema desigualdade social”, completa.

Mortalidade materna aumentou no Estado

O estudo idealizado pela Fundação Abrinq também mostra que houve um aumento da taxa de mortalidade materna no Ceará. Conforme dados do Pnad, a série histórica desse índice foi de: 65 (2015), 74 (2016), 84 (2017), 90 (2018), 75 (2019), 119 (2020) e 123 (2021). Entre os dois últimos anos analisados, o número aumentou cerca de 4%, chegando a 102,3 óbitos maternos a cada 100 mil nascidos vivos.

No Brasil, o índice teve um aumento de 53% em 2021, saltando de 72 para 110,2 óbitos maternos para cada 100 mil nascidos vivos. Já na Região Nordeste, o aumento foi de 52%, indo de 285 para 435.

Segundo João Pedro Sholl, o índice da mortalidade materna no Brasil demonstrou aumento de 35% no fim de 2020 e seguiu crescendo em 2021. Nos dois períodos, o País vivia as primeiras ondas da pandemia de Covid-19, onde as grávidas estavam entre o público considerado como grupo de risco.

“(O aumento de mortes de gestantes) aconteceu pela saturação dos sistemas de saúde. Como também pela já instalada tendência de contínuo crescimento dos óbitos maternos. Desta forma, o aumento da pobreza (e de sua variação extrema) e o aumento da mortalidade materna, apesar de terem uma ligação estrutural e indireta entre si, na verdade, demonstraram esta dinâmica em função da pandemia de Covid-19”, explica ainda o representante.

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