“Fumar cotonete”: a moda entre crianças e adolescentes que preocupa pais e especialistas

Veículo: Revista Crescer - SP
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Uma nova “brincadeira” que está circulando na internet vêm preocupando pais e especialistas. Vídeos em que crianças e adolescentes “fumam” cotonetes, como se fossem cigarros, estão viralizando nas redes sociais, especialmente no TikTok.

De tempos em tempos, surgem “modinhas” — ou “trends”, como as crianças costumam chamar — que viralizam nas redes sociais. Algumas são inofensivas e até divertidas, como as dancinhas. Mas outras podem trazer consequências mais graves, colocando em risco, inclusive, o bem-estar dos pequenos. É o caso dos “cigarros de cotonete”. Em entrevista à CRESCER, médicos alertaram que a prática é perigosa e pode fazer mal à saúde tanto a curto quanto a longo prazo.

Segundo a pneumologista pediátrica Brunna Santana, do Grupo Prontobaby (RJ), uma única tentativa de experimentar a “brincadeira” já pode ser suficiente para causar danos ao trato respiratório e, inclusive, levar à internação hospitalar. “Parece inocente, mas quando queimamos a haste de plástico e o algodão, são liberadas substâncias tóxicas que afetam o pulmão. Um cigarro comum já seria perigoso. No caso do cotonete, que não tem filtro nenhum, pode ser ainda pior”, explica. “Por isso, as famílias precisam observar o tipo de conteúdo a que os filhos têm acesso na internet, para orientar e desencorajar esse tipo de coisa, principalmente em crianças que já têm quadros respiratórios e podem ter complicações”, completa.

A origem da trend de “fumar” cotonete

Apesar de só agora especialistas estarem alertando sobre os riscos da prática, alguns adolescentes afirmam que ela já é comum entre os usuários das redes sociais há pelo menos dois anos. “Isso não é de hoje, não, mano, quem nunca fez isso? KKKKK”, escreveu um menino nos comentários de uma publicação. “Eu e meus amigos tudo fazendo isso na pandemia“, disse outro. “2020/21 eu fazia isso, saudade”, falou mais uma.

A tendência dos cigarros de cotonete viralizou não só no Brasil, mas também em outros países da Europa. Apesar de não se saber ao certo como tudo começou, basta uma busca rápida nas redes sociais para encontrar vídeos de pessoas explicando o passo a passo de como fumar as hastes de algodão. Uma delas é uma adolescente brasileira que soma mais de 79 mil seguidores no TikTok e se diz a “criadora” da trend.

“Fui parar na televisão só porque eu falei como faz [para fumar] e virei o rosto desconhecido que faz adolescentes terem abstinência de cigarro. Mas vou ensinar de novo. Primeiro, você tira uma ponta do cotonete. Tirou? Depois, ou você coloca fogo na outra parte ou coloca sabão líquido. Agora, assopra. Com o fogo é mais fácil, mas é mais legal com sabão, porque o fogo é prejudicial”, ela diz em um dos vídeos, publicado nesta quarta-feira (10).

Os riscos para a saúde

Como a própria garota diz nos vídeos, o fato de queimar as pontas do cotonete pode trazer sérias consequências para a saúde. “As substâncias tóxicas e fumaça produzida com a queima do algodão e do plástico entram em contato com o nosso trato respiratório e podem causar danos severos, como crises de falta de ar, chiado no peito, reações alérgicas e inflamatórias, além de queimaduras nas mãos e na boca. A longo prazo há maior risco até de doenças mais graves, como o câncer”, diz a otorrinolaringologista Roberta Noer Pilla (SP).

A prática pode ser ainda mais perigosa para crianças e adolescentes que já têm alguma questão respiratória, como quadros de asma, rinite ou pneumonias de repetição. Nesses casos, nem é preciso que o ato de fumar cotonetes se torne um hábito para perceber as primeiras consequências negativas. “Se a criança já tiver predisposição, uma ou duas vezes fumando o cotonete já pode ser o suficiente para desencadear uma crise. Alguns pacientes asmáticos, por exemplo, precisam ir para o hospital por causa de fuligem de churrasco. Imagine, então, se fumarem o cotonete. Precisamos sempre desencorajar o tabagismo, de qualquer tipo”, reforça a pneumologista pediátrica Bruna Santana.

Nos comentários dos vídeos que ensinam como aderir à prática, é possível encontrar relatos de adolescentes que testaram e não tiveram uma boa experiência. “Fiz o negócio do cotonete, quase morri”, escreveu um. “Era com sabão? Aí, eu estava fazendo e estou quase morrendo de falta de ar”, contou outro. “Eu fiquei tossindo que nem uma vaca”, disse um terceiro.

Alguns sinais podem ser pistas de que seu filho também está testando algo parecido. Segundo a otorrinolaringologista Roberta Noer Pilla (SP), queimaduras nos dedos e na face ou sintomas respiratórios como tosse, espirros, falta de ar, crises de rinite, asma ou bronquite sem explicação aparente podem ser um indicativo de que há algo de errado. “É preciso prestar atenção em casa com o sumiço de hastes de algodão e com o cheiro de queimado. Se identificarem que a criança está fumando o cotonete, os pais devem fazer a criança interromper imediatamente essa brincadeira e encaminhá-la para especialistas”, afirma.

Como proteger seu filho de desafios virais

Para o psiquiatra e psicoterapeuta Wimer Bottura, presidente do Comitê de Adolescência da Associação Paulista de Medicina, o “cigarro de cotonete” em si não é o principal problema nessa nova trend. “O que é mais grave é a atitude. O que os adultos devem se questionar é: por que esses jovens e crianças estão precisando fazer coisas que chamem atenção e que despertam a sensação de estar burlando uma regra e provocando uma censura? Sempre existiram modas, mas o que precisamos tentar entender é a necessidade de serem reconhecidos, serem validados como pessoas”, alertou.

A orientação é que os pais dialoguem com os filhos. “Esse é um sinal, um aviso importante de que algo precisa ser feito para que não se evolua para outras práticas. Mas é importante salientar que dialogar significa, também, escutar o que o outro tem a dizer, com a possibilidade de o adulto mudar de opinião em relação a algo que o adolescente ou a criança fala. Os pais precisam estar abertos. Eles não devem apenas falar, mas também ouvir e, principalmente, pensar sobre o que o filho diz”, orientou. Caso tenham dificuldade na conversa, os pais, segundo o especialista, não devem desistir. “Busquem aconselhamento de pais, mesmo que sejam na escola, para identificar quais outros fatores estão ocorrendo. O adulto, muitas vezes, já tem respostas prontas e, nesse caso, o filho desiste de dialogar”, ressaltou.

A seguir, veja algumas dicas de como fazer isso:

– Fique de olho: Não deixe que seu filho assista a conteúdos disponíveis na internet sem supervisão. Atualize-se e veja que tipo de vídeos ele tem consumido. Isso serve não só para os “cigarros de cotonete”, mas também para outras tendências perigosas e desafios online.

– Diálogo aberto: Se você souber o que ele assiste, vai ficar mais fácil e natural começar um diálogo. Aproveite para perguntar o que a criança pensa sobre os jogos e vídeos e mantenha o diálogo sempre aberto.

– Seja um apoio: Certifique-se de que seu filho saiba que você está ali para ajudá-lo, abraçá-lo e que você o ama, caso conteúdos como estes cheguem até ele.