Neuropediatras explicam malefícios a longo prazo da exposição às telas

Veículo: Correio Braziliense - DF
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Neuropediatras explicam malefícios das telas: o uso excessivo de telas pode gerar prejuízos determinantes no desenvolvimento cognitivo e físico de crianças e adolescentes

Neuropediatras explicam malefícios das telas
Foto: Reprodução Freepick

Encontrar o equilíbrio entre o uso de telas e a saúde das crianças é um grande desafio para pais e profissionais de hoje. Mesmo que seja difícil evitar completamente o ambiente digital, a mínima exposição durante a infância já pode impactar negativamente o desenvolvimento neurológico dos pequenos. Neuropediatras alertam que há prejuízo quando eles são expostos mesmo antes dos 2 anos, podendo prejudicar também o desenvolvimento da fala, assim como o desenvolvimento motor.

Nesta quinta-feira (24/8) é comemorado o Dia da Infância no Brasil, a data instaurada pelo governo federal tem o propósito de promover uma reflexão sobre as condições em que as meninas e meninos vivem. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), são consideradas crianças as pessoas com até 12 anos de idade incompletos. A lei garante ainda que eles devem ter seus direitos assegurados e as oportunidades necessárias para pleno desenvolvimento. Tendo isso em mente, o Correio conversou com especialistas para entender como o uso de celulares, televisores, tablets e computadores pode interferir em seu crescimento.

Tempo diário

O uso excessivo de telas (aquele que excede o tempo diário recomendado pela Organização Mundial da Saúde – OMS), gera prejuízos à criança e ao adolescente, tais como: mudança do padrão de sono, queda do rendimento escolar e alterações no humor. Isadora de Oliveira Cavalcante Pediatra e Neurologista Infantil pela Universidade de Brasília (UnB) explica que a OMS determina que crianças menores de 2 anos não tenham acesso nenhum a qualquer tipo de tela. De 2 a 5 horas, somente a 1 hora por dia. De 6 anos em diante, somente 2 horas por dia. “Além dessas recomendações, geralmente aconselhamos a tentar utilizar antes das 18h, para não interferir na rotina de sono e no ciclo circadiano do organismo, assim tendo pouca interferência na nossa produção de melatonina, o chamado hormônio do sono.”

O desenvolvimento da criança nesta fase é de extrema importância e Isadora afirma que os prejuízos dos excessos pode ser de forma global. “Há prejuízo e retardo de socialização, desenvolvimento de mecanismos de comunicação e linguagem, além de alterações no desenvolvimento motor, principalmente motricidade fina (características relacionadas a movimentos mais precisos das mãos, como movimento de pinça, abrir garrafas, pegar pequenos objetos, encaixe de objetos). Além disso, há prejuízo cognitivo, com tendência a ter uma inteligência inferior aos genitores,” argumenta a médica.

Contradição

Também é comum que pais experimentem sentimentos contraditórios diante das situações com as telas, como alívio e culpa. Se por um lado, os adultos intuem que passar o dia trancado no quarto diante de uma tela não pode ser saudável; por outro, os pais se sentem aliviados de terem alguns momentos mais calmos para se dedicar ao trabalho ou aos afazeres que se acumulam.

Mesmo assim, o neurologista infantil coordenador do Departamento de Neurologia da Sociedade de Pediatria do DF, Paulo Lobão adverte que, até os 2 anos, em especial, a criança vai adquirindo consciência sobre seu próprio corpo, objetos e o outro, por isso “o uso de telas para distrair ou acalmar bebês pode prejudicar todo o desenvolvimento. É essencial nesta fase, assim como em outras, a criança aprender usando seus sentidos em 3D e não, simplificadamente, em 2D, como as telas oferecem, além de ser um estímulo passivo e unilateral.”

“Além disso, durante os primeiros anos de vida a formação da arquitetura cerebral é acelerada e servirá de suporte para todo o aprendizado futuro. O uso da tela pode afetar os ritmos circadianos. Como resultado, ela pode causar distúrbios do sono e levar a outras condições médicas crônicas, tais como obesidade, diabetes ou depressão”, sinaliza Paulo. O especialista conclui enfatizando que a exposição excessiva à tela afeta o desenvolvimento cognitivo, afeta negativamente a atenção e a concentração, a aprendizagem e a memória, a regulação emocional e o funcionamento social.

Sono prejudicado e dependência de jogos

A lista de prejuízos provocados pelo uso das telas é grande. Evidências sugerem que pode afetar negativamente o sono, aumentando o risco de distúrbios na hora de dormir. “A luz que os aparelhos eletrônicos emitem, não somente afetam o nosso ciclo de sono vigília, comprometendo, retardando e reduzindo as horas de sono, podendo ocasionar não somente aumento de sonolência diurna, queda do rendimento escolar e aumento de sintomas ansiosos e depressivos”, explica Isadora, que acrescenta que o uso de jogos eletrônicos está ligado à circuitos cerebrais de recompensa, envolvendo um neurotransmissor chamado dopamina. Esse circuito é o mesmo envolvido na dependência de álcool e drogas. “Em um cérebro imaturo e em desenvolvimento como de crianças e adolescentes, o risco para ocorrer dependência de telas é maior, pois esses mecanismos de recompensa cerebrais são mais intensos na faixa etária pediátrica”.

Como agir sem causar a “terceira guerra mundial”

Embora os pais se preocupem, muitos não sabem como mudar a situação. Como privar os filhos do uso de aparelhos digitais atualmente sem causar conflitos? Paulo indica algumas recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria, que incluem:

  • Monitorar rigorosamente o tempo de exposição à tela em casa e na escola, de forma que a soma não ultrapasse o limite recomendado;
  • Oferecer alternativas para atividades esportivas, exercícios ao ar livre ou em contato direto com a natureza e com demais crianças;
  • Programar os dispositivos para acesso apenas a conteúdos de alta qualidade com eficácia de aprendizagem;
  • Envolvimento ativo dos pais, cuidadores e professores, tanto na leitura digital quanto na leitura de livros, que melhoram a aprendizagem das crianças pela experiência;
  • Estimular a mediação parental das famílias e a alfabetização digital nas escolas com regras éticas de convivência e respeito em todas as idades e situações culturais; e
  • Leis de proteção social e do uso seguro e ético das tecnologias já existem, mas devem ser respeitadas por todos e multiplicadas em campanhas de educação em saúde accessíveis ao público, em geral.

 

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