Orçamento e tragédia ianomâmi são desafios na área de direitos da criança

Veículo: Coluna Balanço Social
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Orçamento e tragédia ianomâmi: Organizações da sociedade civil reconhecem avanços, mas cobram do governo prioridade absoluta para crianças e adolescentes no orçamento

Orçamento e tragédia ianomâmi
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Num bonito simbolismo, Francisco Carlos do Nascimento e Silva, um menino de 10 anos que mora em Itaquera, periferia de São Paulo, subiu a rampa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia da sua posse e foi um dos representantes do povo brasileiro na entrega da faixa presidencial. Um claro aceno do novo governo à pauta dos direitos das crianças e dos adolescentes.

Pouco mais de um ano depois, a Agenda 227, movimento apartidário da sociedade civil em prol da garantia de prioridade absoluta para crianças e adolescentes, avalia que, apesar dos importantes avanços nessa área, ainda há uma série de desafios para que crianças e adolescentes sejam de fato prioridade absoluta. O principal deles, segundo Renato Godoy, gerente de relações governamentais do Instituto Alana e membro da equipe executiva da Agenda 227, é o orçamento. Em entrevista exclusiva a esta coluna, ele reforça a necessidade de aumentar os recursos dessa área.

Segundo Renato, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania tem o quarto menor orçamento da Esplanada. “Em 2023, o orçamento da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, responsável pela articulação de políticas nessa área, foi menor do que o de 2018”, exemplifica.

Outro ponto “trágico”, segundo ele, é a questão das crianças ianomâmis. “O governo foi muito ágil ao compor um gabinete de crise e conseguir expulsar o garimpo ilegal, mas o problema persiste”, avalia, enfatizando que não é uma situação simples, pois unidades de saúde foram invadidas e, muitas vezes, o garimpo ilegal impede que a população chegue ao local, dificultando a assistência. De qualquer forma, precisa ser enfrentada – e logo.

O quadro é desolador. Em 2023, segundo dados divulgados pela Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, houve mais de 25 mil casos de malária, (61% a mais do que em 2022) e 308 mortes (um aumento de 50% em relação a 2022), boa parte delas em crianças de até 4 anos, as principais vítimas de doenças respiratórias, infecciosas e parasitárias.

Outra crítica mais estrutural feita pela Agenda 227 diz respeito à falta de um órgão interministerial encarregado de promover políticas públicas na área da infância e da adolescência. A sugestão aparece no Plano País, um documento apresentado em 2022 aos candidatos à Presidência com 137 propostas de políticas públicas formuladas com a participação de 146 organizações e centros de pesquisa vinculados aos direitos da criança e do adolescente e a outros direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais.

“Falta articulação intersetorial nas políticas dirigidas a esse público”, alerta o documento, apontando que “o Brasil tem dificuldade em coordenar a atuação de sujeitos de campos diversos, detentores de saberes e poderes distintos, a fim de garantir o atendimento integral à infância e à adolescência”. Segundo Renato, esse seria justamente o papel desse órgão interministerial.

Encarregado de geração de dados, promoção e criação de políticas públicas para a infância e a adolescência, o novo órgão fortaleceria de modo significativo a arquitetura institucional do País, possibilitando mais eficiência e agilidade no processo de implementação de políticas setoriais, defende a Agenda 227.

“Há várias iniciativas que têm esse caráter, mas elas são majoritariamente emergenciais, como o comitê de enfrentamento aos ataques às escolas ou à emergência ianomâmi”, lembra o especialista. O que a Agenda 227 sugere é uma instância para além dessas questões emergenciais. “Os direitos das crianças e adolescentes são uma urgência. Precisamos desse órgão para promover e impulsionar essas políticas”, avalia.

Apesar dos desafios, Renato diz que vê com bons olhos o primeiro ano de governo. “Houve avanços sobretudo em áreas muito estratégicas, vitais para os direitos das crianças e dos adolescentes”, afirma, destacando a política de retomada das condicionalidades do Bolsa Família relacionadas à vacinação e à frequência à escola, além da inclusão do adicional de 150 reais para cada criança de 0 a 6 anos e de 50 reais para adolescentes e gestantes.

Também ressalta a retomada do Programa Nacional de Imunizações e das obras de creches e pré-escolas, o programa de formação de conselheiros tutelares e a ênfase dada à eleição do Conselho Tutelar em 2023. Entre os avanços, lista ainda a ampliação gradual da capacidade de estados e municípios para operar o ensino em tempo integral e o reajuste do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) em 39%.

O especialista diz não ter dúvidas da importância da retomada de políticas públicas que já haviam sido efetivas no passado. O que as mais de 400 organizações da sociedade civil que compõem a Agenda 227 cobram é um olhar para o futuro. Um futuro em que os direitos de todas as crianças e de todos os adolescentes sejam de fato prioridade no orçamento e na política pública.

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