Relatório aponta que crianças usam o brincar como forma de resistir às situações de crise

Veículo: Centro de Referências em Educação Integral - BR
Compartilhe

“O brincar permite que as crianças possam encontrar magia e beleza para enfrentarem situações de conflito e privação de direitos. Criar as condições para que elas possam brincar é garantir sua sobrevivência”.

Essa é conclusão apresentada por Sudeshna Chaterjee, coordenadora da Action for Children’s Environments, organização indiana que tem como foco garantir o direito à infância no país sobre o estudo “O Acesso ao Brincar em Situações de Crise” (Access to Play in Crisis), disponível apenas em inglês, lançado nesta quinta-feira 14, em Calgary, no Canadá.

Segundo a pesquisadora, o levantamento – conduzido em seis países pela Associação Internacional do Brincar (IPA) – aferiu que as crianças, por meio do brincar, aprendem a manejar as tensões cotidianas e a escapar de suas dificuldades diárias.

Realizada entre novembro de 2016 e março de 2017 com a colaboração de organizações locais especializadas em infância na Índia, Japão, Líbano, Nepal, Tailândia e Turquia, a pesquisa combinou diferentes metodologias: observação de crianças, de atividades lúdicas e entrevistas com pais, governos locais e organizações sociais responsáveis pelo atendimento às crianças.

Foram 13 polos de pesquisa organizados em três grupos temáticos: comunidades afetadas por desastres naturais, comunidades em crise humanitária – como os refugiados sírios no Líbano e a minoria étnica Roma em Istambul – e comunidades em crises  diárias, mobilizadas por situações de extrema pobreza e vulnerabilidade. Mais de 300 crianças foram entrevistadas em três grupos etários: até 10 anos, de 11 a 14 e de 15 a 18.

Entre os achados, a pesquisa identificou como o brincar mitiga os efeitos de crises locais e garante à criança repertório para lidar com as diversas violações de direitos pelas quais passam.

O estudo buscou sistematizar as formas de brincar das crianças e as diferenças destas entre as faixas etárias e gênero, além do papel das organizações e governos em garantir as condições para o brincar em situações adversas.

“Nós sabemos que o brincar é fundamental para o desenvolvimento das crianças, mas nós precisávamos entender o papel desta prática em apoiar as crianças em situações de crise e o que de fato é feito pela sociedade, organizações sociais e governos nessas situações. Descobrimos que essa força coletiva para a promoção do brincar é fundamental para a efetivação do direito”, explica Theresa Casey, presidente da Associação Internacional do Brincar (IPA).

O estudo identificou que mesmo em situações de risco e com baixíssimas condições, as crianças criam formas para brincar, como uma necessidade intrínseca e como uma manifestação de suas culturas.

“O brincar essencialmente permite que estas crianças encontrem espaços de felicidade. Não é apenas resiliência, mas uma forma de sobreviver às situações adversas”, explica Khemporn Wirunrapan, que coordenou o estudo na Tailândia.

Como garantir as condições para o brincar?

Como achados comuns entre os territórios, percebeu-se que as crianças menores brincam perto de casa mesmo quando o entorno apresenta situações de maior risco que espaços mais afastados.

“Os pais acreditam que este é o espaço mais seguro pois, de alguma forma, eles estão perto. Percebemos que a ideia de risco é muito diversa e está essencialmente conectada à percepção parental”, explica Sudeshna.

Outro ponto comum é que, quando chegam à idade média de 7 anos, as crianças começam a criar subterfúgios para escapar da supervisão parental e buscam espaços em que possam ter maior liberdade de brincar coletivamente.

Além disso, na maior parte dos países, encontrou-se uma diferença de gênero importante. Meninas adolescentes encontram muito menos espaço para brincar, e quando o fazem normalmente brincam com crianças muito mais novas.

“Meninas têm pouquíssima autorização para brincar, tanto pelo fato de que ingressam no trabalho desde cedo, quanto pelo fato de que culturalmente têm menor liberdade para ir para espaços mais afastados da supervisão dos adultos”, comenta a pesquisadora indiana.

As comunidades mais pobres foram os espaços que encontraram mais crianças em situações livres de brincar, especialmente na Tailândia e na Índia.

A pressão pelo sucesso acadêmico no Japão e Turquia foram apresentados como grandes limitadores para a atividade infantil. “Os conflitos e desastres não são os únicos limitadores – há diferenças culturais e sociais importantes”, identifica Sudeshna.

Em diálogo com a pesquisa, a Associação produziu um kit de ferramentas sobre como promover o brincar em situações de crise. Por ora apenas disponível em inglês, o material tem a expectativa de ser utilizável em diferentes situações de conflito.