Uso intensivo de ferramentas online durante pandemia pode expor crianças

Veículo: O Tempo - MG
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Diante das necessárias medidas de isolamento social para o enfrentamento da pandemia da Covid-19, a internet tornou-se epicentro das interações sociais e profissionais. O teletrabalho, as aulas remotas, os encontros com amigos e com familiares por vídeo-conferências e as lives de artistas estão entre algumas das possibilidades que têm tornado a quarentena menos penosa para parcela da população. No entanto, é preciso cuidado: a web pode ser um lugar de violência e de abusos, principalmente contra crianças e adolescentes.

Dado alarmante, que demonstra o potencial perigo de violações contido na internet, um levantamento da agência de inteligência da Europa, a Europol, divulgado no dia 3 de abril, indica um aumento de 25% no número de conexões para download de material impróprio na Espanha. O relatório faz ressalvas, lembrando ser impossível medir diretamente a totalidade do material on-line de violência sexual.

"É importante que os pais fiquem atentos aos conteúdos que estão sendo consumidos", aponta Rosana Vega, chefe de Proteção à Criança do Unicef no Brasil. "A seleção desses conteúdos deve ser monitorada de alguma maneira. É importante fazer essa regulação e estar alerta às mídias que podem trazer prejuízo", completa.

Por sua vez, Itamar Batista Gonçalves, gerente de advocacy da Childhood, defende a necessidade de se estabelecer rotinas, monitorar o uso das ferramentas digitais, respeitando o direito da criança e mantendo diálogo sobre o que pode ou não ser acessado.

"Muitas famílias já possuem suas regras, estabelecem horários e estão atentas aos endereços que crianças possam frequentar. No entanto, com a pandemia, notamos que os pais podem acabar liberando mais tempo de uso de smartphones, tablets e computadores. Além disso, o monitoramento do uso pode ficar relaxado, já que os tutores podem estar trabalhando", pondera.

Estranhe se crianças e adolescentes passarem a permanecer por muito tempo em chats com pessoas que até então não faziam parte do círculo social ou se passarem a agir como se estivessem escondendo algo, como fechar um aplicativo quando um adulto se aproxima, adverte a Childhood.

Conversar é a melhor saída

Se já era motivo de preocupação para para pais, educadores e especialistas, os cuidados para evitar a exposição de crianças e adolescentes a material impróprio devem ser redobrados neste período de farto acesso às mídias digitais.

Vale lembrar que o contato com a pornografia tem ocorrido de forma cada vez mais precoce. Um estudo do pesquisador Pablo Gómez, da Universidade do Uruguai, divulgado no ano passado, aponta que, em Montevidéu, 13,6% das crianças entre 4 e 10 anos já tiveram contato com conteúdo afim. Outras pesquisas feitas em todo o mundo apontam tendência similar. 

Detalhe que, de acordo com a Pesquisa TIC Kids Online, de 2018, 24,7 milhões de brasileiros entre 9 e 17 anos têm acesso à internet. Trata-se de um contingente que corresponde a 85% da população nessa faixa etária que está permanentemente a um clique de encontrar uma vastidão de informações sobre a sexualidade na web – o que inclui farta oferta de material pornográfico.

Assim, ao notar que a criança está ou esteve em um site em que há conteúdo sexual, "os tutores devem tentar entender como ela chegou ali", aconselha Gonçalves. 

No caso dos adolescentes, ele acredita que a ocasião possa ser uma boa oportunidade para que os responsáveis falem com sobre educação sexual, refletindo sobre como esse tipo de produção não reflete a realidade, por exemplo.

A psicóloga e sexóloga Enylda Motta aponta para possíveis efeitos colaterais do consumo excessivo de conteúdos afins: "Podemos perceber que quanto mais isolamento mais delicada o cenário se torna. Assim, se não houver uma orientação, pode acontecer de a pessoa não perceber se o que está fazendo é algo saudável e prazeroso ou se é algo impulsivo e prejudicial".

Dicas

A Safernet Brasil, uma associação pela promoção de direitos humanos na internet, fez uma lista de alguns recursos que podem ser avaliados de acordo com a faixa etária da criança. Cita, por exemplo, o “Modo Restrito” do YouTube, que é uma configuração que ajuda a excluir conteúdo possivelmente ofensivo, e o YouTube Kids, que é mais indicado e seguro para crianças. Já o aplicativo Family Link, criado pelo Google, permite estabelecer regras digitais.

O Departamento Federal de Investigação (FBI) também emitiu, no final de março, recomendações aos pais e responsáveis sobre cuidados em relação ao uso da internet.

  • Fale sobre segurança na internet quando elas se envolverem em atividades on-line;
  • Avalie e aprove jogos e aplicativos antes de serem baixados;
  • Verifique se as configurações de privacidade estão definidas no nível mais alto para sistemas de jogos on-line e dispositivos eletrônicos;
  • Monitore o uso da internet e mantenha os dispositivos eletrônicos em uma sala comum, aberta para todos da casa;
  • Explique que as imagens postadas on-line ficarão permanentemente na internet.

Denúncias

Em caso de revelação de violação de direitos humanos, é importante acolher a criança ou adolescente e ouvi-la atentamente. Se uma violência sexual for narrada, reforce que a criança/adolescente não tem culpa pelo que ocorreu. 

As denúncias podem ser feitas pelo Disque 100, serviço de proteção de crianças e adolescentes com foco em violência sexual, e agora também será possível utilizar o aplicativo Diretos Humanos BR, disponível para Android e em breve para o sistema iOS. O site da Ouvidoria é outro caminho para denunciar: https://ouvidoria.mdh.gov.br/.

A Polícia Civil do Estado de Minas Gerais (PCMG) informa, por nota, que não alterou a orientação de atendimento nos casos de violação de direitos de crianças e adolescentes.

“Em Belo Horizonte, a Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DEPCA) está em funcionamento e recebe tanto denúncias por telefone (31 3228-9000), agendamentos e casos urgentes trazidos, inclusive, por outros órgãos de segurança como Polícia Militar e Guarda Municipal. Em todo o Estado de Minas Gerais as unidades continuam funcionando e sempre que houver abusos e violência contra crianças e adolescentes é imprescindível que se faça a denúncia”, reforça a corporação.