A vivência de aula sobre o ECA no curso de Pedagogia

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A sala de aula é um lugar sagrado. Neste espaço projetamos o mundo, caracterizamos as coisas, difundimos idéias e em parceria com os alunos, juntos, a partir de suas vivencias concretas, lemos o mundo. A lei 8.069 de 13 de julho de 1990 tem produzido diversos debates sobre a proteção à infância e constituição da cidadania infanto-juvenil brasileira nas aulas de educação formal e não-formal do curso de Pedagogia da Universidade Metodista de São Paulo. Desde 2005 assumi essa temática e observo com alegria o envolvimento das alunas e alunos de Pedagogia com o conteúdo do Estatuto da Criança e do Adolescente.

A primeira descoberta feita pelos discentes é a compreensão de que o Estatuto não é uma lei permissiva que produz imperatividade por parte da infância. Quando pontuamos o fato de que o Estatuto é dividido em 2 livros, seus 267 artigos versam sobre medidas de proteção e medidas socioeducativas e trabalhamos o significado da palavra medida, o senso comum ao redor do Estatuto começa a se dissipar e as alunas e alunos percebem que ao contrário do que dito superficialmente, em parte da mídia e na sociedade que não estudou essa preciosa lei, o Estatuto é uma lei extremamente educativa. Ali está claro, o mundo adulto deve proteger o mundo da infância, essa proteção deve ser integral, pois as crianças são pessoas em desenvolvimento. Portanto, elas precisam da convivência geracional, isto é, do olhar, cuidado, afeto e diálogo com o mundo adulto (inclusive com o constrangimento educativo que se opera na presença do não, da leitura dialética do mundo vivido que faz o sujeito sair de dentro de si e se encontrar com a coletividade) para que possam realizar sua cidadania infanto-juvenil e se preparar para as grandes escolhas da vida adulta. Por esse motivo o Estatuto assinalou que, cabe à família, à escola e à sociedade política e civil protegerem às crianças. Essa tarefa é do mundo adulto e, nós, professores, somos os atores sociais que estamos em contato direto com toda a infância brasileira. Aqui os discentes do curso de Pedagogia vivenciam uma nova descoberta: é comum a veiculação da imagem de que o Estatuto é uma lei restrita às medidas socioeducativas ou à infância em situação de vulnerabilidade social. Um novo senso comum deve ser transformado em senso critico.

A leitura do texto da lei permite-nos entender que o Estatuto foi pensado para toda a infância e adolescência brasileira. Para todas as crianças que possuem o direito de usufruir de políticas sociais básicas (educação, saúde, moradia, lazer, esporte, profissionalização para os adolescentes), para aquelas que demandam de proteção especial (deficientes físicos e mentais, vítimas de abuso e violência doméstica, usuários de drogas, portanto, crianças e adolescentes em situação especial de vulnerabilidade de todas as camadas sociais) e as políticas de assistência social para aquelas crianças que necessitam de base material da vida para que possam se desenvolver e progredir.

É interessante observar que, quase 22 anos depois da promulgação da lei, as novas gerações de docentes que assumirão as salas de aula e serão sujeitos da realização do cuidado, proteção e responsáveis pela apresentação do que é a vida, o mundo e todos os saberes acumulados ao longo do tempo pela humanidade em toda sua riqueza cognoscente, vivências de atitudes e procedimentos de valorização da vida no meio escolar se surpreendem com este precioso conceito protetivo que permeia toda legislação.

Quando os alunos/as são chamados a mostrar seu senso comum acerca do ECA é evidente a percepção de que as crianças somente possuem direitos, não possuem deveres com a vida humana. Este é um ponto fulcral de nosso diálogo, de imediato debatemos o artigo sexto do Estatuto cujo texto diz “na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem-comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”.

Dos 267 artigos este é o de maior caráter educativo, aqui está claro: criança deve ser educada pelo adulto que prima pela ética da solidariedade social, logo, a educação posta na lei ultrapassa o presente sendo projetada para nossos ideais com relação ao futuro que queremos. Assim como não há escola sem projeto para o futuro, não há proteção para infância no tempo presente sem o desejo presente de que os adultos futuros sejam pessoas felizes, resolvidas em suas vidas privada e pública com o aprofundamento de sua humanidade: amor às pessoas, à natureza e à sociedade democrática.

O artigo sexto do estatuto deve ser debatido exaustivamente nas escolas e ganhar corações e mentes a favor do bem comum e da ética da solidariedade em nosso país. Este é um dos caminhos para que a lei se torne costume na sala de aula, na escola e que se espraie como instrumento progressista que imprime a batalha pelas idéias de garantia à cidadania infanto-juvenil na família e sociedade.

*Cristiane Gandolfi, socióloga e pedagoga, professora da Universidade Metodista de São Paulo.]

(Fonte: Direitos da Criança)