Na “Carta de Bertioga”, povos indígenas rejeitam PEC 215 e reivindicam direito a participação na Rio+20

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Mais de 250 indígenas brasileiros assinaram um documento chamado ‘Carta da Bertioga’ como parte das atividades de encerramento do Festival Nacional da Cultura Indígena, que ocorreu em Bertioga (SP), de 19 a 21 de abril. No documento, as comunidades indígenas reforçam o desejo de participar ativamente da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que será realizada de 13 a 22 de junho deste ano.  

 “Se as grandes potências não sabem cuidar da Mãe Terra, nós Povos Indígenas temos a obrigação e requeremos o direito de participar das grandes decisões que envolvem questões econômicas e políticas”, argumentam os grupos. Eles também exigem no texto que o Congresso Nacional suspenda a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000, que trata da demarcação de terras indígenas. A PEC propõe a transferência da demarcação e homologação de terras indígenas, quilombolas e áreas de conservação ambiental do Poder Executivo para o Congresso Nacional. “O responsável principal pela dívida histórica de demarcar as Terras é o Governo Federal, é o Poder Executivo. Solicitamos que na Rio+20 a demarcação de terras indígenas seja reconhecida como política Pública Estratégica de  conservação e uso sustentável de biodiversidade”, defendem.

Representações da sociedade civil, mulheres, jovens, negros, populações tradicionais, professores e estudantes também apoiam as reivindicações da Carta de Bertioga, assinada pelas etnias Nação Indígena Terena, Guarani, Manchineri, Tupinambá, Kisêdjiê, Kayapó, Xavante, Kalapalo, Karajá e Mamaindé, Kaingáng, Umutina, Apinajé, Pataxó, Yawalapiti, Xambioá, Maxacali, Kamayurá, Tikuna, Borun e Xerente. No Festival Nacional da Cultura, os grupos indígenas discutiram assuntos ligados à biodiversidade, economia verde, desenvolvimento sustentável, qualidade de vida, educação, entre outros.

Lei a carta na íntegra:

Carta de Bertioga

Nós Povos Indígenas reunidos em Bertioga durante o Fórum Social Indígena RIO+20, com base nos nossos conhecimentos tradicionais, nossa cultura e nossa espiritualidade declaramos:

Nunca devemos esquecer os espíritos de nossos antepassados e nosso Amor a Mãe Terra. Não devemos abandonar os ensinamentos  dos mais velhos e as formas tradicionais de ensinar e aprender.

No início do inverno durante o mês de Junho o mundo moderno vai se reunir no Brasil com apoio da ONU e do Governo Federal para discutir o futuro do Planeta Água. Eles dizem que o Desenvolvimento é a melhor estratégia para cuidar da Mãe Terra. Isso sempre foi falado e na verdade isso afetou, agrediu e matou muitas fontes de água, de biodiversidade e até os seres humanos. Por isso afirmamos que a sustentabilidade é muito simples. Basta respeitar e preservar a natureza porque ela é à força do nosso mundo. Se as grandes potências não sabem cuidar da Mãe Terra nós Povos Indígenas temos a obrigação e requeremos o direito de participar das grandes decisões que envolvem questões econômicas e políticas, pois as consequências por um mundo melhor passam pelos conhecimentos tradicionais dos Povos Indígenas.

A energia que é o sol do progresso do homem branco tem como válvula as hidrelétricas. Mesmo que alguém afirme que isso é limpo e renovável, nossos líderes espirituais avisam que ela interrompe a história, a cultura, a economia e a Identidade de muitos Povos.

As autoridades e os Poderes do Estado devem aprender a ouvir a voz dos Povos Indígenas. No caso do Brasil exigimos que o Congresso Nacional suspenda o Projeto que visa impedir a Demarcação de nossas Terras com o Plano Legislativo 215. O responsável principal pela divida histórica de demarcar as Terras é o Governo Federal, é o Poder Executivo. Solicitamos que na Rio+20 a demarcação de terras indígenas seja reconhecida como política Pública Estratégica de  conservação e uso sustentável de biodiversidade.

Observamos a quantidade de homens, mulheres e crianças no mundo do homem branco que não tem o direito sagrado de se alimentar e nem onde dormir. A Terra é o abrigo da verdadeira segurança alimentar. É preciso cultivar a agricultura natural usando o que já existe e assim matar a fome de muitos povos e famílias e não produzir a agricultura de uma cor só ou para mover os motores da modernidade em nome do progresso.

É preciso que o setor privado assuma um compromisso  concreto com o meio ambiente e a qualidade de vida dos Povos Indígenas.

Nós acreditamos no potencial cultural, social, econômico e ambiental das nossas florestas, mas não aceitamos o conceito de economia verde que pretende vender o ar de nossas terras. Quem é o dono do ar? Quem tem o direito de comprar o ar? Quem tem o direito de vender?

Por tudo isso Nós Povos Indígenas reforçamos perante a ONU e o Governo do Brasil nosso direito de participar como protagonistas da conferência Rio+20 não como peça folclórica, mas como Povos Indígenas soberanos e anfitriões na Aldeia KARI-OCA. Lá junto com o homem branco, o negro e comunidades locais, junto com o Meio Acadêmico e Científico, Mulheres, Jovens e Guerreiros queremos abrir o diálogo da Terra, o diálogo por um Mundo com qualidade de vida. Chamamos governos e Estados a se juntarem nesse compromisso coletivo determinando em seus compromissos políticos e econômicos metas claras e ações concretas para respeitar a natureza na busca de uma nova economia onde o bem comum seja o compromisso principal.

Nós, Povos Indígenas temos esse compromisso com a Mãe Terra também com o bem viver das futuras gerações.
 
Bertioga, litoral de São Paulo, 21 de Abril de 2012.

Fonte: Fórum Social Indigena – Bertioga (SP)