Mais Participação, menos preconceito – Agentes do processo socioeducativo

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Vetores históricos, socioeconômicos e também culturais — incluindo a visão que a sociedade e os atores do judiciário têm dos adolescentes — contribuem para a construção do conceito sobre os meninos e meninas que cumprem medidas socioeducativas. Em geral, o perfil dos adolescentes revela jovens que não tiveram acesso às políticas públicas que garantissem seus direitos mais fundamentais, que têm baixa autoestima e viveram em ambientes em que os conflitos eram resolvidos por meio de estratégias violentas.

Tal contexto reforça a importância de apoiar esses adolescentes, que já tiveram seus direitos violados, de forma que consigam construir seu repertório de possibilidades de atuação não violenta, para reivindicação dos seus direitos.

Essa é a opinião da diretora do Centro de Internação de Adolescentes de Planaltina-DF (CIAP), Gabriella Ferreira. Ela defende que a participação do adolescente no processo socioeducativo não é apenas uma questão metodológica, mas de princípio, pois esse caminho dá visibilidade ao sujeito, valoriza o ser humano e torna rico qualquer processo político-pedagógico. “O jovem traz consigo uma carga pulsante de rebeldia, descontentamento, contradição, mas também de energia, criatividade, solidariedade, que são aspectos importantíssimos para a construção de qualquer projeto na esfera pública, principalmente na política de atendimento socioeducativo”, afirma.

Rompendo o silêncio
“Eles vêm de uma história em que a vida cala. E procuram se expressar de outra forma, às vezes pelo ato infracional. A instituição também não pode ser aquela que cala”, analisa Luana Souza, chefe do Núcleo Sociopsicopedagógico do CIAP-DF. No trabalho com adolescentes que cumprem medidas socioeducativas, ela defende, sempre, o estímulo da expressão oral dos jovens, para que eles compreendam e construam a oralidade que é socialmente aceita. Para ela, cabe à equipe estimular os adolescentes para que sejam sujeitos de sua própria história, e desenvolvam uma postura de autonomia assim, quando saírem da unidade, poderão enfrentar os desafios da vida para além dos muros.

Mas essa participação não acontece de uma hora para a outra. É preciso exercitá-la. “Ninguém em casa pedia a opinião deles. Na escola e na comunidade eles pouco foram ouvidos. Aí, de repente, o menino está privado de liberdade e querem que ele seja ouvido. Isso dá um nó na cabeça deles”, explica a diretora do CIAP, Gabriella Ferreira. Ela afirma que ainda é comum as pessoas reduzirem o adolescente ao ato infracional que ele cometeu.  “Muitos acham que ouvir o adolescente é besteira, que estamos dando trela para quem não merece”, afirma.

Melhor para o cidadão e para o Estado  
O diretor de Estudos e Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Jorge Abraão, lembra que a inclusão da juventude como questão transversal no debate político democrático ainda é muito recente. “Muita coisa ainda está sendo gestada, mas já avançamos ao colocar recortes analíticos e políticos sobre o tema”.

Mesmo assim, afirma que, em todas as políticas sociais, é sempre melhor atuar de forma preventiva do que curativa. “Efetivamente, fazer a prevenção sai mais barato para o Estado, para o indivíduo e para a sociedade. Os custos de reparação de problemas como o uso de crack, por exemplo, são sempre mais altos, não só para o Estado, mas para as famílias e para a sociedade, que convive com a questão e tem de buscar soluções”. Com os adolescentes, ele diz, não é diferente.

Voz dos adolescentes
Em busca do exercício do direito à participação, 20 socioeducandos do CIAP saíram da unidade de internação para contribuir com o I Seminário de Planejamento Participativo, realizado em fevereiro de 2012. O evento contou com a presença de educadores, assistentes sociais, equipes de segurança e de representantes do governo federal e local e de organizações internacionais como o UNICEF.

R.L. 18 anos, interno há um ano e três meses, foi um dos participantes do I Seminário e apresentou algumas das insatisfações dos socioeducandos.
“Foi importante ver aquelas pessoas dando atenção para nós. Muita gente pensa que se a gente caiu nesta uma vez vai ficar nesta para sempre. Mas não é assim não”, afirma.

Ele foi considerado um dos socioeducandos-modelo no CIAP e por isso, pode, por exemplo, receber mais visitas. A conquista contribuiu também para melhorar a relação com sua família: “Conquistei a confiança das pessoas daqui de dentro, de mim mesmo, da minha família. Não é fácil se destacar no meio de tantos internos. Agora minha mãe vê que tenho capacidade de sair desta”, diz.

Entre as principais reivindicações dos adolescentes, e que estão sendo considerados na implementação do plano de ação da unidade em 2012 destacam-se:
1. A necessidade de melhorar a alimentação oferecida na unidade de atendimento;
2. A relação de poder conflituosa entre eles e os servidores da área de segurança;
3. As oportunidades de inserção no mercado de trabalho.

Os jovens também indagaram aos palestrantes sobre quais seriam os indicadores capazes de demonstrar para eles próprios que de fato estão mudados, ressocializados e aptos a construir uma nova trajetória de vida. Queriam saber, ainda, por que a maioria das pessoas não costuma acreditar que possam construir uma nova história.

Novas perspectivas
Outra experiência diferenciada, desta vez realizada por um governo estadual, é o Programa Atitude, implantado no Paraná. Desde 2008, os dez municípios com maior incidência de violência entre jovens desenvolvem o projeto em áreas marcadas pela ausência de oferta de serviços e políticas públicas aos adolescentes. As oficinas socioculturais do Atitude foram idealizadas para jovens de 14 a 21 anos que estejam em situação de risco pelo trabalho infantil, violência familiar, uso de substancia psicoativa, ou cometimento de ato infracional.

Os jovens recebem uma bolsa de R$ 100,00 por mês para desenvolver ações educativas, socializadoras e de produção cultural em seus bairros. Para a coordenadora do programa, Letícia Reis, a iniciativa tem um grande impacto, principalmente porque aposta nos jovens como multiplicadores positivos em suas comunidades. “O programa sempre buscou ouvir os participantes, incluindo-os como sujeitos ativos do
planjemanto das ações e das atividades”, explica.

Conferência dá voz aos jovens em cumprimento de medidas socioeducativas
A Bahia realizou uma experiência pioneira no protagonismo adolescente em 2011. Mais de 500 jovens acolhidos e atendidos nas unidades da Fundação da Criança e do Adolescente (FUNDAC) participaram em todos os processos de elaboração e realização da 1ª Conferência dos Jovens em Cumprimento de Medida Socioeducativa e Egressos da Bahia. O evento aconteceu na Comunidade de Atendimento Socioeducativo de Simões Filho (CASE CIA) e reuniu, também, especialistas e gestores públicos.

A iniciativa criou para os jovens internos um espaço de debates sobre Políticas Públicas para a Juventude. Os adolescentes participaram dos grupos de discussão sobre temas como: educação, saúde, lazer, emprego e renda, transporte, habitação, e apresentaram propostas para todos os eixos.

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Por Gabriela Goulart
Edição: Christina Velho