Julgamento do massacre do Carandiru encerra legado de impunidade

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O julgamento sobre a responsabilidade da polícia no massacre do Carandiru pode sinalizar o fim de um longo legado de impunidade, diz a Anistia Internacional em nota pública. De acordo com organizações de Direitos Humanos, o fracasso das autoridades em responsabilizar os autores do episódio reforça os abusos que há muitos anos caracterizam o sistema penitenciário brasileiro.

Mais de 20 anos após a polícia militar de São Paulo ter reprimido uma rebelião no Carandiru, 26 policiais acusados de matar 15 dos 111 presos assassinados serão julgados. O primeiro dos quatro julgamentos ocorreu nesta segunda-feira, 15 de abril, no Tribunal de Justiça de São Paulo. A previsão é que o júri dure até dez dias.

A Anistia Internacional defende que não apenas os policiais envolvidos diretamente no massacre enfrentem a justiça, mas também a cúpula da segurança do Estado e o governador à época. “No Carandiru, não há dúvidas sobre o excessivo uso da força e há fortes evidências que apoiam as suspeitas de que a polícia cometeu execuções extrajudiciais”, afirma o diretor executivo da entidade, Atila Roque.

Diversos fatores levaram a atrasos no julgamento, o principal deles seria o conflito entre a jurisdição da justiça militar e da justiça civil sobre o caso. “Seja por negligência ou conivência, o sistema de justiça ignorou ou, pior, mostrou completo desprezo pelo conceito de justiça e pelos direitos daqueles que foram brutalmente, e sem constrangimentos, assassinados no Carandiru”, completa. 

Ainda em nota, a Anistia Internacional declarou que o processo judicial contra o Coronel Ubiratan Guimarães, comandante da tropa de polícia que foi enviada para restabelecer a ordem no presídio, “é um excelente exemplo do descaso das autoridades brasileiras para as graves violações de direitos humanos que ocorreram na prisão”. Em julho de 2001, Guimarães foi sentenciado a mais de 600 anos de prisão por um tribunal de São Paulo. No entanto, em fevereiro de 2006, um órgão especial do Tribunal de Justiça do estado anulou a condenação, afirmando que Guimarães agiu em estrita consonância com seus deveres e estava seguindo ordens superiores.

“O massacre do Carandiru está relacionado a dois problemas sistêmicos que continuam a assolar o sistema penitenciário brasileiro: a tortura somada às condições cruéis, desumanas e degradantes em centros de detenção em todo o País, e a relutância das autoridades em resolver esses problemas, seja através de reformas eficazes ou da investigação e repressão dos criminosos”, diz Roque. Esses problemas pioraram nos últimos 20 anos. A população carcerária brasileira cresceu de 114.377 em 1992 para 514.582 em 2011, segundo dados do Ministério da Justiça.

O massacre

Em 2 de outubro de 1992, uma rebelião estourou na Casa de Detenção em São Paulo, popularmente conhecida como Carandiru. O conflito teve início com uma briga entre os prisioneiros, que acabou tomando conta de todo o Pavilhão 9 do presídio. Tropas de choque da polícia militar invadiram a prisão para conter a rebelião. Quando eles se retiraram, 11 horas depois, 111 presos estavam mortos.

Vinte e quatro horas depois do massacre, uma delegação da Anistia Internacional entrou no presídio e encontrou fortes evidências de graves violações de direitos humanos por parte da Tropa de Choque de São Paulo. Em um relatório abrangente sobre o resultado da operação policial – A morte chegou. Massacre na Casa de Detenção em São Paulo–, a organização afirmou que " tornou-se claro que os prisioneiros indefesos foram massacrados a sangue frio. Prisioneiros feridos foram mortos a tiro, assim como os prisioneiros que haviam sido encomendados para remover os corpos das celas. Embora houvesse três juízes presentes, incluindo o juiz sênior responsável pelas prisões, não foi feito nenhum esforço para evitar o que ocorreu”. O documento produzido foi usado na íntegra como prova no julgamento do Cel. Ubiratan Guimarães.

Setenta e nove policiais envolvidos no massacre serão julgados este ano em quatro diferentes julgamentos. Ao todo, serão examinadas a ação dos policiais em cada um dos quatro andares do Pavilhão 9 do presídio Carandiru. Até a realização destes julgamentos, a maioria dos acusados não foi responsabilizada. Grande parte continuou trabalhando na polícia até sua aposentadoria e um terço deles ainda estão ativos na PM.

Fonte: Anistia Internacional