Estatísticas colaboram, mas não eliminam realidade sobre trabalho infantil no DF
De acordo com coordenadora do FNPETI, resultados de pesquisas sobre trabalho infantil são conflitantes e não condizem com a realidade
Por Hermes Pena
O trabalho infantil doméstico compõe, no Brasil, a lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, conforme o decreto 6.481, de 12 de junho de 2008. Segundo preconiza esse decreto, o trabalho infantojuvenil é qualquer situação em que a criança ou o adolescente contribui para a produção de bens ou serviços, inclusive atividades não-remuneradas. São todas as atividades que exijam responsabilidade, horas de trabalho e esforço físico inadequado para meninos e meninas – seres que se encontram em condição peculiar de desenvolvimento.
A pesquisa Medir o progresso na Luta contra o Trabalho Infantil – Estimativas e tendências mundiais 2000-2012, divulgada em setembro deste ano pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), revela que as mais recentes estimativas mostram o real avanço verificado na luta contra o trabalho infantil, de modo particular nos últimos quatro anos.
Para Isa Maria de Oliveira, coordenadora do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), apesar das estatísticas mundiais apontarem um esforço extra nos últimos quatro anos por parte dos líderes mundiais e da sociedade civil em geral, é prematura a reprodução do discurso de que o trabalho infantil está sendo solucionado no DF.
Já, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 1992 a 2011, no Brasil, houve uma redução de 57% no número de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos com algum tipo de ocupação. No entanto, segundo o próprio IBGE, ainda existem 3,7 milhões de meninos e meninas nessa faixa etária em situação de trabalho.
A campanha É da nossa conta! Trabalho Infantil e Adolescente, iniciativa da Fundação Telefônica, em parceria com o Fundo das Nações Unidas para Infância e Adolescência (UNICEF) e Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem o objetivo de sensibilizar e potencializar a ação de diversos públicos, por meio da produção de conteúdo, peças de comunicação e ações específicas para crianças, adolescentes, jovens e especialistas no assunto.
Distrito Federal
A pesquisa Trabalho Infantil no Distrito Federal – Diagnóstico, Causas e Soluções, elaborada pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) e construída a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, no Brasil, entre 2009 e 2011, a proporção de crianças e adolescentes com idades entre 10 e 14 anos que estão trabalhando caiu de 7,22% para 5.98%. Enquanto isso, no Distrito Federal, essa queda passou de 1,37% para 0,57% – ou seja, uma redução relativa de 58,4%. Comparativamente à realidade nacional, a queda na proporção de pessoas nessa faixa etária e nessa situação no DF foi maior.
Segundo Isa, os dados de pesquisas referentes à situação do trabalho infantil devem passar por uma reflexão séria e sempre devem ser guardadas as devidas proporções, pois cada análise possui uma metodologia específica. “Por exemplo, os números da Pnad de 2011 indicam uma redução do trabalho infantil no DF. Já de acordo com os Censos de 2000 a 2010, a situação de trabalho cresceu em todas as faixas etárias e num percentual alto. Para que um gestor de políticas públicas consiga fazer uma intervenção satisfatória, a análise deve ser feita de pelo menos duas perspectivas diferentes e verificar onde elas se convergem, pois os dados são conflitantes”, afirma.
De acordo com o Disque Direitos Humanos (Disque 100), das 2.727 de violações de direitos de crianças e adolescentes ocorridas no Distrito Federal, de janeiro a setembro de 2012, 541 foram relativas a trabalho infantil, principalmente em áreas urbanas. Para Isa, portanto, é "prematuro e irresponsável" afirmar que o trabalho infantil no DF foi eliminado. “Este tipo de afirmação requer mais avaliação e estudo. Que providências foram tomadas para que isso acontecesse?”, questiona.
Regiões críticas e atividades desempenhadas
É fato que o Distrito Federal, em comparação a outras regiões, está em melhor situação no que diz respeito ao trabalho infantil, como mostra a pesquisa O Trabalho Infantil Doméstico no Brasil, divulgada pelo IBGE em junho deste ano. Segundo o mesmo estudo, a região Norte, segunda em melhor condição possui quase 200 mil crianças ocupadas a mais. Apesar dos números refletirem essa realidade, o DF possui regiões onde há grande incidência de meninos e meninas com algum tipo de ocupação. De acordo com Maura Luciane C. Souza, subsecretária de Políticas para Crianças da Secretaria da Criança do DF, as regiões administrativas onde se registra a maioria dos casos são Cidade Estrutural, São Sebastião, Riacho Fundo II, Planaltina, Candangolândia e Paranoá.
Maura afirma que as atividades mais desempenhadas pelas crianças e adolescentes são as caracterizadas como não agrícolas e não definidas. Construção civil, comércio e prestação de serviços em geral, onde é incluído também o serviço doméstico, são as mais frequentes.
As funções denominadas não definidas, segundo a subsecretária, são basicamente as relacionadas ao mercado informal. “São crianças quem vendem pano de prato no semáforo e que acompanham os pais que são ambulantes. Há um percentual considerável de crianças neste tipo de atividade”, revela.
Maura chama a atenção para a necessidade de avançar na identificação do trabalho infantil doméstico, considerado uma das "piores formas de trabalho infantil", mas acredita que não seja uma tarefa nada simples. “O trabalho infantil doméstico acontece dentro do lar e tem toda aquela proteção familiar, e muitas vezes essa ocupação não vem a ser denunciada. A gente precisa de fato estimular a sociedade para ajudar a denunciar as situações de trabalho infantil para que o poder público possa atuar de forma mais eficaz e afastar de fato todas as crianças que estão em trabalho infantil doméstico, na informalidade e em qualquer atividade, mas principalmente nas piores formas, que é o nosso principal desafio”, diz.
De acordo com Maura, são vários os fatores que precisam ser enfrentados. “São necessárias políticas de prevenção, de fortalecimento da denúncia junto ao Disque 100, Conselho Tutelares, enfim, todos os setores que trabalham na defesa dos direitos da criança, para que haja uma fiscalização mais forte que inclua esses meninos e meninas nas políticas públicas de proteção social, além de um trabalho junto às famílias", afirma. "Discutir as consequências e as repercussões na saúde da criança em relação ao trabalho infantil para que elas de fato fortaleçam o papel protetivo e ajudem no combate a esta prática”, completa.
Desafios
O principal desafio no DF, segundo a própria Secretaria da Criança, é em relação aos adolescentes de 15 a 17 anos. São, ao todo, 19 mil em situação de trabalho no DF. “São necessários estudos mais aprofundados sobre este público. Eles estão em fase de formação profissional, onde, dentro deste universo, não sabemos ao certo quantos são os aprendizes, como eles estão no mercado e quantos estão cobertos pela lei da aprendizagem”, observa. A legislação brasileira permite a aprendizagem somente a partir dos 14 anos. Maura de Oliveira acredita na necessidade de novas estratégias e na inovação nas ações para se alcançar percentuais mais significativos na questão do trabalho infantil doméstico e da exploração sexual comercial. "A própria informalidade é um desafio", avalia.
Para Isa, de fato, o DF é um território que tem condições favoráveis para implementação de políticas de proteção e de garantia de direitos a todas as crianças e adolescentes. “Devemos cobrar do poder público para que sejam tomadas todas as medidas e providências para que o trabalho infantil seja eliminado do DF. Ampliar o tempo da criança na escola, em uma escola de qualidade onde ela fique e aprenda. A Constituição Brasileira assegura escola pública de qualidade para todas as crianças e adolescentes de 4 a 17 anos. Dar uma atenção especial às famílias no sentido de buscar e articular transferência de renda com inclusão produtiva e oportunidade de geração de emprego e trabalho. Caso contrário, o ciclo [do trabalho infantil] não se rompe”, conclui.
Segundo Isa de Oliveira, para que haja uma diminuição sustentável do trabalho infantil, deve haver, em conjunto, uma melhoria de escola e ampliação do atendimento às famílias. “Não vejo uma reestruturação e uma adequação para garantir qualidade do serviço. Gostaria de celebrar que de fato este é um território livre do trabalho infantil, mas desde que isso realmente signifique que as crianças estão protegidas e de que há uma sustentabilidade na redução do trabalho infantil. Caso contrário, estamos apenas endossando um discurso oficial que contribui somente para mascarar um problema de violação de direitos”, enfatiza.
Banco de Fontes
Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI)
Secretária executiva – Isa Oliveira
(61) 3349-5660 / 9977-1117 (Luana Reis – assistente)
www.fnpeti.org.br
Secretaria da Criança
Subsecretária de Políticas para as Crianças – Maura Luciane C. Souza
(61) 3233-0937 / 7812-9388/ 9909-0110 (Elma Assis – Assessora de Imprensa)
http://www.crianca.df.gov.br
Disque Direitos Humanos
Assessoria de Comunicação Social – Secretaria de Direitos Humanos (SDH)
Telefone: (61) 2025.7941
imprensa@sdh.gov.br / www.disque100.gov.br
Sugestões de leitura:
Decreto Nº 6.481, 12/06/2008
Medir o progresso na Luta contra o Trabalho Infantil – Estimativas e tendências mundiais 2000-2012 – OIT
O Trabalho Infantil Doméstico no Brasil – Pnad/IBGE
Trabalho Infantil no Distrito Federal – Diagnóstico, Causas e Soluções – Codeplan