Trabalho Infantil: Lixão da Estrutural será desativado em dezembro
Segundo subsecretária de Políticas para as Crianças do GDF, desativação está sendo realizada com a colaboração dos próprios catadores que trabalham no local
Por Helcio Kovaleski
O Lixão da Cidade Estrutural, no Distrito Federal, será desativado no final de dezembro deste ano. A informação foi confirmada por Maura Luciane C. Souza, subsecretária de Políticas para Crianças da Secretaria da Criança (SECriança) do Governo do Distrito Federal (GDF). A previsão é de que o Lixão seja transferido para um aterro que está sendo construído na região de Samambaia.
"Estamos trabalhando para isso. Vários órgãos estão nessa empreitada para garantir, de fato, um encaminhamento adequado para esse lixo e também o devido encaminhamento das políticas públicas para os catadores", diz Maura. Segundo ela, trata-se de um "grande projeto" do GDF em parceria com o Sistema de Limpeza Urbana do Distrito Federal (SLU) e as secretarias de Meio Ambiente e Recursos Hidricos (SEMARH) e de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest).
Com a desativação do Lixão, se não erradicar, ao menos o GDF irá amenizar um problema crônico que existe há anos no local: a ocorrência de trabalho infantil. De acordo com Maura, atualmente existem cerca de 200 crianças e adolescentes identificados pelo GDF "em situação de trabalho infantil" no Lixão.
"Também estamos fazendo um trabalho junto aos catadores de materiais recicláveis para realizar essa desativação do Lixão", diz Maura, lembrando que a Sedest está fazendo o cadastramento dos catadores que já trabalham no local pelo projeto Icatador, para que sejam transferidos para um "trabalho cooperativo" no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA). "Galpões estão sendo construídos para que esses catadores sejam cadastrados e transferidos para o SIA. Isso já está bem avançado e é um processo para que eles sejam de fato acolhidos pela política de assistência social, de acordo com o Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal, já que também está havendo um acompanhamento da política de resíduos sólidos que o GDF também vai implementar", explica.
Na avaliação de Maura, não se trata simplesmente de "desativar e deixar aquelas pessoas que vivem daquilo ali sem apoio". "As famílias que dependem do Lixão para poder gerar sua renda estão sendo devidamente transferidas para uma área do governo para fazer o trabalho da catação e preparação de material reciclável", observa.
Entretanto, de acordo com Coracy Coelho, coordenador do Coletivo da Cidade, uma organização não-governamental que atua no Lixão da Estrutural desde 2006, afirma que os galpões citados por Maura ainda não começaram a ser construídos. "Na nossa avaliação, achamos praticamente impossível que dentro de menos de dois meses esses seis ou sete galpões sejam construídos. O que é uma grande preocupação para nós, pois precisamos saber como é que ficarão esses catadores que dependem do Lixão para sobreviver", diz.
"Existem reuniões e um grupo de trabalho que foi montado para tratar dessa questão, mas o processo tem sido lento e conturbado. Não existe por parte do GDF sensibilidade para entender a real demanda dos catadores. O cumprimento desse prazo, na nossa avaliação, está fora das possibilidades, considerando a resistência da comunidade de Samambaia, a morosidade das obras do novo aterro e o reduzido avanço nas negociações com os catadores da cidade", relata Coracy. "As informações que são socializadas são confusas. A única ação que de fato aconteceu foi a implantação do Icatador, que tem atendido à demanda individual dos catadores", conclui.
Trabalho infantil
A informação de que existem perto de 200 crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, atualmente, no Lixão da Cidade Industrial é, na verdade, fruto de um levantamento feito pela empresa Valor Ambiental, que administra o local. Esse levantamento, segundo Maura, vem na esteira de um programa de prevenção e erradicação do trabalho infantil no Lixão que foi lançado em 1º de agosto deste ano: o Projeto de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, que nasceu com o objetivo de inserir as crianças em atividades que não sejam o trabalho.
Segundo a subsecretária, para o lançamento desse projeto foram feitas algumas articulações com a rede local da Cidade Estrutural, incluindo "vários parceiros", como a própria Valor Ambiental. "A gente também recorre a Conselho Tutelar, ao Creas [Centro de Referência Especializado de Assistência Social] daquela cidade, mas o levantamento mais recente é o da Valor Ambiental", explica.
Projeto
Em relação a outro projeto – de desenvolvimento de atividades educativas e de lazer no contraturno escolar – , executado pela SECriança com o objetivo de manter crianças e adolescentes longe do trabalho infantil, Maura conta que ele está "em pleno processo de implementação". Segundo ela, ele atende hoje a cerca de 170 crianças e adolescentes "que foram identificados e afastados do trabalho infantil para serem inseridos nas atividades no contraturno escolar".
Essas atividades compõem uma rede de vários parceiros de políticas públicas que compõem o escopo do programa, de natureza intersetorial, que envolve as pastas de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda, Educação e Cultura, além de outros parceiros não-governamentais, como a Legião da Boa Vontade (LBV) – justamente quem abriga essas 170 crianças e adolescentes com idades até 17 anos. "Eles também estão nos ajudando neste projeto, disponibilizando vagas para atendimento no contraturno", afirma. Desse total, 100 são atendidas na própria LBV, e as outras 70 estão matriculadas no Centro Olímpico da Cidade da Estrutural. "Além disso, junto à Secretaria de Educação [SEDF], a gente tem se esforçado para a inserção ou a reinserção de crianças e adolescentes da Estrutural na rede pública de ensino. Essa secretaria está buscando crianças que estão fora da escola ou que já frequentaram e saíram, se ausentaram do processo educacional por algum motivo", conta.
Maura lembra que a Secretaria de Educação vem fazendo um levantamento de crianças e adolescentes que podem ser matriculados em escolas de turno integral. "Como a do Guará, por exemplo, que é mais próximo à Estrutural e que absorve essas crianças e adolescentes nas suas escolas", afirma.
Além da rede ampliada com a LBV, Maura destaca que o GDF também vem reforçando a política de educação no atendimento, reinserção e matrícula de crianças e adolescentes na educação integral, proporcionando atividades no Centro Olímpico e no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, entre outras frentes. "São quatro eixos importantes: assistência social, atividades na LBV, o esporte por meio do Centro Olímpico e a educação. E pretendemos ampliar isso no próximo ano", promete.
Expansão
Maura Souza confirmou também que o Programa de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Peti)será estendido a outras regiões administrativas do DF. "Esse compromisso se mantêm", diz.
Ela conta que, quando o projeto foi lançado, em agosto, a secretária da Criança, Rejane Pitanga, já havia assumido o compromisso com essa expansão, em parceria com outras pastas. "É um projeto-piloto que estamos implementando e consolidando para que, em 2014, a gente possa ampliar uma experiência positiva que até então está sendo para as cidades de maior vulnerabilidade em relação ao trabalho infantil", explica.
Para tanto, Maura conta que a sua subsecretaria já tem um mapeamento desse projeto no Distrito Federal, inclusive com um estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) "e com algum trabalho que a Codeplan [Companhia de Planejamento do Distrito Federal] também vem reforçando, nos ajudando nessa identificação dos territórios mais vulneráveis do DF". "Mas, por enquanto, estamos focando para ampliar o que já ofertamos na Estrutural, garantir de fato que todos os meninos e meninas que se encontravam ou se encontram em situação de trabalho infantil, ainda, no Lixão sejam afastados e inseridos em atividades qualitativas no contraturno escolar. É só a partir daí que vamos implantar [o projeto] com força também em outras regiões e, paulatinamente, ir eliminando o trabalho infantil no nosso território', observa.
GDF diz que erradicou trabalho entre crianças até dez anos
No início de outubro deste ano, o GDF, por meio da Secretaria de Desenvolvimento social e Transferência de Renda (Sedest), anunciou que o trabalho infantil entre crianças até dez anos de idade tinha sido erradicado em todo o Distrito Federal. Questionada a respeito, Maura Luciane C. Souza, subsecretária de Políticas para Crianças da Secretaria da Criança (SECriança), explicou que o estudo da Codeplan também mostrou isso, mas num porcentual que a própria companhia considera "nulo". "É um número que chega a ser nulo quando chega muito próximo a zero. Se alcançou esse patamar, é porque se alcançou ou está se alcançando a erradicação", diz.
De acordo com Maura, nos últimos anos, tem-se observado uma redução importante principalmente na faixa etária entre dez e 14 anos, onde a proporção caiu de 1,36% para 0, 46%, em 2011. "Quer dizer, é um percentual bem baixo. Isso significa, em termos relativos, uma queda de 66%", observa.
Já em relação à faixa etária até dez anos, Maura lembra que o estudo da Codeplan mostra que o percentual já é nulo. "Então, posso dizer que até dez anos não tem trabalho infantil que se possa quantificar aqui no DF.
Para o coordenador da organização não-governamental Coletivo da Cidade, Coracy Coelho, embora seja "inegável" o esforço diferenciado adotado pelos órgãos do GDF, nos últimos anos, afirmar que o trabalho infantil foi erradicado no Distrito Federal na faixa etária de dez anos "é um equivoco que pode ser confirmado nos semáforos, nas feiras, nos bares e restaurantes à noite e nos finais de semana e no lixão da Estrutural em situações especificas". "Redução, sim, podemos confirmar, agora, erradicação, infelizmente, ainda não é uma realidade no DF e nem mesmo na Estrutural", afirma.
ONG reclama de 'falta de diálogo' com GDF
Coordenador do Coletivo da Cidade critica escolha da LBV e diz que o foco deveria ser o fortalecimento das iniciativas locais
Está faltando "diálogo" por parte do Governo do Distrito Federal (GDF) em relação ao projeto de desenvolvimento de atividades educativas e de lazer no contraturno escolar, com o objetivo de manter crianças e adolescentes longe do trabalho infantil, executado pela Secretaria da Criança (SECriança). Essa é a avaliação de Coracy Coelho, coordenador da organização não-governamental Coletivo da Cidade, que desde 2006 atua no Lixão da Cidade Estrutural.
"O Coletivo participou das primeiras reuniões nas quais se pensava a idealização do projeto com a equipe da secretaria. Porém, depois de um tempo, antes mesmo do lançamento do projeto [em agosto deste ano], não recebemos mais informações das reuniões e das ações do projeto. Essa, inclusive, é uma grande fragilidade identificada por lideranças e movimentos sociais da cidade", diz Coracy. Segundo ele, foi apontado pelo próprio Coletivo que seria "fundamental" o máximo de mobilização comunitária possível na época da construção do projeto. "Lideranças comunitárias, cooperativas de catadores, projetos locais precisavam ser mobilizados. No entanto, diferente do que havia sido combinado, a secretaria optou por mobilizar prioritariamente órgãos governamentais e uma organização da sociedade civil que não atua na cidade e que, por isso, precisa deslocar as crianças do seu território para uma outra região", continua. Essa organização, de acordo com ele, é a unidade da Legião da Boa Vontade, onde, segundo Maura Luciane C. Souza, subsecretária de Políticas para Crianças, são atendidas perto de 170 crianças e adolescentes.
Coracy afirma que, na avaliação da ONG, o foco principal do projeto deveria ser o fortalecimento das iniciativas locais, "fortalecendo a lógica de estimular e potencializar as iniciativas locais e um trabalho de monitoramento da participação e envolvimento das crianças". 'Para o Coletivo, não existia a necessidade de desenvolver um novo projeto de contraturno escolar na cidade. A cidade conta com equipamentos sociais públicos e comunitários interessantes para o desenvolvimento dessas atividades", argumenta.
Entre esses equipamentos, Coracy menciona o próprio Centro Olímpico, no Lixão da Estrutural, com capacidade de atendimento a cinco mil crianças e adolescentes; o Centro de Orientação Sócio-Educativa; a Associação Viver; escolinhas; o Coletivo da Cidade, "projeto esportivo desenvolvido pela Administração Regional"; e a própria educação integral, entre outros.
Para Coracy, é preciso considerar que o trabalho infantil no Lixão da Estrutural não pode ser desassociado da questão social, "que gera essa situação ligada à desigualdade social e à precariedade das políticas públicas desenvolvidas para essa população". "Melhorar a qualidade da educação, da saúde, as oportunidades de cultura e lazer são fundamentais. Além disso, o enfrentamento diário passa pelo trabalho constante e planejado junto às famílias no sentido de apoiar e sensibilizar essas famílias dos riscos e prejuízos de um trabalho precoce. O trabalho precisa fortalecer as redes e potencialidades locais", afirma. "A solução está na própria comunidade, e não fora dela", complementa.
Campanha
A campanha É da nossa conta! Trabalho Infantil e Adolescente, iniciativa da Fundação Telefônica, em parceria com o Fundo das Nações Unidas para Infância e Adolescência (UNICEF) e Organização Internacional do Trabalho (OIT), tem o objetivo de sensibilizar e potencializar a ação de diversos públicos, por meio da produção de conteúdo, peças de comunicação e ações específicas para crianças, adolescentes, jovens e especialistas no assunto.
Banco de fontes:
Secretaria da Criança (SECriança)
Maura Luciane C. Souza (subsecretária de Políticas para as Crianças)
(61) 3233-0937 / 7812-9388/ 9909-0110 (Elma Assis – assessora de imprensa)
http://www.crianca.df.gov.br
Coletivo da Cidade
Coracy Coelho (coordenador)
Telefones: (61) 3465-6351 e 8227-4693
Sugestões de leitura:
"GDF faz ação contra trabalho infantil no lixão da Estrutural", 01/08/2013
O Combate ao Trabalho Infantil no Lixão da Estrutural – Relatório das atividades do Fórum PETI na Cidade Estrutural, 1º semestre de 2009