Mapa da Violência faz balanço de mortes por armas de fogo no Brasil, de 1980 a 2012
O número de mortos por disparo de armas de fogo no Brasil chegou a 42.416 pessoas em 2012, o equivalente a 116 óbitos por dia, revela a mais nova edição do levantamento “Mapa da violência 2015: mortes matadas por armas de fogo”, de autoria do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz. Nada menos que 40.077 dessas mortes (94,5%) resultaram de homicídios. Tanto o total de vítimas de armas de fogo quanto o número de assassinatos praticados com armas de fogo são os mais altos já registrados no país pelo Mapa da Violência, cuja série histórica começa em 1980 e vai até 2012.
A taxa de mortalidade por armas de fogo no Brasil, indicador que leva em conta o crescimento da população, ficou em 21,9 óbitos para cada 100 mil habitantes, em 2012. Essa taxa é a segunda mais alta já registrada pelo Mapa da Violência, menor apenas que a verificada em 2003, que foi de 22,2 mortes para cada 100 mil habitantes. No caso específico dos homicídios praticados com armas de fogo, a taxa de mortalidade de 2012 (20,7) é a mais elevada desde 1980.
Ao analisar o período de 2004 a 2012, o Mapa da Violência estima que 160.036 vidas foram poupadas, em virtude da política de controle de armas decorrente da aprovação do Estatuto do Desarmamento. Desse total de mortes evitadas, 113.071 foram de jovens, de acordo com a projeção.
O estudo é o terceiro com foco em mortes ocorridas exclusivamente por disparo de armas de fogo. O primeiro foi divulgado em 2005 e o segundo, em 2013, com dados até 2010. A nova versão incorpora dados de 2011 e 2012.
A fonte primária é o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, gerido pela Secretaria de Vigilância em Saúde e baseado nas declarações de óbito expedidas em todo o país. O levantamento registra o local das mortes e características das vítimas, como idade, cor e gênero.
A divulgação do estudo resulta de uma parceria da Secretaria-Geral da Presidência da República, da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), da UNESCO no Brasil (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (FLACSO).
Os jovens e as armas de fogo: 2012
O estudo revela também que os jovens são as maiores vítimas das mortes por armas de fogo no Brasil. Do total de 42.416 óbitos por disparo de armas de fogo em 2012, 24.882 foram de pessoas na faixa de 15 a 29 anos, o equivalente a 59%. Em termos demográficos, os jovens correspondiam a pouco menos de 27% da população brasileira.
Já a taxa de mortalidade de jovens por armas de fogo atingiu 47,6 para cada 100 mil habitantes, em 2012. Portanto, mais que o dobro da taxa registrada para a população total (21,9). Tanto a taxa quanto o número absoluto de jovens mortos por armas de fogo em 2012 são os mais altos já registrados pelo Mapa da Violência desde 1980.
De acordo com o levantamento, os dados de 2012 interromperam um leve movimento de queda, que havia sido constatado em 2010 e 2011, no número de mortos e nas taxas de mortalidade por disparo de armas de fogo no país, na população em geral e na faixa de 15 a 29 anos.
O aumento das mortes por armas de fogo: 1980-2012
Um balanço de todo o período coberto pela série histórica do Mapa da Violência revela que 880.386 pessoas morreram por disparo de arma de fogo entre 1980 e 2012, no Brasil, sendo que 747.760 foram assassinadas. O total de mortos por armas de fogo, em 1980, foi de 8.710 pessoas, o que significa que houve um aumento de 387% até 2012, quando foram registrados 42.416 óbitos. A população brasileira, nesse mesmo período, cresceu cerca de 61%.
O levantamento destaca que o crescimento das mortes por armas de fogo na população total foi alavancado, de forma quase exclusiva, pelos homicídios, que cresceram 556,6%, enquanto os suicídios com armas de fogo aumentaram 49,8% e as mortes acidentais caíram 26,4%. As mortes por armas de fogo de causalidade indeterminada, isto é, sem especificação (suicídio, homicídio ou acidente) tiveram uma significativa queda (-31,7%), evidenciando melhoria nos mecanismos de registro das informações.
Entre os jovens, o panorama foi mais drástico ainda: o crescimento de 463,6% no número de vítimas de armas de fogo explica-se de forma exclusiva pelo aumento de 655,5% dos jovens assassinados, enquanto acidentes, suicídios e indeterminados caíram ao longo do período (-23,2%; -2,7% e -24,4% respectivamente).
Dados por região e estados
A nova edição do “Mapa da violência 2015: mortes matadas por armas de fogo” apresenta dados por região, estado, capitais e municípios, revelando situações distintas dentro do país.
Enquanto o número de mortos por armas de fogo no Brasil, em números absolutos, aumentou 11,7%, de 2002 a 2012, a região Sudeste teve queda de 39,8% nesse mesmo período, puxada pelos estados de São Paulo (- 58,6%) e Rio de Janeiro (-50,3%). As demais regiões tiveram aumento: + 135,7%, no Norte; + 89,1%, no Nordeste; + 34,6%, no Sul; e + 44,9%, no Centro-Oeste.
O estado com maior taxa de mortos por armas de fogo, em 2012, era Alagoas, com 55 óbitos para cada 100 mil habitantes. Roraima era o estado com menor taxa (7,5). De 2002 a 2012, nove estados tiveram redução da taxa de mortes por armas de fogo. São Paulo teve a maior queda (-62,2%). Outros 17 estados e o Distrito Federal registraram elevação. O Maranhão apresentou o maior aumento (273,2%).
Entre as capitais, Maceió (AL) apresentava a maior taxa de mortalidade por armas de fogo na população total, em 2012 (79,9). Boa Vista (RR) tinha a menor taxa: 7,1. Doze capitais apresentaram redução na taxa, no período de 2002 a 2012. A cidade do Rio de Janeiro foi a que teve a maior queda (-68,3%). São Luis (MA) teve a maior elevação (+316%).
O levantamento também calculou as taxas de mortalidade, na população total, de 1.669 municípios com mais de 20 mil habitantes no país. Para evitar que eventos isolados tenham peso desproporcional nas estatísticas municipais, o Mapa trabalha, para esses municípios, com a média de mortes por armas de fogo dos três últimos anos com dados disponíveis, isto é, 2010, 2011 e 2012.
No caso da população jovem, de 15 a 29 anos, foram considerados apenas os municípios com mais de 15 mil jovens, num total de 555 cidades brasileiras.
O município de Simões Filho (BA) aparece com a maior taxa de mortalidade de armas de fogo no período, tanto na população total quanto entre os jovens. Na população total, Simões Filho teve 130,1 óbitos para cada 100 mil habitantes. Entre os jovens, a taxa atingiu 314,4 óbitos pra cada 100 mil habitantes.
Perfil dos mortos e o Índice de Vitimização Juvenil
A publicação contém também o chamado Índice de Vitimização Juvenil por Armas de Fogo (IVJ-AF). Esse índice analisa a incidência de homicídios na população jovem, comparando os resultados com os da população não jovem. Assim, o estudo revela que, em 2012, em média, morreram proporcionalmente 285% mais jovens que não jovens por assassinato praticado com armas de fogo. Em outras palavras, para cada não jovem assassinado por arma de fogo, quase quatro jovens foram mortos da mesma maneira.
O levantamento mostra a idade das vítimas fatais por disparo de armas de fogo. Em 2012, a mais alta taxa de mortalidade foi verificada entre os jovens de 19 anos, com taxa de 62,9 mortes para cada 100 mil habitantes. A segunda taxa mais alta (62,5) atingiu os jovens de 20 anos.
O Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde registra a raça/cor das vítimas. Em 2012, segundo o estudo, armas de fogo vitimaram 10.632 brancos e 28.946 negros no Brasil, o que representa 11,8 óbitos para cada 100 mil brancos e 28,5 para cada 100 mil negros. Logo, pode-se afirmar que morreram proporcionalmente 142% mais negros que brancos por armas de fogo. O levantamento revela também que, em 2012, 94% das vítimas fatais de disparo de armas de fogo eram do sexo masculino, na população total. Entre os jovens, esse percentual chegava a 95%.
Análise comparativa com outros países
A partir das bases de dados do Sistema de Informações da Organização Mundial da Saúde (OMS), o levantamento comparou as taxas de mortalidade por armas de fogo de 90 países ou territórios. Devido à demora dos países em fornecer dados atualizados à OMS, o estudo utilizou informações de qualquer um dos anos do período 2008-2012 para cada país. O Brasil ficou na 11.a posição, ou seja, com a 11.a taxa mais alta de mortalidade por armas de fogo no grupo de 90 países: 21,9 óbitos para cada 100 mil habitantes. A Venezuela lidera o ranking com taxa de 55,4 óbitos por armas de fogo. No extremo oposto, a Coreia do Sul, o Japão, Marrocos e Hong Kong aparecem com taxa zero de mortes por armas de fogo.
O Estatuto do Desarmamento e as vidas poupadas
Uma série de pesquisas realizadas no contexto dos debates que precederam o referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições — art. 35 do Estatuto do Desarmamento — colocavam em questão a letalidade das armas no Brasil. Segundo essas pesquisas, uma das formas de ponderar a eficácia dos mecanismos de restrição de armas de fogo é o uso do indicador denominado vidas poupadas. Este consiste na diferença entre o número de mortes esperadas a partir da análise de sua tendência de crescimento, frente às mortes efetivamente ocorridas. Dito de outra maneira, é a comparação entre a quantidade de mortes esperadas e as que realmente aconteceram após alguma medida concreta que possa ter impactado nessa mudança de tendência, no caso, a aprovação do Estatuto do Desarmamento. O indicador vidas poupadas reflete, portanto, o número de mortes que foram evitadas ou incentivadas pela política de controle de armas implantadas com o Estatuto do Desarmamento em cada estado.
A ferramenta possibilitou concluir que a política de controle de armas, em seu primeiro ano de vigência, não só anulou a tendência de crescimento anual dos homicídios de 7,2% pré-existente, mas também originou uma forte queda de 8,2% no número de óbitos registrados em 2003. Devido a isso, é possível sustentar que o impacto da aprovação do Estatuto do Desarmamento foi uma queda de 15,4% no número de mortes por armas de fogo no país.
O novo levantamento estima que 160.036 vidas foram poupadas no período de 2004 a 2012, sendo 31.041 vidas apenas no ano de 2012, em decorrência das políticas de restrição de acesso e desestímulo ao uso de armas de fogo. A maior parte das vidas poupadas foi de jovens de 15 a 29 anos (113.071).
“Pelos dados trabalhados, concluímos que o maior impacto das políticas de controle das armas de fogo foi sua enorme capacidade preventiva dos homicídios juvenis. Os jovens representam 27% da população total, mas essas políticas conseguiram poupar a vida de 113.071 jovens num universo de 160.036, isto, é 70,7% das mortes evitadas foram de jovens”, diz Julio Jacobo.
Mais informações:
Assessoria de Comunicação da Secretaria Nacional de Juventude
Paulo Motoryn, (61) 3411-3929, paulo.motoryn(at)presidencia.gov.br
UNESCO no Brasil
– Ana Lúcia Guimarães, (61) 2106-3536, (61) 9966-3287, a.guimaraes(at)unesco.org
– Demétrio Weber, (61) 2106-3538, d.weber(at)unesco.org
Coordenação de Comunicação da FLACSO no Brasil
Margareth Doher, (21) 2234-1896 e (21) 9 8137-8196, margarethdoher(at)flacso.org.br
Julio Jacobo Waiselfisz, j.jacobo(at)flacso.org.br
A versão digital do “Mapa da violência 2015: mortes matadas por armas de fogo” e as planilhas com dados dos 5.565 municípios brasileiros estão disponíveis em www.mapadaviolencia.org.br.