Deslocamento forçado atinge recorde global e afeta 65,3 milhões de pessoas, aponta relatório do ACNUR

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Lançado nesta segunda-feira (20) pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), o relatório “Tendências Globais” – que registra o deslocamento forçado ao redor do mundo com base em dados dos governos, de agências parceiras e da própria agência da ONU – aponta um total de 65,3 milhões de pessoas deslocadas por guerras e conflitos até o final de 2015.

O número representa um aumento de quase 10% se comparado com o total de 59,5 milhões de pessoas deslocadas registradas em 2014. Esta é a primeira vez em que os números de deslocamento forçado ultrapassaram o marco de 60 milhões de pessoas.

O total de 65,3 milhões incluem 3,2 milhões de pessoas em países industrializados que, ao final de 2015, estavam aguardando o resultado de suas solicitações de refúgio, o maior número já registrado pelo ACNUR, além de 21,3 milhões de refugiados ao redor do mundo – 1,8 milhão a mais que em 2014 e o maior número de refugiados desde meados da década de 90.

O número estimado pela agência da ONU inclui também outros 40,8 milhões de pessoas forçadas a fugir de suas casas, mas que continuam dentro das fronteiras de seus próprios países – um aumento de 2,6 milhões comparado com 2014 e o maior número já registrado de deslocados internos.

Comparado com a população mundial de 7,349 bilhões de pessoas , estes números significam que um a cada 113 pessoas é hoje solicitante de refúgio, deslocado interno ou refugiado – um nível sem precedentes para o ACNUR. No total, existem mais pessoas forçadas a se deslocar por guerras e conflitos do que a população do Reino Unido, da França ou da Itália.

Na maioria das regiões do mundo, o deslocamento forçado tem aumentado desde meados da década de 90. Mas este crescimento se acentuou ao longo dos últimos cinco anos.

Três razões explicam esta tendência: situações que causam grandes fluxos de refugiados estão durando mais — por exemplo, conflitos na Somália ou no Afeganistão estão agora em sua terceira e quarta décadas, respectivamente; novas ou antigas situações dramáticas estão ocorrendo frequentemente — o maior conflito atual sendo a Síria, além de outros significativos nos últimos cinco anos, como Sudão do Sul, Iêmen, Burundi, Ucrânia, República Centro-Africana e outros; e a velocidade na qual soluções para os refugiados e deslocados internos são encontradas tem caído desde o final da Guerra Fria.

Há cerca de dez anos, no final de 2005, o ACNUR registrou uma média de seis pessoas deslocadas a cada minuto. Hoje, esse número é de 24 por minuto.

“Mais pessoas estão sendo deslocadas por guerras e perseguições, e isso já é preocupante. Mas os fatores de risco para os refugiados estão se multiplicando também”, disse o alto comissário da ONU para Refugiados, Filippo Grandi.

“No mar, um número assustador de refugiados e migrantes estão morrendo a cada ano. Em terra, as pessoas que fogem de guerras estão encontrando seu caminho bloqueado por fronteiras fechadas. Em alguns países, a política tem se voltado contra o refúgio. A vontade das nações de trabalhar em conjunto para o interesse humano coletivo, e não apenas para os refugiados, é o que está sendo testada hoje. Esse espírito de união que tanto necessita prevalecer.”

Três países são a origem de metade dos refugiados no mundo

Entre os países analisados pelo relatório “Tendências Globais”, alguns se destacam por serem a principal origem de refugiados no mundo. Síria — com 4,9 milhões de refugiados —, Afeganistão — com 2,7 milhões — e Somália — com 1,1 milhão — totalizam mais da metade dos refugiados sob o mandato do ACNUR.

Os países com maior número de deslocados internos são Colômbia — 6,9 milhões —, Síria — 6,6 milhões — e Iraque — 4,4 milhões. O Iêmen, em 2015, foi o país que mais registrou novos deslocados internos — 2,5 milhões de pessoas ou 9% de sua população.

Em sua maioria, os refugiados estão no Hemisfério Sul

As dificuldades da Europa em administrar os mais de 1 milhão de refugiados e migrantes que chegaram em seu território pelo mar Mediterrâneo chamou a atenção de muitos em 2015. Mas o relatório do ACNUR mostra que a vasta maioria dos refugiados no mundo está em outros lugares.

Ao todo, 86% dos refugiados sob o mandato do organismo internacional em 2015 se encontravam em países de renda média ou baixa, próximos às áreas de conflito. Este percentual chega a 90% do total de refugiados no mundo quando são incluídos os refugiados palestinos sob os cuidados da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA) — uma organização da ONU dedicada exclusivamente aos deslocados de origem palestina.

Em todo o mundo, a Turquia é o país que mais abriga refugiados, com 2,5 milhões deles. O Líbano, mais que qualquer outro país, acolhe mais refugiados em relação à sua população — são 183 refugiados para cada mil habitantes.

Com relação ao tamanho de sua economia, a República Democrática do Congo (RDC) é o país que abriga mais refugiados: são 471 por cada dólar do PIB per capita.

Aumento de solicitações de refúgio

Entre os países industrializados, 2015 também foi um ano que quebrou recordes em relação às solicitações de refúgio, com 2 milhões delas registradas. Um total de 3,2 milhões de casos estavam pendentes ao final do ano passado.

A Alemanha recebeu mais solicitações de refúgio do que qualquer outro país — 441,9 mil —, um reflexo claro de sua disponibilidade para receber pessoas que estão fugindo para a Europa através do Mediterrâneo.

Os Estados Unidos tiveram o segundo maior número de solicitações de refúgio — 172 mil. Muitos deles foram apresentados por pessoas que fogem da violência urbana relacionada a gangues na América Central. Pedidos de asilo substanciais também foram observados na Suécia — 156 mil — e na Rússia — 152,5 mil.

Crianças são metade dos refugiados no mundo

As crianças somavam 51% do total de refugiados em 2015, de acordo com os dados que o ACNUR conseguiu reunir. Dados demográficos completos não foram disponibilizados para os autores do relatório.

Preocupantemente, muitas foram separadas de seus pais ou estão viajando sozinhas. Ao todo, haviam 98,4 mil solicitações de refúgio de crianças desacompanhadas ou separadas de suas famílias registradas ao final de 2015. Este é o maior número já visto pelo ACNUR — um reflexo trágico sobre como o deslocamento forçado global está afetando desproporcionalmente a vida dos jovens.

Impossibilitados de voltar para casa

Enquanto o deslocamento forçado atingiu níveis recordes, o número de pessoas que puderam voltar para suas casas ou encontrar outra solução — como integração local no primeiro país de refúgio ou reassentamento em outro país — foi muito baixo.

Cerca de 201,4 mil refugiados puderam voltar para seus países de origem em 2015 — em sua maioria para Afeganistão, Sudão e Somália. Esta quantidade é maior que o total de 2014 — 126,8 mil retornados —, mas ainda é substancialmente baixa se comparada com os picos de meados da década de 90.

Aproximadamente 107 mil refugiados foram admitidos em programas de reassentamento em 30 países em 2015 — representando apenas 0,66% dos refugiados sob o mandato do ACNUR. Em 2014, 26 países receberam 105,2 mil refugiados em programas de reassentamento em 2014. O número equivalia a 0,73% da população de refugiados sob os cuidados do ACNUR. Pelo menos 32 mil refugiados foram naturalizados ao longo de 2015, a maioria no Canadá e na França, com números menores na Bélgica e Áustria.

A situação do deslocamento forçado em 2015, por região (em ordem decrescente):

Oriente Médio e Norte da África

A guerra na Síria continua sendo a principal causa de deslocamento forçado e sofrimento no mundo. Até o final de 2015, esta guerra levou pelo menos 4,9 milhões de pessoas ao exílio (como refugiadas) e deslocou outras 6,6 milhões de pessoas em seu território – metade da população da Síria antes da guerra.

O conflito do Iraque, até o final do ano passado, havia deslocado 4,4 milhões de pessoas em seu território e gerado quase 250 mil refugiados.

A guerra civil no Iêmen, que começou em 2015, deixou 2,5 milhões de deslocados internos até o final daquele ano – mais novos deslocados do que qualquer outro conflito global.

Incluindo os 5,2 milhões de refugiados palestinos sob o mantado da UNRWA, os quase meio milhão de líbios forçados a fugir de suas casas e que estão no país, além de outras crises menores, o Oriente Médio e o Norte da África têm os maiores números de deslocamento do que qualquer outra região do mundo.

África Subsaariana

A África Subsaariana teve os maiores índices de deslocamento em 2015, após o Oriente Médio e o Norte da África. O conflito no Sudão do Sul, ainda em curso, bem como os conflitos da República Centro-Africana e da Somália, além de deslocamentos em massa — novos ou antigos — em países como Nigéria, Burundi, Sudão, RDC, Moçambique, produziram juntos cerca de 18,4 milhões de refugiados e deslocados internos até o final de 2015.

No total, a África Subsaariana abrigou cerca de 4,4 milhões de refugiados – mais do que qualquer outra região. Cinco das dez nações do mundo que mais abrigam refugiados estão na África, liderados pela Etiópia, seguidos pelo Quênia, Uganda, República Democrática do Congo e Chade.

Ásia e o Pacífico

A Ásia e o Pacífico abrigam quase um em cada seis refugiados e deslocados internos, fazendo desta região a terceira com maiores números de deslocamento no mundo. Quase 17% dos refugiados sob o mandato do ACNUR são originários do Afeganistão — 2,7 milhões —, onde existem quase 1,2 milhão de deslocados internos.

Myanmar foi o segundo país da região que mais deixou pessoas em situação de refúgio — 451,8 mil — e deslocados internos — 451 mil. O Paquistão — 1,5 milhão — e o Irã — 979 mil — ainda estão entre os países que mais abrigam refugiados no mundo.

Américas

O número crescente de pessoas que fogem de gangues e outras formas de violência urbana na América Central contribuiu para o aumento de 17% do deslocamento forçado na região.

Somados, refugiados e solicitantes de refúgio de El Salvador, Guatemala e Honduras chegam a 109,8 mil pessoas, em sua maioria indo para o México e Estados Unidos — um aumento de mais de cinco vezes ao longo dos últimos três anos.

Colômbia, que vive um conflito de longa duração, continua sendo o país com o maior número de deslocados internos no mundo —  6,9 milhões.

Europa

A situação na Ucrânia, a proximidade da Europa com a Síria e o Iraque e a chegada de mais de 1 milhão de refugiados e migrantes de múltiplas nacionalidades pelo mar Mediterrâneo, caracterizam o cenário de deslocamento na região em 2015.

Juntos, a conjuntura dos países europeus levou 593 mil pessoas a buscarem refúgio — em sua maioria da Ucrânia — e a abrigaram 4,4 milhões – 2,5 milhões deste total estão na Turquia.

Dados fornecidos pelo governo da Ucrânia apontam que existem 1,6 milhão de deslocados internos no país. O relatório “Tendências Globais” registrou 441,9 mil solicitações de refúgio na Alemanha, onde a população refugiada aumentou cerca de 46% desde de 2014, chegando a um total de 316 mil pessoas.

Fonte: ONU Brasil