Direitos indígenas ainda são violados 10 anos depois de declaração histórica, dizem especialistas da ONU
Os povos indígenas do mundo ainda enfrentam enormes desafios uma década depois da adoção de uma histórica declaração sobre seus direitos, alertaram nesta segunda-feira (7) um grupo de especialistas independentes e órgãos especiais das Nações Unidas.
Em comunicado divulgado às vésperas do Dia Internacional dos Povos Indígenas (9 de agosto), o grupo afirmou que os Estados precisam transformar palavras em ações para acabar com a discriminação, a exclusão e a falta de proteção demonstrada pela piora das taxas de assassinatos de defensores dos direitos humanos em todo o mundo.
O comunicado conjunto foi assinado pela presidente do Fórum Permanente da ONU para Questões Indígenas, pelo especialista da ONU para o Mecanismo sobre Direitos dos Povos Indígenas e pela relatora especial das Nações Unidas para os direitos dos povos indígenas.
“Faz 10 anos que a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas foi adotada pela Assembleia Geral da ONU como o mais abrangente instrumento internacional de direitos humanos para os povos indígenas. A declaração, que levou mais de 20 anos para ser negociada, aparece atualmente como um guia para o progresso, um referencial para a reconciliação e um marco de direitos”, afirmou o comunicado.
Eles declararam que, após uma década, é necessário reconhecer os vastos desafios que permanecem. “Em muitos casos, os povos indígenas estão enfrentando agora até maiores dificuldades e violações de direitos do que enfrentavam dez anos atrás”, salientaram.
“Os povos indígenas ainda sofrem com racismo, discriminação e acesso desigual a serviços básicos incluindo saúde e educação. Onde os dados estatísticos estão disponíveis, há informações claras de que eles estão sendo deixados para trás em todas as frentes, enfrentam desproporcionalmente maiores níveis de pobreza, menor expectativa de vida e piores resultados educacionais.”
Segundo os relatores e órgãos especializados, os povos indígenas enfrentam particularmente desafios agudos devido à perda de terras e de direitos sobre recursos, que são os pilares de sua subsistência e identidades culturais.
“As mulheres indígenas sofrem o dobro de discriminação, tanto por serem mulheres como por serem indígenas. Elas são frequentemente excluídas dos processos de tomada de decisões e de direito à terra, e muitas sofrem violência.”
“Pedimos que os Estados garantam que as mulheres indígenas exerçam seus direitos previstos na Declaração e enfatizamos que seus direitos são uma preocupação de todos nós”, completaram.
De acordo com o comunicado, a piora da situação de direitos humanos dos povos indígenas no mundo todo é ilustrada pelas extremas, difíceis e arriscadas condições de trabalho dos defensores dos direitos humanos dos povos indígenas.
“Indivíduos e comunidades que arriscam defender os direitos indígenas são classificados como obstáculos ao progresso, forças contrárias ao desenvolvimento e, em alguns casos, inimigos do Estado ou terroristas”, declararam os relatores e órgãos da ONU.
“Eles arriscam até mesmo suas próprias vidas. Somente no ano passado, algumas fontes sugerem que 281 defensores dos direitos humanos foram assassinados em 25 países — mais do que o dobro do número registrado em 2014. Metade deles trabalhava para defender direitos indígenas, ambientais e o direito a terra.”
Os especialistas e órgãos especiais da ONU pedem que os Estados protejam os defensores de direitos humanos dos povos indígenas. Crimes cometidos contra eles precisam ser devidamente investigados e processados, e os responsáveis levados diante dos tribunais, completaram.
Os povos indígenas estão cada vez mais sendo empurrados a conflitos por suas terras, recursos e direitos. De acordo com os relatores, uma paz duradoura requer que os Estados, com o apoio da comunidade internacional, estabeleçam mecanismos de resolução de conflitos com a participação total e efetiva dos povos indígenas, particularmente das mulheres indígenas.
Muitos Estados ainda não reconhecem os povos indígenas, e particularmente as mulheres indígenas e os jovens ainda enfrentam a falta de reconhecimento oficial e de participação política direta, salientaram. Segundo os relatores, mesmo em Estados onde as leis estão em vigor, a Declaração não foi totalmente implementada.
“É hora de reconhecer e fortalecer as próprias formas de governança e representação dos povos indígenas, de forma a estabelecer um diálogo construtivo e de engajamento com as autoridades internacionais e nacionais, autoridades públicas e setor público.”
Segundo os relatores, os padrões mínimos de sobrevivência, dignidade e bem-estar dos povos indígenas do mundo, como estabelecido pela Declaração, precisam agora ser alcançados.
“Isso inclui o direito a identidade, linguagem, saúde, educação e autodeterminação, junto com o dever dos Estados de consultar e cooperar com os povos indígenas para obter seu consentimento livre, anterior e informado antes de adotar e implementar medidas que possam afetá-los”, afirmaram.
Os especialistas lembraram que a declaração representa importantes mudanças tanto na estrutura como na prática de políticas globais, e os últimos 10 anos viram algumas mudanças positivas na situação dos povos indígenas e maior respeito à visão de mundo desses povos.
“Mas ainda temos um longo caminho a percorrer antes de os povos indígenas terem total garantia de direitos humanos como expressado na Declaração. Pedimos que todos os Estados acabem com as diferenças entre palavras e ações, e ajam agora para entregar igualdade e direitos totais a todos os povos indígenas”, afirmaram.
A relatora especial para os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, é parte do que é conhecido como Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos. Os Procedimentos Especiais, maior corpo de especialistas independentes do sistema de Direitos Humanos da ONU, é o nome geral de um conselho independente de mecanismos de monitoramento para tratar de situações específicas nos país ou questões temáticas em todas as partes do mundo. Os especialistas dos Procedimentos Especiais trabalham em bases voluntárias; não são funcionários da ONU e não recebem salário por seu trabalho. Eles são independentes de quaisquer governos ou organizações e atuam em suas capacidades individuais.
O Fórum Permanente para as Questões Indígenas foi estabelecido em julho de 2000, e é um órgão do Conselho Econômico e Social da ONU (ECOSOC), com mandato para discutir questões indígenas relacionadas ao desenvolvimento econômico e social, cultura, ambiente, educação, saúde e direitos humanos. O Fórum é formado por 16 membros que agem em suas capacidades individuais como especialistas independentes para questões indígenas. Oito de seus membros são indicados por governos e oito pelo presidente do ECOSOC, com base em uma ampla consulta a grupos indígenas. O órgão é atualmente presidido por Mariam Wallet Aboubakrine.
Já o Mecanismo de Especialistas para os Direitos dos Povos Indígenas foi estabelecido em 2007 pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU como um corpo subsidiário do Conselho. Seu mandato é fornecer ao Conselho conhecimento e aconselhamento sobre o direito dos povos indígenas como estabelecido pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, e apoiar os Estados-membros, quando requerido, na conquista dos objetivos da Declaração por meio da promoção, proteção e atendimento aos direitos dos povos indígenas. O mecanismo é composto por sete especialistas independentes que atuam em suas capacidades pessoais, e é atualmente presidido por Albert K. Barume.