Entenda por que a publicidade em escolas é abusiva e ilegal
O amplo debate público sobre os impactos negativos da publicidade infantil fez muita gente tomar consciência do quão antiética e abusiva é direcionar comunicação mercadológica a pessoas em peculiar estágio de desenvolvimento. As crianças, pessoas de até 12 anos conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, não têm capacidade plena para analisar criticamente os argumentos persuasivos da publicidade e, por isso, devem ter seu tempo de amadurecimento respeitado, sendo protegidas nas relações de consumo – como previsto no Código de Defesa do Consumidor.
Este entendimento cada vez mais predominante no Brasil fez com que algumas empresas mudassem de estratégia e passassem a ter como alvo de sua publicidade apenas pessoas adultas, de forma a respeitar a infância e a sociedade brasileira. E, no entanto, restam aquelas que, mal intencionadas, mantiveram o foco nas crianças mas ajustaram a publicidade para que estivesse camuflada de ações educativas ou culturais e que, restrita a espaços fechados, fosse mais difícil de fiscalizar e denunciar.
Nestes 12 anos de trabalho, o programa Criança e Consumo observa que uma dessas novas formas da qual a velha publicidade direcionada a crianças está travestida, para tentar escamotear suas intenções puramente mercadológicas, é em ações nas escolas – cada vez mais comuns. Há projetos que se dizem voltados para a educação da sustentabilidade, da boa alimentação…mas quando analisados, ainda é a mesma e irresponsável publicidade direcionada a crianças. A diferença é que nas escolas as crianças estão desacompanhadas dos pais ou responsável legal, de forma que não há supervisão das famílias. Estas, na maioria dos casos só ficam sabendo quando o filho/filha chega em casa com um brinde, um produto da empresa que visitou a escola.
As ações comerciais em escolas são mais sofisticadas e perniciosas porque mais difíceis de serem identificadas, pelas crianças, como mensagens publicitárias. Além disso, as ações em escolas costumam fazer com que as crianças vivenciem experiências com a marca tais como provar um produto, receber brinde com logotipo, interagir com mascotes, etc. Mas a criança não reconhece tal ação como comercial porque não identifica o interesse de venda na qual se baseia.
Assim, com o objetivo de informarmos a população, listamos alguns documentos de referência que comprovam que este tipo de prática, além de abusiva, é ilegal:
Nota Técnica do Ministério da Educação
O Ministério da Educação, por meio da Coordenação Geral de Direitos Humanos, elaborou a nota técnica 21/2014 para implementar a Resolução nº 163 de 2014 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) em todas as unidades escolares das redes municipais e estaduais de ensino. A nota afirma que “o espaço escolar é destinado à formação integral das crianças e dos adolescentes não devendo, portanto, permitir sua utilização para a promoção e veiculação de publicidade e de comunicação mercadológica de produtos e serviços, seja ela direta ou indireta”.
Recomendações do Ministério Público Federal
A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, produziu e enviou as recomendações 66/2014 e 67/2014 aos prefeitos, às Secretarias de Educação de todas as cidades paulistas com mais de 100 mil habitantes e para a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. O objetivo era recomendar a suspensão dos shows do Ronald McDonald nas instituições públicas de ensino público e fundamental do Estado de São Paulo e o fim da exibição da personagem vestida de palhaço que se utiliza de momentos lúdicos para cativar consumidores ou de qualquer exibição semelhante.
Nota Técnica do Ministério Público de São Paulo
O Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva emitiu nota técnica sobre Publicidade em Escolas com o objetivo fornecer informações e subsídios aos Promotores de Justiça do Consumidor do Estado de São Paulo, em que apresenta argumentos contrários a este tipo de comunicação mercadológica, por ser considerada abusiva.
Secretaria Nacional do Consumidor
O Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional do Consumidor, divulgou a Nota Técnica 3/2016 que trata da abusividade da publicidade no ambiente escolar e de alimentos ultraprocessados dirigida ao público infantil. A Nota considera, entre outros fundamentos, o relatório final da pesquisa desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa da Relação Infância, Juventude e Mídia da Universidade Federal do Ceará (GRIM), resultado do acordo de cooperação entre a Universidade Federal do Ceará e a pasta.
Relatório sobre o Impacto do Marketing na Fruição de dos Direitos Culturais
No âmbito internacional, destaca-se o relatório da Organização das Nações Unidas – ONU, que aborda o tema do impacto das práticas de publicidade e de marketing comercial no gozo dos direitos culturais. O texto recomenda que legislação, regulamentações e políticas adotadas pelos Estados e autoridades locais “proíbam toda a publicidade comercial em escolas públicas e privadas, garantindo que os currículos sejam independentes de interesses comerciais”, “identifiquem outros espaços que devam ser completamente, ou especialmente, protegidos, tais como (…) creches, (…) parques infantis (…)”, “proíbam todas as formas de publicidade para crianças com menos de 12 anos de idade, independentemente do meio, suporte ou instrumento utilizado (…)”.
Fonte: Criança e Consumo