ONU Mulheres apresenta agenda para acabar com desigualdade de gênero nas famílias
Ao longo das últimas décadas, os direitos das mulheres avançaram no mundo todo. No entanto, em muitas famílias ainda ocorrem violações fundamentais dos direitos humanos e persistentes desigualdades de gênero, de acordo com o novo relatório “O progresso das mulheres no mundo 2019-2020: Famílias em um mundo em mudança”, publicado pela ONU Mulheres nesta terça-feira (25).
“Em todo o mundo, estamos percebendo esforços concentrados destinados a limitar a capacidade das mulheres de agir e restringir o direito delas de tomar suas próprias decisões, em nome da proteção dos ‘valores familiares’. No entanto, com base em nossa pesquisa e nas evidências disponíveis, sabemos que não existe uma forma de família ‘normal’ e que, de fato, nunca existiu”, disse a diretora-executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka.
“Este relatório desafia esse movimento, demonstrando que as famílias, em toda a sua diversidade, podem ser defensoras cruciais da igualdade de gênero toda vez que as pessoas responsáveis de tomar decisão promovam políticas genuinamente baseadas nas formas atuais de vida, estabelecendo um lugar central aos direitos das mulheres.”
Com base em dados globais, análises inovadoras e estudos de caso, o relatório mostrou a diversidade de famílias em todo o mundo e ofereceu sólidas recomendações para garantir que as leis e políticas ajudem as famílias de hoje a responder às necessidades de todos os seus membros, especialmente mulheres e meninas. O estudo também incluiu uma análise do custo sobre a implementação de tais políticas.
Entre as tendências observadas, destacam-se:
– A idade do casamento aumentou em todas as regiões, enquanto as taxas de fertilidade diminuíram e as mulheres ganharam autonomia econômica.
– Globalmente, pouco mais de um terço de todas agregadas e agregados familiares (38%) são constituídos por casais com filhas e filhos; famílias extensas também são muito comuns, o que inclui outros e outras parentes e representam 27% do total.
– A maioria das famílias com apenas uma pessoa responsável (representando 8% de todos os agregados familiares) é chefiada por mulheres, que têm muitos problemas para conciliar o trabalho remunerado, criar os filhos e filhas e o trabalho doméstico não pago. Em todas as regiões, as famílias formadas por casais homossexuais são cada vez mais visíveis.
O relatório mostra que as famílias podem ser espaços de cuidado, mas também de conflito, desigualdade e, com demasiada frequência, também de violência. Atualmente, 3 bilhões de mulheres e meninas vivem em países onde o estupro no casamento não é explicitamente tipificado como crime. Mas a injustiça e as violações também assumem outras formas.
Em um em cada cinco países, as meninas não têm os mesmos direitos de herança que os meninos, enquanto em outros (especialmente em 19 países), as mulheres são obrigadas por lei a obedecer seus maridos. Cerca de um terço das mulheres casadas que vivem em países em desenvolvimento dizem que têm pouco ou nada a dizer sobre seus próprios cuidados de saúde.
A incorporação das mulheres ao mercado de trabalho continua a crescer significativamente, mas o casamento e a maternidade reduzem as taxas de participação no mercado de trabalho e, portanto, de renda e benefícios associados à participação.
No mundo inteiro, pouco mais da metade das mulheres com idades entre 25 e 54 anos são economicamente ativas, proporção que sobe para dois em cada três no caso de mulheres solteiras. Por sua vez, 96% dos homens casados estão economicamente ativos, de acordo com os dados do novo relatório. Uma das principais causas destas desigualdades é que as mulheres continuam a realizar trabalho doméstico triplo e cuidados não remunerados do que os homens, na ausência de cuidados acessíveis.
O relatório apontou alguns elementos positivos em termos de licença parental, pois o acesso de pais a esse benefício tem aumentado, sobretudo em países em que existem incentivos específicos, tais como quotas para pais -, que reservam a eles uma parte intransferível da licença; se esta não for usada, será perdida.
O documento também destacou os desafios que as mulheres e suas famílias enfrentam quando migram. Uma lei injusta implica que nem todas as famílias têm o direito ao reagrupamento familiar e, boa parte delas, está excluída do acesso a serviços públicos. Quando a condição migratória das mulheres está ligada a seus parceiros, pode ser muito difícil ou impossível para elas escaparem de relacionamentos violentos.
O relatório inclui uma chamada destinada a pessoas responsáveis pela formulação de políticas, ativistas e qualquer pessoa que possa transformar famílias em instâncias de igualdade e de justiça, em que todas as mulheres tenham voz e capacidade de escolha, além de ter garantida a sua segurança física e econômica.
Algumas das recomendações que são levantadas no relatório para alcançar este objetivo incluem:
– Modificar e reformar as leis sobre a família para garantir que as mulheres possam escolher se querem casar, quando e com quem; que contemplam a possibilidade de divórcio se necessário; e que permitam que as mulheres acessem os recursos da família;
– Reconhecer as diferentes formas de união, a fim de proteger os direitos das mulheres, tanto aquelas que vivem com seus parceiros quanto aquelas que vivem em união homossexual;
– Investir nos serviços públicos, especialmente educação e cuidados de saúde reprodutiva, de modo a aumentar as expectativas de vida de mulheres e meninas e para que estas possam tomar decisões com conhecimento de causa sobre a sua vida sexual;
– Considerar a possibilidade de implementar a licença parental remunerada e fornecer apoio estatal para o cuidado de meninas e meninos e de pessoas idosas, incluindo o desenho de sistemas de proteção social que possam ajudar a sustentar as famílias;
– Garantir a segurança física das mulheres por meio da implementação de leis e políticas destinadas a eliminar todas as formas de violência contra mulheres e meninas, e fornecer acesso à Justiça e a serviços de apoio a sobreviventes de violência.
Como parte de uma análise realizada para este relatório foi constatado que a maioria dos países poderia implementar um pacote de políticas de apoio econômico, mesmo ao longo da vida, atenção à saúde e serviços de cuidados para crianças e pessoas idosas por um custo inferior a 5% do seu Produto Interno Bruto (PIB).
Garantir que as famílias sejam instâncias de igualdade e justiça não é somente um imperativo moral, mas também essencial para a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), agenda mais ampla do mundo destinada a garantir o progresso humano, lembrou a ONU Mulheres.
Os principais dados e números incluídos no relatório podem ser encontrados aqui (ficha de dados).
Antecedentes
A série de relatórios “O Progresso das Mulheres no Mundo” é uma pesquisa temática periódica sobre os direitos das mulheres desde o ano 2000. O seu objetivo é promover mudanças nas leis, políticas e programas e criar um ambiente favorável para que mulheres e meninas possam realizar os seus direitos.
“O Progresso das Mulheres no Mundo 2019-2020” coincide com a campanha “Geração da Igualdade: por direitos das mulheres e um futuro de igualdade” que antecede a comemoração do 25º aniversário da Declaração e Plataforma de Ação de Pequim de 1995, considerada uma das agendas mais visionárias para o empoderamento de mulheres e meninas em todo o mundo. Apesar de alguns progressos, ainda existem inúmeros desafios para os direitos das mulheres.
Clique aqui para acessar o resumo executivo do relatório.
Fonte: ONU Brasil