UNICEF e Ipea criam metodologia para avaliar gasto federal com crianças e adolescentes
Análise inédita mostra que Brasil destinou, em média, apenas 3,2% dos recursos públicos federais a crianças e adolescentes entre 2016 e 2019. Previsão para 2022 fica abaixo desse patamar
Entre 2016 e 2019, o Brasil destinou apenas 3,2% dos recursos públicos federais a crianças e adolescentes – e a estimativa para 2022 está abaixo desse patamar, com 2,4%. É o que revelam UNICEF e Ipea, em uma análise inédita do gasto público federal. As duas organizações pedem que o País priorize a infância e a adolescência no orçamento federal de 2022, voltando ao menos aos patamares de 2019.
Em uma iniciativa inédita, UNICEF e Ipea desenvolveram uma metodologia que permite analisar o orçamento federal dos últimos anos e determinar quanto foi investido em crianças e adolescentes. A nota técnica Gasto Social com Crianças e Adolescentes no Brasil detalha essa metodologia, trazendo a análise completa do gasto federal entre 2016 e 2019. Usando uma versão simplificada da metodologia, as organizações analisaram a proposta de orçamento federal de 2022, mostrando que há um risco de redução de investimentos.
“Para pensar em medidas de recuperação pós-pandemia, é fundamental que o País priorize crianças e adolescentes, principais vítimas ocultas da covid-19. Para tanto, é essencial analisar os orçamentos públicos federais dos últimos anos, e entender onde e como ampliar investimentos para 2022. Por isso, a importância dessa nota técnica. Um próximo passo importante será fazer uma análise similar do orçamento nos níveis estadual e municipal, de modo a ter uma ideia completa de quanto é investido em crianças e adolescentes”, explica Florence Bauer, representante do UNICEF no Brasil.
A opinião é corroborada por Enid Rocha, pesquisadora do Ipea e uma das autoras da nota técnica. Segundo ela, foi realizado um amplo e completo processo de “garimpagem” na execução financeira do Orçamento Geral da União. “É um estudo detalhado que conseguiu identificar todos os programas, ações e planos orçamentários que contribuem para a concretização dos direitos da infância e da adolescência”, explicou. Segundo Enid, com a ferramenta será possível agora avaliar o cumprimento do princípio da prioridade absoluta de crianças e adolescentes nas políticas públicas, contemplado na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e ainda conhecer quais áreas de políticas públicas não estão sendo adequadamente contempladas com recursos nos orçamentos governamentais”.
A nota técnica, junto com a análise do orçamento planejado para 2022, foi apresentada à Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) em novembro. O conteúdo está disponível online a partir desta segunda-feira, 13 de dezembro.
Metodologia inédita mostra como e quanto foi investido em infância e adolescência
Duas características fazem essa metodologia inovadora. A primeira é a análise detalhada de cada ação orçamentária e de seus componentes para identificar em todas as áreas do governo possíveis benefícios às crianças, mesmo aqueles não específicos. Outra característica que também contribui para a precisão do estudo é a busca por estimativas que permitissem definir uma proporção dos gastos não específicos com as crianças, como atenção à saúde, prestada a todas as pessoas indistintamente, incluídas crianças e adolescentes. Denominados ponderadores, o cálculo desses indicadores valeu-se da imensa expertise técnica do Ipea, e é fundamental para que se chegue com mais exatidão a quanto se gasta com esse público.
Ainda que tenha fins metodológicos, as análises trazidas pela nota já possibilitam saber onde estão concentrados os gastos com crianças e adolescentes. Como esperado, a massa principal do orçamento federal para crianças, cerca de 86%, está nas áreas de assistência social, que também inclui políticas como o Bolsa Família, com 35% dos gastos, seguida de saúde e educação, com 29% e 22% respectivamente. A administração das políticas públicas, identificada de modo separado, representa 7%, e as políticas de segurança alimentar, 5%, com destaque para a merenda escolar.
Todas as demais políticas representam apenas 2% dos gastos, compreendendo a proteção dos direitos de crianças e adolescentes, esportes, e políticas com esquemas de financiamento mais difusos, em que uma parte pequena dos recursos são do governo federal, como habitação e saneamento.
Ao longo do seu desenvolvimento, a metodologia tem sido discutida publicamente com variados atores, como o Ministério da Fazenda da Argentina, parte de uma ação de cooperação sul-sul facilitada pelos escritórios do UNICEF dos dois países, e principalmente no âmbito do legislativo, em eventos e reuniões de trabalho organizados pela Frente Parlamentar da Primeira Infância. A convite da deputada federal Leandre dal Ponte, em novembro, Ipea e UNICEF aplicaram a metodologia à proposta de Lei Orçamentária Anual de 2022, de modo a contribuir para a ampliação da destinação de recursos para crianças e adolescentes, na etapa em que a lei é discutida no Congresso. Os resultados foram apresentados à CMO em uma audiência pública.
A parceria entre Ipea e UNICEF prevê, ainda, novos estudos com mais análises e com a atualização dos dados a cada ano. Com isso, espera-se contribuir com dados e informações precisas para todas as etapas de elaboração e discussão do orçamento, de modo a que não se perca de vista o princípio constitucional da prioridade absoluta de crianças e adolescentes nas políticas públicas.
Fonte: Unicef Brasil