‘Pagamos um preço muito alto por ser familiar de preso’: a realidade das revistas íntimas nas prisões
Organizações e movimentos denunciam que, apesar de proibida em diversos estados e considerada tortura, a revista íntima segue violando direitos. Em muitos casos, crianças são revistadas sem a presença dos responsáveis
Todas as semanas, milhares de pessoas que visitam um familiar encarcerado, em sua maioria mulheres e crianças, são revistadas nuas e sem as devidas condições de higiene por meio da revista vexatória. Mesmo com legislações estaduais e nacionais que proíbem explicitamente a prática e com a instalação de escâneres corporais, a revista íntima ainda é uma realidade nos presídios brasileiros.
Para denunciar as violações decorrentes da prática, sete organizações da sociedade civil lançam nesta quinta-feira (10) o relatório ‘Revista vexatória: uma prática constante’. A publicação traz relatos de familiares de pessoas presas e mostra o perfil dessas vítimas – a quase totalidade dos familiares respondentes são mulheres e 68,1% negros, não diferente da própria população prisional, em que 55,4% das pessoas presas também são negras (Infopen, 2017).
A presença de crianças também faz parte da realidade das visitas nos presídios, pois parentes as levam para se encontrarem com pais, mães e avós que estão presos e, dessa forma, manter os vínculos afetivos. Grande parte dos familiares (54,1%) afirmaram que seus filhos já foram submetidos a procedimentos vexatórios e chama a atenção o fato de que em 23,1% dos casos não foi dado o direito do responsável estar presente. Assim, a revista foi feita por agentes prisionais sem acompanhamento.
Em um dos depoimentos, uma mulher que teve sua identidade preservada relata “pagamos um preço muito alto por sermos familiares de preso e digo sem medo de errar que a revista vexatória é uma das grandes destruidoras de famílias e tenta nos punir por um crime que não cometemos”. Outra denúncia presente na publicação conta que a revista não é feita a portas fechadas, ficando as visitantes nuas expostas ao resto da fila e à agentes prisionais do sexo masculino.
“A revista vexatória faz parte de mais um dos processos de penalização perversos que extrapola os muros do cárcere e atinge, em especial, os corpos de mulheres que visitam seus familiares. Embora a nossa Constituição seja clara que a pena não pode ultrapassar a pessoa do condenado/a (art. 5º, XLV) percebemos que a lógica por trás do aprisionamento é a de constante violação de direitos das pessoas presas, de seus familiares e amigos” analisa Sofia Fromer, pesquisadora do projeto Justiça sem Muros do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC).
STF julga validade de provas obtidas por revista vexatória
Em outubro de 2020, iniciou no STF (Supremo Tribunal Federal) julgamento para verificar se provas colhidas por meio de revista íntima vexatória podem ser consideradas válidas no processo criminal. O julgamento foi pausado em 2021, após pedido de vista do ministro Nunes Marques.
Até o momento, foram contabilizados cinco votos. Três ministros consideraram inadmissível a prática da revista íntima e votaram pela inconstitucionalidade de provas obtidas por este meio. O relator do processo, ministro Edson Fachin, ressaltou em seu voto algo que a prova obtida a partir da revista “é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamentos eletrônicos”.
Sobre o julgamento, as sete instituições que organizam o relatório (Agenda Nacional pelo Desencarceramento, Conectas, Rede Justiça Criminal, Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, Pastoral Carcerária e Instituto de Defesa do Direito de Defesa) ressaltam que é urgente que o STF considere inadmissível a revista íntima em qualquer situação, uma vez que a prática é considerada violência sexual e tortura por diversos organismos internacionais.
“Os relatos da pesquisa demonstram que, embora a instalação dos escâneres seja fundamental para combater a revista vexatória, apenas a sua presença física é insuficiente para acabar com práticas violentas e discriminatórias. A revista segue acontecendo mesmo em estabelecimentos que possuem o scanner corporal, por exemplo. Por isso, é urgente que o STF invalide a obtenção de provas por revista sem exceções”, diz a publicação.
Fonte: Conectas