UNESCO pede melhor fiscalização da educação particular em prol da redução de desigualdades

UNESCO pede melhor fiscalização da educação particular em prol da redução de desigualdades

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15% das famílias em Honduras e Guatemala e 30% no Haiti têm de tomar empréstimos para mandar os filhos à escola 

Trezentas e cinquenta milhões de crianças e jovens no mundo todo frequentam escolas não-estatais. No entanto, o novo Relatório Global de Monitoramento da Educação da UNESCO (GEM) mostra que, em muitos países, falta regulamentação adequada da educação particular, ou a capacidade de aplicá-la, o que prejudica a qualidade e aumenta o abismo educacional entre ricos e pobres.

O Relatório analisa atores não-estatais em todos os sistemas educacionais, desde escolas administradas por organizações religiosas, ONGs, organizações filantrópicas e entidades comerciais com fins lucrativos, assim como todos os envolvidos no fornecimento de serviços para o setor de educação. Muitos países permitem que essas escolas, em sua maioria não registradas, funcionem sem qualquer fiscalização.

Ele revela que 41% dos 42 países analisados na América Latina e no Caribe proíbem explicitamente que se lucre com escolas primárias e secundárias, o que iria contra o objetivo de oferecer 12 anos de educação gratuita para todos. O Brasil não é um deles. Metade dois países da região, incluindo o Brasil, não têm regulamentação quanto a procedimentos para admissão de alunos em escolas não-estatais. Somente cinco países na região têm cotas para melhorar o acesso de alunos desfavorecidos à escola. O Brasil não é um deles (assista ao vídeo).

Em consequência, os núcleos familiares nos países menos desenvolvidos gastam parcelas desproporcionais de sua renda para educar os filhos. Núcleos familiares são financeiramente responsáveis por 39% dos gastos com educação em países de renda baixa e média, em contraste com 16% em países de renda alta. No Haiti, os núcleos familiares arcam com 81% dos gastos com educação; enquanto no Brasil, a parcela é de 28%. Núcleos familiares com crianças ou jovens em escolas particulares perfaziam cerca de 80% dos gastos com educação em Guatemala, 70% em El Salvador e 50% na Colômbia.

Apesar do encargo financeiro nos núcleos familiares, até o momento em que este texto foi escrito, o Brasil ainda não tinha um teto de gastos com puericultura e nem regulamentação de mensalidades de educação primária e secundária, como ocorre em cerca de dois terços dos países da região. No Brasil, o custo de empréstimos para um sistema terciário de educação altamente privatizado também está deixando muitos alunos endividados, com alto nível de inadimplência. Mais de 40% dos contratos de empréstimos estudantis no país, na fase de amortização, estavam com pelo menos três meses de atraso, o suficiente para prejudicar a reputação de crédito dos mutuários.

O gasto com aulas particulares é um dos itens mais pesados dos orçamentos familiares para educação, e aumenta em muitos países, além de exacerbar a desigualdade. No entanto, só cinco países da região (Bahamas, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Cayman, Haiti e Venezuela) regulamentam as aulas de reforço particulares. O Relatório alerta para o fato de que essas práticas podem excluir os mais pobres. Enquanto os núcleos familiares entre os 20% mais pobres não gastam praticamente nada com educação na Argentina e em Costa Rica, os 20% mais ricos gastam entre 0,5% e 1,7% do PIB.

O Relatório, cujo título é Quem escolhe? Quem perde? demonstra que, ao mesmo tempo, a educação pública em países de baixa renda acarreta gastos ocultos consideráveis. Uma análise de 15 países de baixa e média renda, incluindo quatro da América Latina, mostra, por exemplo, que uniformes e materiais escolares perfaziam quase dois quintos do orçamento para educação dos núcleos familiares.

Isso leva 8% das famílias em países de renda baixa e média a fazer empréstimos para pagar para os filhos irem à escola. “Em alguns países como Uganda, Haiti, Quênia e Filipinas, 30% das famílias têm de fazer empréstimos para dar conta dos gastos com a educação dos filhos. O impacto da COVID-19 apertou os orçamentos familiares ainda mais, tornando mensalidades escolares e outros gastos impossíveis de pagar para muitas pessoas”, explica Manos Antoninis, diretor do Relatório Global de Monitoramento da Educação.

“É preciso estabelecer padrões mínimos pelos governos em escolas estatais e não-estatais para garantir que os alunos mais desfavorecidos tenham oportunidades iguais de usufruir dos benefícios de uma educação de qualidade”, diz Audrey Azoulay, diretora-geral da UNESCO. “É necessário estabelecer mecanismos igualitários de financiamento urgentemente. Os que vivem em contextos mais desfavorecidos não deveriam ser penalizados”, ela alerta.

A UNESCO exorta os países a avaliar suas regulamentações e apresenta cinco recomendações para que a igualdade seja colocada no centro de suas ações:

  • Aumentar os esforços para garantir acesso gratuito e subsidiado pelo Estado a um ano de educação pré-primária e 12 anos de primária e secundária para todas as crianças e jovens. Mas um em cada três países dedica menos de 4% do produto interno bruto ou menos de 15% de seu orçamento total para educação – o mínimo acordado internacionalmente.
  • Estabelecer padrões de qualidade que se apliquem a todas as instituições públicas e particulares pois sistemas paralelos com diferentes expectativas, condições materiais e de funcionamento têm um efeito negativo na construção de um sistema de educação coerente para todos os estudantes.
  • Fortalecer a capacidade do governo de monitorar e aplicar as regulamentações. Na prática, muitas regras são mal elaboradas ou frouxamente implementadas, deixando as portas abertas para desvios. OS governos têm de construir um relacionamento de confiança com provedores não-estatais, encorajando-os a fazer matrículas, eliminando a arbitrariedade nas regras e comunicando os incentivos corretos para que administrem suas escolas de forma efetiva, que beneficie os estudantes.
  • Incentivar as inovações em prol do bem comum e reunir todos os atores que as desenvolvem. Os governos deveriam trabalhar em parceria com todos os atores para aprender, compilar e avaliar boas práticas, oferecer recursos permitindo que os praticantes troquem experiências, e testar e escalar boas ideias.
  • Proteger a educação de interesses particulares e restritivos. Manter a transparência e a integridade da educação pública ajuda a proteger os estudantes mais desfavorecidos.