3 em cada 10 acusadas grávidas ainda são presas, mesmo contra decisão do STF

3 em cada 10 acusadas grávidas ainda são presas, mesmo contra decisão do STF

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Um diagnóstico elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra redução da proporção de mulheres gestantes privadas de liberdade no Brasil nos últimos anos, passando de quase 2%, em 2009, para cerca de 0,5%, em 2020.

Apesar disso, há recorrências consideráveis no aprisionamento de gestantes, mesmo após a implementação de dispositivos legais que visam ao desencarceramento de mulheres nessas condições.

Em 2020, uma decisão da segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a necessidade de aplicar a prisão domiciliar a todas as gestantes e mães de crianças menores de 12 anos presas preventivamente.

Segundo o relatório de PNUD e CNJ, enquanto em 2016 o percentual de decisões por encarceramento para mulheres gestantes e não gestantes nas audiências de custódia era praticamente equivalente, de 49,5% e 49,6%, respectivamente, essa proporção passou em 2020 para 31,6% e 42,4%, respectivamente.

Mesmo assim, o documento considerou tal redução insuficiente. “Em que pese essas diferenças, as mulheres gestantes deveriam permanecer em aprisionamento somente em casos excepcionais, diferentemente do que indicam os quantitativos apresentados no relatório”, afirma o diagnóstico.

“Especialistas recomendam que a vivência da primeira infância (zero a 6 anos) se dê em condições e ambientes saudáveis, o que certamente se diferencia do observado em instituições como as penitenciárias e as unidades de internação”, diz.

“Ante essa realidade, a presente pesquisa se dedicou a compreender as ocorrências e algumas implicações da privação de liberdade de mulheres e adolescentes grávidas e mães de crianças de até 6 anos de idade.”

Redução – Estar grávida no momento da audiência de custódia e não ter antecedentes criminais reduziu em 62,2% a chance de a decisão ser encarceramento, quando comparada à de mulheres não grávidas que também não tinham antecedentes criminais. Mas, em casos em que há gravidez e antecedentes criminais, a diminuição da chance de encarceramento é substancialmente menor: 29,6%.

“Apesar da menor chance de uma mulher grávida ser encarcerada, o que pode ser considerado um avanço, essa definição demonstra ser perpassada por um viés de maior punição àquelas que não são primárias no sistema, independentemente da sua condição de gravidez”, afirma o documento, lembrando que isso está em desacordo com as normativas legais vigentes.

No sistema prisional, 24,4% das unidades informaram não ter condições de oferecer pré-natal para gestantes. Além disso, 44% das unidades penitenciárias que abrigavam gestantes ou lactantes no momento da pesquisa informaram não permitir a permanência das crianças com as mães por falta de infraestrutura ou outro motivo.

Conclusões – O relatório conclui que há avanços e desafios para garantir a proteção dos direitos de gestantes, mães e crianças na primeira infância que têm suas vidas atravessadas pela privação de liberdade no Brasil.

Entre os avanços, o documento lembra que o percentual relativo de mulheres gestantes privadas de liberdade apresentou uma tendência de diminuição ao longo dos anos, embora existam indícios de que esses dados sejam subnotificados.

Além disso, as análises indicam que, no caso de mulheres com tipo penal relacionado à Lei de Drogas, as gestantes têm mais chances de ter como desfecho das audiências de custódia o não encarceramento.

Contudo, o relatório conclui que o atual cenário não se configura como ideal, e diversos desafios sobre o tema persistem. Entre eles, a insuficiência de dados sobre gestantes, lactantes e mães em privação de liberdade, sobretudo no que diz respeito às adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas.

Há ainda um crescimento do número de unidades que não reportam as informações sobre número de gestantes, lactantes e crianças nas unidades nos levantamentos do Departamento Penitenciário Nacional (Depen); e mais de um terço das mulheres gestantes permanecem encarceradas após as audiências de custódia; as mulheres encarceradas têm um perfil ainda mais vulnerável entre as mulheres registradas no CadÚnico, que abrange exclusivamente público de baixa renda.

O documento conclui ainda que muitas mulheres gestantes e mães apresentam tempos de pena elevados, que comprometem a convivência com os (as) filhos (as). Além disso, as condições das unidades penitenciárias apresentam-se inadequadas para a segurança, a saúde e o bem-estar de gestantes, lactantes e crianças, sobretudo em unidades mistas.

Outro desafio é o fato de muitas mulheres terem restringido o direito de convivência com os (as) filhos (as), quando há unidades que não permitem a permanência do (a) recém-nascido (a) nem sequer pelo tempo mínimo estabelecido em lei (seis meses).

Recomendações – Diante dos resultados, o relatório faz uma série de recomendações a diferentes setores do poder público e da sociedade civil, com vistas a fortalecer a proteção integral de crianças na primeira infância cujas mães estiveram ou estão em privação de liberdade.

Para o Poder Judiciário, o relatório recomenda substituir, sempre que possível, a prisão preventiva pela domiciliar às gestantes e mulheres com filhos(as) de até 12 anos, especialmente gestantes e com filhos (as) na primeira infância, em acordo com os procedimentos e as diretrizes da Resolução n. 369/2021 do CNJ.

No caso excepcional de pena em regime fechado, o documento orienta favorecer o seu cumprimento em unidades femininas, com condições estruturais adequadas a esse segmento e, preferencialmente, próximas de suas residências de origem.

Outra recomendação é qualificar os protocolos e produzir um manual técnico a respeito dos procedimentos de, quando necessário, separação da mãe e da criança, nos casos em que a mulher ou adolescente permanecer em regime fechado, ampliando o acompanhamento do sistema de justiça, quando da entrega da criança a familiares.

Clique aqui para ler o relatório completo.

Sobre o diagnóstico – Executado no âmbito do acordo de cooperação técnica internacional entre o CNJ e o PNUD, o diagnóstico analisa a situação do sistema de atendimento às crianças na primeira infância em todo Sistema de Justiça brasileiro.

O relatório eixo 1, detalhado nesta reportagem, investigou a situação de meninas e mulheres gestantes ou mães de crianças na primeira infância em contextos de privação de liberdade por meio de um denso diagnóstico com abordagem quantitativa e qualitativa de análise de dados.

O estudo foi produzido como um dos eixos do “Diagnóstico da Situação de Atenção à Primeira Infância no Sistema de Justiça”, que se configura com uma das ações acordadas pelo Pacto Nacional pela Primeira Infância.

Outros relatórios da série abordam os seguintes temas:

Relatório eixo 2Apresenta resultados que permeiam a proteção das crianças em situações de dissolução conjugal de seus responsáveis, especificamente no que diz respeito a processos de ações para fixação de prestação alimentícia, alienação parental e abandono afetivo, guarda e reconhecimento de paternidade.

Relatório eixo 3Caracteriza a ocorrência da destituição do poder familiar e da adoção de crianças na primeira infância por meio de um denso diagnóstico com abordagem quantitativa e qualitativa de análise de dados.

Relatório eixo 4 Buscou caracterizar a conjuntura do acolhimento de crianças na primeira infância no Brasil, com foco em algumas condições estruturais e de gestão dos serviços e de perfil das crianças. O estudo abordou unidades de acolhimento institucional e serviços de família acolhedora e foi desenvolvido com abordagem quantitativa e qualitativa.

Relatório eixo 5Teve como objetivo caracterizar a atuação das varas competência em infância e juventude do país em casos que envolvem crianças na primeira infância. De maneira específica, a pesquisa buscou identificar possíveis diferenças entre as varas exclusivas no tema e aquelas que cumulam outras matérias.

Fonte: ONU Brasil