Avanços nos direitos das meninas foram ‘lentos, frágeis e desiguais’ nos últimos 10 anos

Avanços nos direitos das meninas foram ‘lentos, frágeis e desiguais’ nos últimos 10 anos

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A Plan International celebrou os 10 anos do Dia da Menina com o lançamento de um estudo que analisa os avanços obtidos de 2012 para cá e os desafios que ainda permanecem na vida das meninas. O relatório identifica que uma combinação de fatores atrasou profundamente o progresso nos direitos das meninas. Entre esses fatores estão a pandemia de Covid-19, a crise climática e a ascensão ao poder de governos conservadores em muitas partes do mundo, o que inclui o Brasil. Embora a comemoração do Dia da Menina tenha aumentado consideravelmente as discussões sobre os problemas que afetam as meninas e contribuído para a conscientização sobre a necessidade de se conhecer as circunstâncias em que elas vivem, há muito mais a fazer.

Há melhorias em alguns dos principais indicadores de igualdade de gênero, como a educação e a mortalidade infantil. Mas o crescimento da população jovem significa que mais meninas estão vulneráveis ao desrespeito sobre seus direitos – amplamente garantidos por leis internacionais – do que em 2012.

Dos 144 países que se comprometeram com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, que incluem 98% das meninas e mulheres do mundo, nenhum alcançou a igualdade de gênero. Desde 2020, mais de 3 bilhões de meninas e mulheres ainda vivem em países com pontuações consideradas como “ruim” ou “muito ruim” no Índice de Gênero dos ODS.

“Toda menina deveria crescer exercendo os direitos garantidos em tratados internacionais e em leis de direitos humanos, como frequentar a escola e ser legalmente protegida contra o casamento infantil. No entanto, em 2022, meninas em todo o mundo ainda enfrentam, diariamente, a desigualdade e a exclusão”, afirma Jacqui Gallinetti, diretora de monitoramento, avaliação, pesquisa e aprendizagem da Plan International.

Ela afirma que embora tenha havido algumas conquistas significativas, “o progresso alcançado nos direitos das meninas nos últimos 10 anos foi muito lento, muito frágil e muito desigual. Como resultado, inúmeras meninas em todo o mundo estão diante das mesmas desigualdades que suas mães enfrentaram anos atrás. Em resumo, isso significa que o progresso não foi transformador, e que 2022 se parece com 2012”. Ela ainda acrescenta que o Dia Internacional da Menina é um importante lembrete de quanto trabalho ainda precisa ser feito para alcançar a igualdade de gênero. É preciso ir além do reconhecimento legal dos direitos das meninas, e retomar urgentemente os compromissos com novos e urgentes investimentos para que toda menina tenha chance de prosperar.

De acordo com o estudo, os principais ganhos em igualdade de gênero nos últimos 10 anos incluem:

  • Mais proteções legais contra certas formas de abuso e práticas culturais nocivas, como a criminalização da mutilação genital feminina no Sudão do Sul em abril de 2020 e a proibição do casamento infantil na República Dominicana em novembro do mesmo ano;
  • A redução da mortalidade infantil para 39 mortes por 1.000 nascidos vivos para meninos e 34 para meninas;
  • A paridade de gênero foi amplamente alcançada em matrículas no Ensino Infantil e nos resultados de aprendizagem, e o número de mulheres matriculadas no Ensino Médio aumentou de 72% em 2012 para 76% em 2020;
  • Houve diminuição de 15% na proporção de meninas em situação de casamento infantil, o que significa que a taxa caiu de quase uma a cada quatro para uma a cada cinco (de cerca de 25% para cerca de 20%);
  • Houve diminuição na taxa global de natalidade entre meninas de 15 a 19 anos de 47 para 41,2 nascimentos por 1.000 entre 2012 e 2020.

Mas a mudança tem sido lenta e desigual. As meninas que vivem na pobreza ou em ambientes de conflito, com deficiência ou se identificando como LGBTQIA+ estão menos propensas a se beneficiarem desses ganhos.

Os principais fatores que implicam em um desenvolvimento insuficiente das meninas ao longo de suas vidas incluem:

  • Meninas e mulheres de 15 a 24 anos constituem a maioria dos 267 milhões de jovens em todo o mundo sem estudo e sem trabalho. Em 2019, 42% das jovens mulheres em comparação com 12% dos rapazes eram “sem-sem”;
  • Ainda há 5,5 milhões de meninas em idade escolar fora da escola a mais do que meninos;
  • Nenhuma região do mundo está a caminho de cumprir a meta dos ODS de eliminar o casamento infantil e forçado até 2030;
  • Em 2019, 43% das meninas sexualmente ativas (de 15 a 19 anos) que queriam evitar a gravidez não usavam métodos contraceptivos modernos, levando a 10 milhões de gestações indesejadas e 5,7 milhões de abortos;
  • Enquanto vários países melhoraram a proteção legal do acesso ao aborto seguro, outros, particularmente Nicarágua, Polônia e Estados Unidos, revogaram leis que protegiam esse direito;
  • Houve pouco progresso legal na proteção dos direitos das pessoas LGBTQIA+. Em 2020, 70 países ainda criminalizavam o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo.

O quadro brasileiro

No Brasil, as conquistas de meninas e mulheres ao longo dos últimos 10 anos incluem a mudança na lei do casamento civil, em 2019, impedindo que meninas de 14 e 15 anos se casassem formalmente. Agora, a lei determina que o casamento deve ser apenas a partir dos 18 anos, mas tem uma brecha que ainda dá a pais, mães, responsáveis e à justiça a permissão de autorizar o casamento a partir dos 16. Na prática, sabe-se que o número de uniões informais durante a adolescência é maior que os casamentos formais, o que acentua o problema do casamento infantil.

Ainda nos avanços, o Brasil vem registrando queda nas taxas médias de mortalidade infantil para meninas abaixo dos 5 anos e também na gravidez na adolescência, embora as gestações precoces tenham incidências bastante variáveis dependendo do local. “Em geral, temos taxas muito maiores nas periferias de centros urbanos e em cidade do interior, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste, do que nas grandes capitais”, afirma Flavio Debique, gerente nacional de programas e incidência da Plan International Brasil.

Flavio também aponta que os desafios para as meninas continuam e são bastante complexos. “Nos últimos anos, observamos uma crescente sensação de medo e insegurança, nas limitações para que as meninas pudessem dar suas opiniões e ocupar seus espaços. Recebemos um volume maior de relatos de violência doméstica, abusos, gestações precoces e uniões informais em comunidades onde atuamos no Maranhão e no Piauí”, afirma.

Fonte: Plan International Brasil