Ouvir música pode ajudar a reduzir erros em atividades executadas por crianças com TDAH

Ouvir música pode ajudar a reduzir erros em atividades executadas por crianças com TDAH

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É comum crianças com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) apresentarem dificuldade em atividades que exigem concentração. Estimulá-las com música ajuda ou atrapalha? Com o objetivo de responder à questão, a terapeuta ocupacional Camila Mendes desenvolveu estudo experimental sobre o efeito do estímulo musical na atenção de crianças e adolescentes com TDAH e com desenvolvimento típico. Os resultados foram apresentados como conclusão do seu doutorado no Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina. Trata-se do primeiro estudo brasileiro que avalia especificamente o impacto na atenção nesse grupo.

Apesar de não encontrar efeito em relação à atenção, como era a intenção principal, a pesquisa alcançou achados relevantes para responder às dúvidas dos pais. Os participantes apresentaram menos erros na atividade em que foram avaliados quando estavam ouvindo música e relataram preferir ter esse estímulo. “Não houve efeito direto na questão de alerta, orientação ou conflito. Não houve diferença fazer com ou sem música tanto para meninos com TDAH quanto para os de desenvolvimento típico”, observa Camila Mendes.

“No entanto, eles erraram menos quando executaram uma atividade com música. Por isso, a nossa percepção é de que, talvez, o efeito direto da música não seja especificamente na atenção. Talvez fiquem mais interessados em ir bem naquele ‘jogo’. Assim, acabam errando menos”, comenta a pesquisadora, que acrescenta: “Incluir uma música favorita da criança, desde que sem a letra e com uma valência positiva, que ela goste, pode aumentar a motivação e diminuir a taxa de erros em suas atividades”

Camila Mendes afirma que esses achados também contribuem para a literatura, tendo em vista que mundialmente há apontamentos sobre a relação entre música e atenção, mas de forma controversa e escassa, além da avaliação sobre as especificidades do TDAH ser ainda mais rara. E colaboram também para a base científica do Brasil, ainda carente de estudos sobre essa temática.

Medindo o estímulo do som
Além de terapeuta ocupacional, Camila é musicista. Desde o início da sua vida acadêmica, ela acalentava o desejo de unir as duas áreas, porque acreditava na possibilidade da interseção entre saúde e música. O interesse por TDAH surgiu quando, ainda na graduação, atuava no Ambulatório Borges da Costa do Hospital das Clínicas da UFMG como integrante de equipe que trabalha no diagnóstico e tratamento das crianças com esse transtorno. Foi lá que ela ouviu as dúvidas dos pais sobre deixar ou não os filhos ouvirem música enquanto faziam o dever de casa, já que eles gostavam e pediam, mas havia o temor de que ficassem mais dispersos.

“A intensão foi mostrar o uso da música, não no âmbito da abordagem terapêutica, como a musicoterapia, ou dentro da educação musical, mas, sim, como uma estratégia diária que pudesse ajudar as crianças”, pontua a pesquisadora. Além disso, ela prossegue, não podia ser qualquer som como o ruído branco ou rosa, apontados por algumas pesquisas como benéficos à concentração. “A trilha escolhida era conhecida pelas pessoas, era preciso ter uma relação, um envolvimento emocional, já que isso tende a ser um elemento motivador”, argumenta Camila. Ela acrescenta: “Segundo a literatura, geralmente há resultado quando as músicas são conhecidas e instrumentais. Por isso, a voz foi retirada e chegamos ao formato de um estímulo musical de forma passiva, apenas com o instrumental e escutado com fone de ouvido que barrava ruídos externos”, completa.

De acordo com pesquisadora, a opção foi feita com base em entrevista prévia com as próprias crianças com e sem TDAH. “Antes de fazerem o teste, eu ainda mostrei as músicas e perguntei se eles gostavam, se conheciam, se sentiam mais felizes ou mais tristes”, relata Camila.

Reunindo cinco músicas eletrônicas ou de jogos, o teste foi feito individualmente, alguns no Ambulatório e outros na casa das crianças e adolescentes, com duração de até 15 minutos. No computador, a criança realizou o teste de atenção ora ouvindo o som, ora não. “Era uma tarefa específica que exigia concentração. Ela tinha que apontar a direção do peixe na tela. Às vezes, isso poderia ser dificultado com variações, como aparecer com mais peixes, em direções opostas, ter pistas ou não de onde estaria. E as respostas eram dadas pelo controle semelhante ao de videogame”, explica Camila. “Assim foi possível avaliar três habilidades da atenção: alerta, orientação e o conflito, a partir da comparação do resultado da atividade, para verificar se melhorou ou piorou o desempenho ouvindo ou não a música”, diz ela.

O estudo reuniu 76 meninos de 10 a 12. Trinta e quatro com TDAH, acompanhados no Ambulatório Borges da Costa, e 42 sem o diagnóstico do transtorno. Eles foram pareados em idade, sexo e nível socioeconômico (classe baixa e média). Segundo Camila, foi montado um grupo apenas de crianças do sexo masculino por causa da maior prevalência da TDAH entre elas.

Sem generalizar
De acordo com Camila, há indícios de que a música motiva as crianças, incluindo aquelas sem TDAH. “Ainda não se pode generalizar e afirmar que ouvir música ajuda a melhorar o desempenho de quem faz o dever de casa, já que aplicamos um teste específico de atenção e em ambiente controlado. É necessário testar com outras atividades e em outros ambientes”, ressalta. “A música atua em várias áreas em nosso cérebro; talvez tenha havido ativações maiores de áreas mais relacionadas à motivação e emoções”, supõe a doutora.

“Indiretamente entendemos que o estímulo musical pode ser um caminho. Então deve haver um desdobramento dessa pesquisa para avaliar como isso ocorre com atividades do dia a dia, com o dever de casa, uma prova de matemática ou tarefa específica, em casa ou em um ambiente escolar”, exemplifica a autora da tese.

TeseEstudo experimental sobre o efeito do estímulo musical na atenção de crianças e adolescentes com TDAH e com desenvolvimento típico
Programa: Pós-Graduação em Ciências da Saúde – Saúde da Criança e Adolescente
Autora: Camila Guimarães Mendes
Orientadora: Débora Marques de Miranda
Data de Defesa: 5 de agosto de 2022

Fonte: UFMG