Alma Preta lança manual de redação antirracista
A Alma Preta, agência que cobre a temática racial no Brasil e no mundo, lançou seu primeiro manual de redação antirracista, uma criação coletiva com a participação de oito pessoas, entre acadêmicos, pesquisadores e jornalistas. Foram três anos de estudos, debates e coleta de dados que apontam caminhos para superar a branquitude da cobertura e dos veículos, recuperando também quase dois séculos de imprensa negra no Brasil.
O “Manual de Redação: o jornalismo antirracista a partir da experiência da Alma Preta” foi apresentado na quarta-feira passada (10.ago.2023), na sede do Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação no Estado de São Paulo. O site, fundado em 2015, deve divulgar em breve como o livro pode ser comprado.
Pedro Borges, editor-chefe da Alma Preta, destaca que, além da construção coletiva, a primeira edição “não é um manual de redação com dicas para você não ser racista escrevendo matérias”.
“É óbvio que você entrar de cabeça neste manual tem uma série de colocações, sinalizações que nós fazemos, aquela palavra que a Alma Preta não utiliza e uma explicação do porquê a gente não usa, mas acho que isso é muito pouco para olhar para o nosso manual. É um manual que conseguiu casar, para além da dimensão política e ética, critérios de noticiabilidade, cuidados de segurança para um jornalista preto cobrir manifestações e recomendações técnicas para coberturas específicas, como saúde e segurança pública [… ] Ele pode servir para aqueles que lutam por um jornalismo que sirva como uma ferramenta de transformação social”, explicou.
Fernanda Rosário, co-autora do manual, lembrou que foi um processo de descoberta ao ter acesso à imprensa preta a partir de leituras sugeridas pelos dois coordenadores do projeto: Ana Flávia Magalhães Pinto, que além de presidir o Arquivo Nacional é professora da Universidade de Brasília, e o jornalista Juarez Xavier, professor e vice-diretor da Faculdade de Artes, Arquitetura e Comunicação (FAAC) da UNESP.
“Foi um processo que eu não tive na faculdade, de aprendizado, de como essa luta da população negra através da palavra, da escrita e como poderíamos homenagear esta escrita dentro do manual”, disse Rosário durante a cerimônia de lançamento.
O livro traz sessões como historia da imprensa, ética, técnicas e estratégias de não reproduzir “a violência ao longo de vários temas que o jornalismo pode abordar, não só apenas discriminação, preconceito e racismo, mas em todos os temas que atingem a vida da população negra, quando a gente vai falar sobre saúde, cultura, meio ambiente”, explicou Rosário. “A expectativa é que o manual circule em faculdades de jornalismo e que as pessoas possam aprender o que não tivemos oportunidade”.
Natália Santos, que divide a co-autoria, explicou que a ideia do manual surgiu no começo da pandemia de Covid-19, em 2020. E que houve um processo de construção coletiva e de escuta, com mais de 30 entrevistas, entre especialistas, pesquisadores, jornalistas, além de avaliações conjuntas do material. O projeto teve a participação de Victor Moura, Jéssica Rosa, Marcelo Vinicius e Rosane Ramos.
Para saber mais sobre a publicação envie uma mensagem para o email projetos@almapreta.com.br.
Outras publicações importantes
O manual se insere em um contexto de grupos e publicações que se fortaleceram para combater o racismo no jornalismo – seja na branquitude nas redações ou na escolha de fontes. Uma das pessoas ouvidas pela Alma Preta foi Márcia Cruz, doutora em Ciência Política, coordenadora do Núcleo de Diversidade nos Diários Associados, em Belo Horizonte, e integrante do Coletivo Lena Santos.
O grupo lançou, durante o Congresso da Abraji de 2022, a cartilha “Herdeiros e herdeiras de Luiz Gama – guia por jornalismos antirracista”, escrita por jornalistas negros e negras que atuam em redações, assessorias, na academia e na imprensa negra.
“O guia nasceu do diagnóstico de que é necessária uma reflexão profunda sobre a prática jornalística. Pretende ser um material de referência que desperte os profissionais para uma postura de avaliação constante do fazer jornalístico, alinhada à luta antirracista”, afirma Márcia Cruz. Os contatos podem ser feitos pelo Instagram do Lena Santos.
Outro guia importante foi produzido de maneira colaborativa pela Énois, um “laboratório que trabalha para impulsionar diversidade, representatividade e inclusão no jornalismo brasileiro”. O Manual de Diversidade no Jornalismo foi pensado como um farol para orientar redações e faculdades a olhar, com atenção, para o tema. “O objetivo é ajudar a imprensa a refletir a diversidade de condições sociais e econômicas – e, portanto, de pontos de vista – que compõem o país. E fazer um jornalismo que respeita e se constrói a partir dessa complexidade”, informa o texto do site.
Há mais de 20 anos, a Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira), instalada dentro do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, do Rio de Janeiro e de outras cidades, também produz debates e materiais.
Para quem pesquisa o tema, um documento produzido pelo Portal dos Jornalistas, o Instituto CORDA e o I’MAX traçou um perfil racial da imprensa, com números que traduzem o racismo na comunicação: apenas 20,10% dos jornalistas das redações brasileiras declaram-se pretos e pardos (negros), número quase dois terços menor do que a efetiva representação da população negra do Brasil, que é de 56,20%.
Nos Estados Unidos, a National Association of Black Journalists (NABJ) mantém um canal permanente de denúncias contra o racismo e produz uma base de dados sobre os profissionais que buscam ocupar espaços.
O Reuters Institute, ancorado em Oxford, no Reino Unido, também produz relatórios constantes da ausência de pretos e pardos não apenas nas redações, mas, principalmente, na liderança das organizações jornalísticas.
As últimas 10 edições do Congresso da Abraji também incorporaram o tema do racismo à programação. Na última, em junho passado, o assunto foi debatido por três convidados internacionais e foi tema central em ao menos quatro sessões da programação nacional.
Fonte: Abraji
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