UNICEF alerta para os riscos do Marco Temporal
Proposta fere direitos de crianças, adolescentes e jovens indígenas e significa um retrocesso para o País
O UNICEF alerta para a urgência de proteger os direitos de crianças, adolescentes e jovens indígenas. A Câmara dos Deputados aprovou, em maio desde ano, o Projeto de Lei 490/2007 (PL do Marco Temporal), que ameaça a proteção dos povos indígenas e o direito ao seu território, impactando o presente, o futuro e a sobrevivência de meninos e meninas indígenas.
Agora tramitando no Senado como PL 2.903/2023, o PL do Marco Temporal propõe alteração na política de demarcação de terras indígenas no Brasil, determinando que somente terras já ocupadas por indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, poderão ser reconhecidas como tradicionalmente ocupada pelos indígenas, e, portanto, demarcadas.
Está previsto para esta quarta-feira, 30 de agosto, no Supremo Tribunal Federal, o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, que avalia se essa interpretação condiz ou não com o artigo 231 da Constituição Federal, que garante aos povos indígenas o direito de ter respeitadas suas características particulares quanto à organização social, costumes, crenças, valores e tradições.
Essa flexibilização dos “direitos originários sobre as terras que [os indígenas] tradicionalmente ocupam” cria riscos para a “organização social, costumes, línguas, crenças e tradições”, reconhecidos pela Constituição brasileira como direitos dos povos indígenas. As violações do acesso à terra e ao território podem gerar conflitos territoriais, expulsões, retirada forçada e migrações, que afetam principalmente crianças e adolescentes. Sob perspectiva dos direitos de meninos e meninas, a proposta fere princípios estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que garante a cada criança e adolescente o acesso a uma moradia adequada, onde possam viver com segurança, paz e dignidade e se desenvolver de forma integral – da infância à idade adulta.
A tese ignora também Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas que diz:
Art. 8
- Os povos e pessoas indígenas têm direito a não sofrer assimilação forçada ou a destruição de sua cultura.
- Os Estados estabelecerão mecanismos eficazes para a prevenção e a reparação de:
- a) Todo ato que tenha por objetivo ou consequência privar os povos e as pessoas indígenas de sua integridade como povos distintos, ou de seus valores culturais ou de sua identidade étnica.
- b) Todo ato que tenha por objetivo ou consequência subtrair-lhes suas terras, territórios ou recursos.
- c) Toda forma de transferência forçada de população que tenha por objetivo ou consequência a violação ou a diminuição de qualquer dos seus direitos.
- d) Toda forma de assimilação ou integração forçadas.
- e) Toda forma de propaganda que tenha por finalidade promover ou incitar a discriminação racial ou étnica dirigida contra eles.
Art. 25
Os povos indígenas têm o direito de manter e de fortalecer sua própria relação espiritual com as terras, territórios, águas, mares costeiros e outros recursos que tradicionalmente possuam ou ocupem e utilizem, e de assumir as responsabilidades que a esse respeito incorrem em relação às gerações futuras.
Art. 26
- Os povos indígenas têm direito às terras, territórios e recursos que possuem e ocupam tradicionalmente ou que tenham de outra forma utilizado ou adquirido.
- Os povos indígenas têm o direito de possuir, utilizar, desenvolver e controlar as terras, territórios e recursos que possuem em razão da propriedade tradicional ou de outra forma tradicional de ocupação ou de utilização, assim como aqueles que de outra forma tenham adquirido.
- Os Estados assegurarão reconhecimento e proteção jurídicos a essas terras, territórios e recursos. Tal reconhecimento respeitará adequadamente os costumes, as tradições e os regimes de posse da terra dos povos indígenas a que se refiram.
O texto também vai contra o artigo 14 da Convenção 169 da OIT que diz:
- Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá ser dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos agricultores itinerantes.
Atento aos debates sobre a PL e ao cenário da iminência de violação dos direitos de crianças, adolescentes e jovens indígenas, o UNICEF vê uma possível aprovação da PL como um retrocesso e se posiciona contra o Marco Temporal.
O País deve atuar de forma a assegurar os direitos de crianças, adolescentes e jovens indígenas. E isso inclui o entendimento de que a garantia à terra e ao território é de suma importância para a preservação da identidade, tradições e cultura de um povo e fundamental para o desenvolvimento social e coletivo de meninos e meninas indígenas.
Fonte: Unicef Brasil
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