Crise climática global põe Amazônia em alerta para riscos de desastres
Crise climática global – Populações ribeirinhas, comunidades indígenas e outros habitantes de regiões remotas do Brasil, em especial da região amazônica, correm riscos de sofrer consequências dos eventos climáticos extremos e das ondas de calor vivenciados em todo o mundo, em 2023. Problemas como desabastecimento de alimentos por causa da dificuldade de logística com transporte por conta das secas dos rios são inevitáveis, de acordo com especialistas ouvidos pela REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA.
As duas metrópoles da Amazônia – Manaus e Belém – figuram no topo entre as cidades que mais “vão ferver até 2050”. O Brasil assistiu, na última semana de inverno, a temperaturas ultrapassando os 40ºC na maior parte do País. Tais picos de calor, segundo os especialistas, devem se tornar cada vez mais comum em um futuro próximo.
A capital do Estado do Pará terá quase sete meses de temperaturas extremas até 2050. Já a capital amazonense tem o maior valor absoluto entre as capitais brasileiras: 258 dias, o equivalente a quase nove meses. O estudo não possui uma lista em ranking das cidades, embora permita a consulta a diversos centros urbanos com grande população.
Constatada a crise climática mundial, diante do estabelecimento do El Niño em 2023, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), produziu uma nota técnica com informações atualizadas sobre a evolução e os potenciais impactos decorrentes do fenômeno 20023-2024, em especial, no contexto das cidades, dos reservatórios para geração de energia e/ou para abastecimento humano, da saúde pública, da agricultura e do risco de incêndios. Há, ainda, sugestões de ações de prevenção e preparação aos desastres.
Entre os efeitos conhecidos do El Niño, nos padrões regionais do clima no Brasil, estão incluídos desde secas nas regiões Norte e Nordeste do País até chuvas excessivas na região Sul. O documento explica que as secas aumentam as chances de quebras de safras agrícolas e redução dos níveis dos reservatórios hídricos, bem como impactos na geração de energia elétrica e nas condições de navegação fluvial, além de potenciais riscos aos ecossistemas.
Em meio ao que convencionou chamar de consenso científico, já que é evidente e declarado pela Organização das Nações Unidas (ONU) a falta de controle em relação às mudanças climáticas, o climatologista e coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden, José Antônio Marengo, chama a atenção da sociedade para os grandes impactos econômicos, sociais e também de migração relacionados às tormentas que a região amazônica pode sofrer, com destaque para Manaus, sobretudo porque os rios são as rodovias e fenômenos como secas e inundações podem causar prejuízos incalculáveis à população.
“Temos observado que a frequência de inundações em Manaus tem aumentado na última década. Agora está chovendo menos na estação seca, demora mais para chover. Temos poucos anos de registro meteorológico em Manaus e usamos mais os dados do Rio Negro, vemos as grandes secas. Com o Atlântico Norte mais quente agora, possivelmente deverá ser um ano quente e seco na região de Manaus. O El Niño favorece as altas temperaturas e consequentemente as secas, aumentando o risco de fogo e diminuição dos níveis dos rios”, explica Marengo.
Com os acontecimentos recentes devido às alterações climáticas, o especialista destaca a preocupação com o comprometido do transporte, a impossibilidade de entrada dos navios turísticos e até mesmo a necessidade de os alimentos serem levados de helicóptero para as regiões mais remotas, já que não existem estradas ou ferrovias.
“Então há um prejuízo econômico muito grande. E durante a La Niña tende a acontecer o oposto, já que temos as inundações que podem afetar e chegar à cidade de Manaus, causando grandes transtornos à população, especialmente a ribeirinha, que depende da água para sobreviver. Quando o nível do rio sobe, eles são afetados. Quando está muito baixo também são afetados”, observa.
Savanização da Amazônia
Para Marengo, as ondas de calor por si só, em Manaus, não seria algo que afetaria tanto outras regiões de temperaturas predominantemente mais amenas. Porém, alerta para a combinação das ondas de calor com a seca, aumentando assim o risco de incêndio nas florestas mais próximas à cidade.
“Isso seria algo bastante grave. Neste caso, o que se propõe é a mitigação, que seria basicamente a redução do desmatamento. As árvores ajudam a absorver CO2 da atmosfera e CO2 é um gás de efeito estufa. Portanto, as árvores ajudam limpar a atmosfera. Se tem muito CO2 e não tem árvore, começa a complicação. Atualmente, a Amazônia se comporta como sumidouro de carbono, absorve. Mas algumas regiões do leste da Amazônia, mais no leste do Pará, demonstram ter áreas com estação seca mais longa e início tardio das chuvas. Então, nesses locais, já está sendo liberado CO2. Estão, se comportando como fonte de CO2“, explica.
Por conta dessa situação, segundo o climatologista, existe o medo daquelas hipóteses de savanização da Amazônia, que seria um ponto “de não retorno”, no qual o colapso de fato aconteceria, mudando o clima e tornando algo quase impossível de reverter.
“Precisamos proteger o recurso ‘água’, a bioeconomia, para que possamos tirar algum proveito da mudança climática. Estamos falando de adaptação e mitigação, partes integrantes do Acordo de Paris para redução dos gases de efeito estufa nos países e todos os países que possuem floresta, incluindo o Brasil, devem estar comprometidos em reduzir essa emissão”, ressalta.
Transformação em Cerrado
A respeito do risco de colapso completo do principal bioma da região, que é a floresta amazônica, o climatologista e ambientalista Alexandre Costa endossa as palavras de Marengo, quando fala das consequências da seca, como perdas de vegetação, a substituição por uma floresta mais do tipo sazonal como a do Cerrado ou mesmo a savana venezuelana.
“Um efeito que a mudança nos extremos e na temperatura média pode ter, é a tendência ao colapso de partes da floresta cuja existência depende da condição atual em que floresta e chuva favorecem uma a outra. É um risco completo”, enfatiza.
Alexandre Costa explica que o risco se dá pelo fato de a Amazônia ter um estoque de carbono no solo de sua vegetação, que, sendo transformado em CO2 , é capaz de produzir algo da ordem de 400 bilhões de toneladas de CO2 , o que equivale, segundo Costa, a cerca de dez anos das emissões de gases de efeito estufa globais.
“Isso, portanto, é uma quantidade tão grande de carbono na atmosfera, que nos colocaria acima do limite total de opções para ultrapassar a barreira, o limite seguro de um grau e meio e nos aproximar de um outro patamar de risco, que seria o de dois graus Celsius”, alerta.
Queima de combustíveis e desmatamento
No que diz respeito às mudanças do clima atuais, Alexandre Costa ressalta que, em princípio, qualquer fator que possa modificar o balanço de energia na escala do planeta seria capaz de produzir alterações no clima. Porém, o especialista deixa claro o consenso científico de que não há nenhuma dúvida quanto à principal força motriz de tais mudanças: a intensidade de efeito estufa, hoje muito maior do que nos tempos pré-industriais.
“Esse processo está associado à acumulação de gases de efeito estufa na atmosfera, por emissões humanas, e aí a gente inclui em especial o CO2 , o dióxido de carbono produzido pela queima de combustíveis fósseis e desmatamento, além de outros gases como metano, cujas fontes principais são a agropecuária, especialmente a criação de rebanhos de animais ruminantes, as operações de petróleo e gás e a decomposição de resíduos“, explana.
Para Costa, é importante ter em mente que os ecossistemas da região amazônica são particularmente sensíveis à mudança do clima. “Nós estamos falando da principal floresta tropical do planeta, fundamental para a reciclagem de umidade na escala do continente sul-americano, mas que é uma vegetação obviamente adaptada ao clima estabelecido, principalmente nos últimos 11.700 anos, o clima da época geológica que chamamos de holoceno”, sublinha.
Caminho está nas fontes sustentáveis
É consenso entre os entrevistados que a saída possível se dá pela redução do uso dos derivados de petróleo e a adesão cada vez maior às energias sustentáveis, além de se ter um consumo mais inteligente, de modo a pressionar cada vez menos os recursos naturais. É o que traz o coordenador-geral de Ciências da Terra do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Gilvan Sampaio, em consonância com os demais especialistas ouvidos pela Cenarium.
“A sociedade de consumo que nós vemos hoje tem um uso exacerbado dos recursos naturais. É essa mudança de comportamento que deve acontecer. Ou seja, um consumo dos recursos naturais de maneira mais inteligente”, pondera.
Para Sampaio, a colaboração internacional é essencial para que se promova uma descarbonização da economia, em um acordo de utilizar cada vez menos as fontes associadas a combustíveis de origem fóssil e usar cada vez mais as fontes renováveis.
“Essa é a principal tarefa das colaborações internacionais”, destacou, ao comentar a declaração do secretário-geral Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, de que as mudanças climáticas estão fora de controle e o adiamento de medidas cruciais de proteção ao meio ambiente levará o planeta a um ponto catastrófico.
Na avaliação de José Antonio Marengo, o Acordo de Paris tentou evitar a crise em curso, mas teve as ações interrompidas pela pandemia. “Veio a pandemia e os governos esqueceram da parte ambiental, algo que é fácil de entender, porém, o que fizermos agora para tentar reverter, só veremos os resultados nas próximas décadas”, opinou.
Para o climatologista Alexandre Costa, é necessário “estancar de vez o problema” e zerar o desmatamento. Na opinião do especialista, é necessário produzir o reflorestamento, reorganizar a produção de alimentos, trabalhar a agropecuária de uma perspectiva agroecológica, além de reorientar o sistema de energia, incluindo os transportes, de modo a abolir os combustíveis fósseis.
“Precisamos abandonar o uso de carvão, petróleo e gás, mudando totalmente a nossa matriz energética para algo 100% renovável e usado de uma maneira bem mais racional, no sentido de produzir bens e serviços que sejam necessários para a população e que lhes confira dignidade, ao invés de impulsionar esse consumismo desvairado por parte dos mais ricos”, criticou.
Em termos de ações para frear e controlar a situação dos eventos climáticos, os três especialistas ouvidos pela REVISTA CENARIUM foram unânimes ao falar da mitigação, ou seja, do que precisa ser efeito para evitar que o problema cresça ainda mais. “São políticas de adaptação que venham tornar as cidades mais resilientes e menos vulneráveis às cheias. Isso significa recuperar matas ciliares, protegendo os rios e na zona costeira os manguezais, por exemplo”, disse Costa, respaldado pelos demais.
Conforme informou o climatologista José Antônio Marengo, os desastres climáticos a que o mundo assiste agora, era uma projeção do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas para as próximas décadas. “Estamos vendo algo que não seria para agora. E claro que isso afeta todas as cidades, incluindo Manaus. A tendência para as ondas de calor é uma realidade”, ressaltou.
Migração
A migração ambiental, que parecia ser uma realidade distante, principalmente para os brasileiros, já é um fato no mundo. Somente entre os anos de 2008 e 2019 os eventos climáticos foram responsáveis por uma média anual de 21,5 milhões de novos deslocamentos. São milhões de vidas afetadas e transformadas para sempre, sem contar as mortes decorrentes das catástrofes no planeta.
Segundo dados do Banco Mundial, até o ano de 2050, há a projeção de 216 milhões sendo forçadas a migrar por conta de eventos climáticos. Os mais afetados serão a África Subsaariana, seguida pelo Leste Asiático, Pacífico e América Latina.
Em 2022, foram 60,9 milhões de deslocamentos, com um recorde de 32,6 milhões, associados a desastres ambientais, de acordo com registro do Global Report on Internal Displacement (Grid).
Estudo internacional sugere resiliência
O relatório mais recente do Climate Crisis Advisory Group (CCAG), lançado na semana passada, traz argumentos de especialistas globais em mudança climática apontando a resiliência climática como princípio orientador em todo o desenvolvimento urbano, dada a exposição extrema das cidades ao risco climático.
A publicação do estudo coincidiu com a semana em que o Brasil enfrentou marcas históricas de temperaturas para o período do inverno, com termômetros acima dos 40 graus na maior parte do País – exceto a região Sul, que vem sofrendo com chuvas e enchentes.
O estudo identificou três vertentes da resiliência climática, bem como as principais áreas de foco dessa resiliência para ambos governos, locais e nacionais, pessoas e meios de subsistência, economia, custos e cadeias de abastecimentos globais. No diz respeito às pessoas, o foco estará nas localizações costeiras das cidades, na migração climática e no aumento da população urbana vulnerável nos países mais pobres.
De acordo com o documento, a maior prioridade das estratégias de resiliência das cidades será no sentido de proteger as pessoas e os meios de subsistência, com envolvimento da comunidade local.
Neste cenário, o custo econômico será superior a tudo o que já se experimentou até agora, com sobrecarga de estruturas existentes.
O estudo enfatiza que aumentar a resiliência e prevenir perdas econômicas deve guiar o planejamento e desenvolvimento urbano em cidades mais ricas. Em terceiro lugar, o foco da resiliência deverá estar nas cadeias de abastecimento globais, cujos pilares são frágeis no momento.
“Diante de eventos climáticos extremos e múltiplos, em várias regiões do globo, será preciso fortalecer essa cadeia para evitar a escassez de produtos e alimentos em todo o mundo”, diz um trecho do documento.
O relatório também aponta que, embora as cidades “antigas” e “novas” enfrentem frequentemente riscos climáticos semelhantes, suas preocupações diferem. As cidades antigas, muitas vezes na Europa ou na América do Norte, visam proteger o que já existe de estrutura, com perdas econômicas e danos como sua principal preocupação. Em contraste, em novos centros urbanos, cuja expansão é mais rápida, em países em desenvolvimento da Ásia, como Dhaka, em Bangladesh, muitas infraestruturas necessárias para a resiliência climática ainda precisam ser construídas. Assim, essas cidades enfrentam desafios mais dinâmicos e difíceis de atravessar.
Neste contexto, as cidades brasileiras também precisam criar suas próprias estratégias de resiliência. “As mudanças climáticas estão intensificando o risco de inundações, secas e deslizamentos de terra, que terão efeitos devastadores em todo o Brasil. De acordo com o Banco Mundial, estes choques poderão levar até 3 milhões de pessoas à pobreza extrema já em 2030. No entanto, o processo de reforço da resiliência climática e de preservação do crescimento econômico deve ser equitativo e justo”, comenta o pesquisador Gustavo Alves Luedemann, membro do CCAG.
A maioria da população mundial vive em cidades – e, apesar de ocupar apenas 2% da superfície mundial, os centros urbanos representam mais de dois terços do consumo global de energia. O relatório argumenta que focar na redução de emissões de gases de efeito estufa nas cidades pode mudar a trajetória das emissões globais e evitar o pior cenário de aumento de temperatura. Ele cita três grandes pontos para chegar a uma cidade resiliente, com baixa emissão de carbono: finanças, coordenação planejamento.
Os especialistas assinalam a existência de uma lacuna atual no financiamento climático que se estima ser superior a 630 mil milhões de dólares por ano. O financiamento privado tem um papel claro a desempenhar na condução da mudança nas cidades para emissões líquidas zero, à medida que provavelmente proporcionará entre 80 a 90% do investimento total na transição nas próximas décadas.
A despeito disso, o documento salienta que a maior parte do investimento privado continua a fluir para ativos com alto teor de carbono. Falhas de regulação e de mercado também fazem com que exista um desalinhamento de interesses entre financiadores, governos e sociedade com relação ao enfrentamento da crise climática. “É preciso reverter esse processo e promover o investimento em cidades habitáveis com emissões líquidas zero”.
Para isso, será preciso uma forte integração entre as múltiplas partes interessadas, com consistência e coerência na formulação de políticas, planos e regulamentos. Essa coordenação, segundo o relatório, está lado a lado com um planejamento de longo prazo, com regulamentos de construção de resiliência climática em cidades e orientações específicas.
O financiamento, o planejamento e a coordenação devem apontar todos na mesma direção: promover o clima resiliência nas cidades, reduzindo as emissões nas construções de prédios e estabelecendo políticas verdes de transporte público e tráfego. “Os governos também devem estabelecer caminhos e códigos obrigatórios para alcançar carbono zero para edifícios novos e antigos o mais rápido possível”, orientam os especialistas.
O relatório faz parte de uma série de análises feitas de forma independente pelo CCAG. O CCAG reúne 15 especialistas do clima de dez países diferentes, com a missão de impactar na tomada de decisão sobre a crise climática.
Fonte: Agência Cenarium
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