8 medidas para impulsionar a justiça climática a partir dos direitos humanos
Justiça climática: publicação recém-lançada pela Conectas demonstra como enfrentar a crise climática levando em conta a garantia de direitos e o combate ao racismo ambiental
A situação é urgente: o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) trouxe recentemente um alerta vermelho sobre a possibilidade do mundo atingir um aumento de temperatura global de 1,5 °C até 2030, o que poderá provocar impactos extremamente negativos à fauna, à flora e às pessoas mais vulneráveis do planeta.
Para que o Brasil possa empreender uma ação climática efetiva, justa e inclusiva, é preciso integrar direitos humanos e socioambientais – guiando-se pela justiça climática, o combate ao racismo ambiental e a garantia da democracia.
Pensando nisso, a Conectas elaborou um plano de ação com oito medidas, propondo caminhos para reajustar a governança climática brasileira e aprofundar a proteção contra violações de direitos. As propostas fazem parte da publicação “Impulsionando a Ação Climática a partir de Direitos Humanos”, lançada pela Conectas em setembro em seminário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e disponível para download gratuitamente. Clique aqui para acessar a versão completa do relatório e aqui, para o sumário executivo.
1- Garantia de participação pública e popular e acesso à informação e educação climática
O país deve criar novos espaços de governança participativa democráticos e representativos em relação ao tema, garantir efetivamente o acesso público a informações de cunho ambiental e promover o fortalecimento dos ministérios e órgãos que atuam diretamente com gestão climática e proteção de direitos humanos.
Nesse momento, há duas medidas urgentes a serem tomadas. A primeira é a ratificação do Acordo de Escazú, firmado em 2018 na Costa Rica, que regulamenta temas socioambientais e reforça o compromisso público e formal de um país com a participação popular efetiva e o acesso à informação em questões ambientais. A segunda é a criação de uma Autoridade Nacional de Segurança Climática que tenha, de um lado, atuação transversal na gestão pública brasileira para fiscalização e disseminação de informação e, de outro, participação pública e popular, especialmente de povos indígenas e tradicionais.
2- Centralização de questões de classe, raça e gênero e enfrentamento ao racismo ambiental
Algumas populações sentem os impactos da crise climática de forma mais aguda, especialmente mulheres, meninas e povos que já estão em situação de vulnerabilidade social, incluindo as pessoas indígenas, negras e de povos e comunidades tradicionais. O que é que tem sido chamado de racismo ambiental? É essa distribuição desigual de ônus e bônus ambientais entre pessoas ou comunidades.
Nos últimos anos, lideranças populares e particularmente mulheres indígenas como Txai Suruí e Alice Pataxó tornaram-se porta-vozes da resposta popular brasileira ao autoritarismo de feições masculinistas e coloniais. É preciso que o governo federal fortaleça e dê respaldo institucional à atuação dessas e outras lideranças, promovendo uma abordagem interseccional das medidas tomadas em relação ao clima.
Além de reconhecer a dimensão de gênero na história colonial e da lógica persistente na crise climática, o Brasil deve promover políticas públicas específicas para as mulheres mais afetadas pelas mudanças climáticas e garantir a participação de mulheres em órgãos como a Autoridade Nacional de Segurança Climática.
3- Garantia de direitos dos povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais
A proteção dos direitos humanos dessas comunidades é de extrema relevância para a ação climática. Nos últimos anos, porém, vimos uma enorme resistência do governo federal anterior em demarcar terras indígenas e tradicionais, junto a um profundo descaso que promoveu violações de direitos esses povos, incluindo possíveis crimes de genocídio. Isso promoveu uma maior degradação ambiental em vários locais, amplificando os danos ao clima e colocando essas populações em perigo continuado e potencialmente irreversível.
Agora, o Brasil deve voltar a implementar as políticas constitucionais de demarcação e gestão ambiental adequada nesses territórios. Além de retomar processos anteriores, o país deve adaptar o suporte institucional às realidades desenvolvidas a partir da ação climática popular direta dos últimos anos, e reforçar a integração da gestão dessas terras com Unidades de Conservação como parte de comitês de uma “gestão-mosaico”.
4- Ampliação da sustentabilidade a partir da garantia de direitos sociais e econômicos
A redução das vulnerabilidades sociais é parte essencial da ação para a adaptação climática: a renda justa, a segurança alimentar, o acesso à saúde, à água e ao trabalho digno ajudam a promover a resiliência climática. E o que é resiliência climática? É a capacidade de se recuperar ou reduzir fragilidades diante de episódios como enchentes e secas extremas.
No Brasil, o governo deve trabalhar para a efetivação de direitos sociais a partir de políticas públicas atentas ao clima, podendo atuar em conjunto com movimentos sociais para garantir segurança e soberania alimentar. Além do incentivo a práticas como hortas urbanas e produção agroflorestal, deve promover a aproximação da agricultura familiar e comunitária com centros urbanos, inclusive a partir de campanhas de comunicação e educação climática e ambiental para consumidores nas cidades.
5- Proteção dos direitos humanos diante de medidas de transição energética verde
As energias renováveis, os meios de transporte eletrificados e as tecnologias de agricultura de baixo carbono devem ser estimulados.. No entanto, os mecanismos, tecnologias e políticas públicas desenvolvidos para a descarbonização devem estar atentos à lógica problemática de distribuição desigual dos ônus e bônus presente no mundo globalizado.
Projetos de energia eólica e solar, por exemplo, podem provocar impactos socioambientais negativos em sua instalação e cadeia produtiva. Apesar de preferível a combustíveis fósseis e hidrelétricas, a maior demanda por energias eólica e solar estimula a demanda por minérios raros, e leva à a mineração e o garimpo, inclusive o ilegal. Por isso, o Estado brasileiro deve negar ativamente o licenciamento ambiental dessas iniciativas quando os impactos negativos são inaceitáveis ou se sobrepõem aos benefícios do projeto.
6- Fortalecimento de mecanismos de responsabilização e de garantia de direitos humanos
Já ouviu falar em litigância climática? Em linhas gerais, são ações judiciais e medidas legais movidas por pessoas ou organizações, ou até mesmo governos, contra empresas, governos e outras entidades cuja atuação contribua com o aquecimento global, emissões excessivas de gases de efeito estufa, destruição de ecossistemas, violando também direitos humanos e fundamentais. Trata-se de um meio para responsabilizar esses atores.
No Brasil, a legislação e a jurisprudência ambiental já incorporam várias medidas importantes e compreendem casos de litigância climática diante de entes privados, que devem ganhar espaço nos próximos anos. Atualmente, a maior parte das ações em curso no país têm se direcionado ao Estado, devido à sua recente omissão na implementação de políticas públicas climáticas.
7- Elaboração de políticas de adaptação e compensação
Apesar de haver consenso internacional pela necessidade de políticas de adaptação às mudanças climáticas, existe uma grande lacuna sobre como implementá-las. Principalmente por que a grande maioria dos fundos de financiamento climático é direcionada à mitigação de danos já concretizados. O próprio Plano Nacional de Adaptação do Brasil, de 2016, está defasado e precisa ser atualizado de modo participativo.
Para os eventos já efetivados, é preciso compensar perdas e danos econômicos e não-econômicos dos indivíduos e comunidades afetadas, incluindo impactos na cultura, moradia, território e saúde. E para evitar e reduzir perdas e danos futuros, devem ser traçados planos que incluam o investimento na resiliência e fortalecimento da gestão de riscos e sistemas de alerta precoce.
8- Proteção de pessoas que atuam como defensoras socioambientais, especificamente com mudanças climáticas
O Brasil é um dos países onde mais defensores socioambientais são atacados e assassinados, especialmente em zonas rurais. Em 2021, 27 ativistas foram mortos em território nacional. Elas e eles se somam a mais de 300 pessoas assassinadas em conflitos pelo uso da terra e de recursos naturais, apenas até 2019 e na Amazônia brasileira, conforme dados da Comissão Pastoral da Terra e da Human Rights Watch Brasil.
Para garantir a ação climática e o respeito aos direitos humanos das pessoas defensoras, o país deve atuar para estabelecer um ambiente seguro para elas. Isso depende da recuperação e fortalecimento institucional, de ações efetivas de fiscalização e da implementação efetiva de políticas públicas de proteção, inclusive através de postura e discurso que deem respaldo e avancem a ação climática.
Fonte: Conectas
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