Associações Yanomami apontam persistência de garimpeiros e estrangulamento da saúde após um ano de operações do governo federal

Associações Yanomami apontam persistência de garimpeiros e estrangulamento da saúde após um ano de operações do governo federal

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Um ano após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visitar Roraima e declarar uma Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) na Terra Indígena Yanomami, um novo relatório da Hutukara Associação Yanomami (HAY) aponta que o garimpo persiste no território e promove um estrangulamento dos serviços de saúde.

Lançado nesta sexta-feira (26/1), o documento, que recebeu apoio técnico do Instituto Socioambiental (ISA) e do Greenpeace Brasil, tem endosso também da Associação Wanassedume Ye’kwana (Seduume) e da Urihi Associação Yanomami.

Baixe o relatório AQUI.

De acordo com o novo relatório, o garimpo desacelerou em 2023, mas ainda teve a sua área ampliada em 7%. A área total devastada já acumula 5.432 hectares e impacta 21 das 37 regiões existentes. O ano teve registro de 308 mortes de Yanomami e Ye’kwana sem que servidores da saúde conseguissem atender comunidades vulneráveis por medo dos garimpeiros ilegais. Dessa forma, mortes por doenças tratáveis seguiram ocorrendo em escala semelhante à dos últimos anos.

“Os dados demonstram que embora o atual governo tenha se mobilizado para combater o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami (TIY) em 2023, os esforços foram insuficientes para neutralizar a atividade na sua totalidade. De fato, houve uma importante redução no contingente de invasores, o que pode ser verificada na desaceleração das taxas de aumento de área degradada, mas o que se verificou ao longo de 2023 é que, ainda que em menor escala, o garimpo permanece produzindo efeitos altamente nocivos para o bem-estar da população Yanomami”, diz o relatório.

O líder Yanomami e presidente da HAY, Davi Kopenawa, pediu para que o governo federal reforce as ações de saúde em toda a Terra Indígena Yanomami, mantendo um trabalho coordenado que garanta a assistência para todos os Yanomami e Ye’kwana.

“Já completou um ano. Agora em 2024, vamos começar de novo? Eu queria conversar com o Exército e com os militares porque eles estão lá para proteger a floresta nacional, a floresta Amazônica, mas não estão protegendo. Só protegem os quartéis e o território Yanomami precisa de proteção porque essa floresta é uma proteção para o Brasil”, disse Davi Kopenawa.

Novas áreas

Mesmo sob intervenção federal, a Terra Indígena Yanomami registrou abertura de novas áreas de garimpo em 2023. Foram registradas, entre janeiro e dezembro do ano passado, 1127 alertas de novas áreas de desmatamento associadas ao garimpo, que somaram 238,9 hectares. Os meses que mais registraram alertas foram janeiro (310), março (193) e outubro (119). Chama atenção o fato de que em março e outubro o território já estava sob intervenção, com presença de forças de segurança na região.

Este levantamento foi feito através da interpretação de imagens de satélites de 4,7 metros de resolução da Planet. Foram utilizados os mosaicos mensais e, em algumas situações, os diários, para identificação de novas áreas de desmatamento abertas pela atividade garimpeira.

Relatos

Estima-se que até 80% dos invasores tenham sido retirados nos primeiros seis meses. No entanto, durante o segundo semestre, houve retorno massivo. Os  indígenas da região de Palimiú relatam acordar todos os dias com o barulho de motores de alta potência furando um bloqueio improvisado com cabos de metais no Rio Uraricoera.

“Tenho muito medo. Eles passam, depois de uma semana eu já esqueci um pouco, mas eles passam de novo e todos nós sentimos medo. Meus filhos estão com medo. Eles atrapalham nosso sono, tenho medo de que eles venham atirar na gente, por isso eu não durmo direito. Nós vivemos bem na beira do rio, por isso quando eles passam eu fico com muito medo”, relatou uma liderança da comunidade Walomapi.

A região do Rio Uraricoera, onde vive a liderança do relato, foi a terceira mais impactada pelo garimpo em 2023, tendo 32 hectares desmatados. As regiões dos rios Couto Magalhães e Mucajaí tiveram 78 e 55 hectares devastados, respectivamente, sendo as duas mais afetadas.

Novas estratégias

Além de Palimiú, o Sistema de Alertas da Terra Indígena Yanomami confirmou a presença de garimpeiros ilegais em Alto Catrimani, Alto Mucajaí, Apiaú, Auaris, Homoxi, Kayanau (Papiu), Maturacá, Missão Catrimani, Papiu (Maloca Papiu), Uraricoera, Waikás, e Xitei.

Para burlar as operações, os grupos criminosos traçaram novas estratégias, como a mudança de centros logísticos para a Venezuela (Alto Orinoco, Shimada Ocho, Alto Caura, Santa Elena), adoção de novas tecnologias de comunicação para se antecipar às operações, resistência armada, exploração noturna e descentralização de canteiros com uso de pontos mais distantes dos rios.

Pistas clandestinas

Em julho de 2023, o Exército chegou a inutilizar a pista do Rangel, usada para o pouso de aeronaves clandestinas. No entanto, os invasores, que não foram retirados, voltaram ao local para recuperar a pista, que logo se tornou o local de maior movimentação ao longo do Rio Couto Magalhães.

“Ao longo do segundo semestre, a Hutukara recebeu diversas denúncias sobre a movimentação de garimpeiros nessa zona. E, embora a associação tenha chamado a atenção para a necessidade de se reocupar rapidamente o posto de saúde do Kayanaú com apoio de forças de segurança, com a morosidade da resposta do Estado, a estrutura do posto foi incendiada após um conflito local”, aponta o relatório.

O documento reconhece que a base de Proteção no Rio Mucajaí foi importante para inibir o assédio de garimpeiros, mas diz haver relatos de furos do bloqueio. Um dos exemplos de falha foi o episódio que resultou na morte de dois Ninam da comunidade Uxiu, depois de uma emboscada de garimpeiros.

No Rio Uraricoera, as pistas Espadinha e Mucuim foram desativadas no primeiro semestre, mas, já no fim do ano, quando as operações locais diminuíram, elas foram reativadas e contam agora com intensa movimentação. As lideranças relatam até três voos diários em direção a Mucuim, sendo o primeiro pela manhã, às 6h, para evitar fiscalização.

Saúde afetada pelos invasores

Das 308 mortes de Yanomami em 2023, 129 foram por doenças infecciosas e parasitárias (21%) e doenças respiratórias (21%). Casos destes tipos seriam facilmente tratáveis se o modelo de estrutura de atenção à saúde Yanomami funcionasse de forma plena. No entanto, o novo relatório aponta que o garimpo intimida servidores da saúde e impede que esses profissionais atuem em comunidades mais vulneráveis, e por isso não podem realizar ações preventivas e de promoção à saúde com a regularidade necessária.

Com o retorno dos invasores, armas de fogo seguiram entrando ilegalmente no território e o Sistema de Alertas da Terra Indígena Yanomami registrou relatos de ataques e ameaças de “seguranças do garimpo” no Xitei, além de conflitos armados entre diferentes grupos da exploração ilegal. Um cenário descrito como “estado de guerra” pelo novo relatório.

“Devido ao clima de insegurança e conflito nessas zonas, os profissionais de saúde têm evitado realizar visitas em muitas aldeias, com sérias implicações para a realização de ações fundamentais de atenção básica, como vacinação, busca ativa de malária, pré-natal, etc. Foi exatamente esse mecanismo que ajudou a produzir a crise, que atingiu seu ápice em 2022”, afirma trecho da nota técnica.

Vacinas

A baixa mobilidade no território yanomami, ligada à permanência do garimpo, impacta também na cobertura vacinal de crianças. Conforme dados do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Ye’kwana (DSEI-YY), menos da metade de crianças de até um ano, em 29 polos de saúde, recebeu todas as vacinas. Na faixa de 1 a 4 anos, 14 polos tiveram menos da metade das crianças totalmente vacinadas.

Na região do Xitei, onde profissionais de saúde estão impedidos de visitar casas-coletivas em razão do garimpo, a vacinação abrangeu apenas 1,8% das crianças de até 1 ano, e 4,2% das crianças de 1 a 4 anos.

A malária também é um dos problemas ainda não solucionados. Mesmo sem a disponibilização dos dados de novembro e dezembro de 2023, o ano acumulou mais de 25 mil casos, tendo uma média de quase dois mil casos para 12 meses. Relatos indicam que a situação se mantém assim pelos seguintes motivos:

  • – Ausência de ações de controle de vetor nas comunidades;
  • – Ações de busca ativa insuficientes;
  • – Problemas de diagnóstico, com ocorrência de muitos falsos negativos;
  • – Demora no início do tratamento, seja pelo problema de diagnóstico, seja pelo desabastecimento da farmácia;
  • – Problemas no tratamento supervisionado, sendo que muitos indivíduos interrompem o tratamento antes de concluí-lo.

Em 2023, os dois polos mais afetados pela malária foram Auaris e Palimiú. Juntos, esses polos concentraram 37% de todos os casos da Terra Indígena Yanomami, ou seja, mais de 9 mil casos. Em ambas as regiões, sabe-se da influência do garimpo como principal vetor da doença.

Em conclusão, as associações Yanomami recomendam uma série de ações importantes para as próximas etapas de enfrentamento da emergência sanitária, como desintrusão dos garimpeiros, elaboração de um plano territorial, apoio no reassentamento de comunidades que desejam mudar de local em razão dos impactos do garimpo e ajustes na resposta à crise sanitária.

 

Fonte: Instituto Socioambiental

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