Conflito em Gaza responde pela maioria dos assassinatos de jornalistas em 2023

Conflito em Gaza responde pela maioria dos assassinatos de jornalistas em 2023

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Em relatório publicado pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), três quartos dos 99 assassinatos de jornalistas registrados em 2023 aconteceram na guerra Israel-Palestina. Em três meses, morreram mais jornalistas no conflito do que em um ano inteiro em outras regiões do mundo. As investigações do comitê indicam também que a maioria dos jornalistas assassinados são palestinos, mortos em ataques israelenses a Gaza.

O total de profissionais da imprensa assassinados em 2023 foi o maior desde 2015, com aumento significativo de quase 44% em relação a 2022. Os dados deixam clara a relação entre o conflito e o crescimento acelerado dos números de mortes. Além destes casos, outros 22 jornalistas foram assassinados em outros países, com destaque para Filipinas, México, Somália e Haiti, cujos históricos apontam grande risco para o exercício da profissão em seus territórios.

A dificuldade de acesso aos dados para o levantamento feito anualmente pelo CPJ também marcou o relatório. Há indícios de que autoridades militares de Israel negaram a morte de pessoas ligadas à imprensa e dificultaram a coleta de informações sobre a circunstância de suas mortes e sua história. Muitas das vítimas também perderam a família, o que distancia ainda mais o comitê de obter as informações sobre seu trabalho e sua vida.

Principais conclusões do relatório

Foram registrados casos de assassinatos de jornalistas em 9 países do mundo, com destaque especial para os números concentrados na região de Gaza. No final de 2023, o CPJ declarou extrema preocupação com casos de ataques direcionados do exército de Israel à imprensa.

Um dos casos mais emblemáticos foi o homicídio do cinegrafista da Reuters Issam Abdallah. Investigações conduzidas por entidades de defesa da liberdade de imprensa e outras organizações competentes indicam que as forças israelenses planejaram um ataque no sul do Líbano que matou Abdallah e feriu outros seis repórteres, em outubro. Em janeiro de 2024, os jornalistas Hamza Al Dahdouh e Mustafa Thuraya foram mortos no que Israel reconheceu ter sido um ataque dirigido contra o carro em que viajavam. Todas as vítimas trabalhavam na cobertura do conflito em zonas de fogo cruzado.

As investigações sobre esses assassinatos têm como pano de fundo outro relatório conduzido pelo CPJ, “Deadly Pattern” (Padrão mortal, em inglês), que concluiu que membros das Forças de Defesa de Israel mataram pelo menos 20 jornalistas nos últimos 22 anos. Em todos os casos, há o fator em comum da impunidade e não responsabilização dos agentes pelas mortes.7

Índice de impunidade nos assassinatos

A impunidade nos crimes contra jornalistas também é mapeada pelo comitê. No Índice de Impunidade de 2023, o CPJ concluiu que, dos quase mil jornalistas assassinados desde o início da coleta de dados ao redor do mundo, em 1992, 757 casos – mais de 79% – não foram solucionados.

Esta é a situação do México, considerado o país mais letal do mundo para jornalistas. De 1992 a 2023, foram registradas 64 mortes no país, sendo 61 delas ligadas ao exercício da profissão. O CPJ documentou 28 assassinatos de jornalistas não solucionados nos últimos 10 anos, o maior de quaisquer países do índice e o mais perigoso para os jornalistas do hemisfério ocidental. Essas informações estão sendo coletadas para a elaboração de um relatório conjunto, a ser publicado em breve pela Anistia Internacional do México e pelo CPJ.

Há destaque também para a Somália, que fechou 2023 em segundo lugar no ranking de impunidade. Apesar de perderem para a Síria, a queda para o segundo lugar não indica uma melhora no registro de impunidade. A mudança é fruto de uma reformulação do método usado para calcular o ranking: três dos quatro jornalistas assassinados em 2013 foram mortos antes de 1º de setembro daquele ano, o que significa que estão fora do período do índice de 2023.

“O Índice Global de Impunidade 2023 do CPJ registrou 80% de impunidade nos casos de assassinatos de jornalistas na última década. É preciso que as autoridades responsabilizem quem manda assassinar jornalistas”, disse Cristina Zahar, coordenadora do CPJ para a América Latina.

Ela complementa que, dos seis jornalistas assassinados na América Latina e no Caribe, dois morreram no México e um no Haiti, país que segue mergulhado na violência das gangues de criminosos quase 3 anos após a morte do presidente Jovenel Moïse. “No México, que em 2022 registrou 13 assassinatos de jornalistas, constatou-se o aumento de ataques não letais. Em ambos os casos a impunidade é um sinal verde para que jornalistas sigam sendo alvo de todo tipo de violência”, conclui ela.

Metodologia de mapeamento e investigações sobre os assassinatos

Para realizar o levantamento de assassinatos de trabalhadores da imprensa, o CPJ define etapas de investigação e confirmação da morte com o ofício da vítima. A primeira etapa consiste em confirmar se a vítima atuava como jornalista segundo a definição estabelecida pelo comitê: alguém que cobriu notícias ou comentou assuntos públicos através de qualquer meio de comunicação. A confirmação se dá através do testemunho de pelo menos duas fontes ligadas à vítima, além de uma análise de seus trabalhos anteriores.

O segundo passo é confirmar se a morte está diretamente relacionada com o exercício da profissão, que acontece a partir do diálogo com colegas, supervisores e família. A partir dessas investigações, o CPJ inclui na lista profissionais cuja morte teve relação confirmada, e também os casos que ainda estão sendo investigados.

Desde o início desse mapeamento em Gaza, foram retirados os nomes de quatro vítimas: Um deles, dado como morto, foi encontrado vivo posteriormente, e outro não atuava como jornalista ou colaborador em nenhum veículo de mídia, como relatou sua família. Além destes, também foram retirados os nomes de dois israelenses que morreram no ataque terrorista do Hamas a um festival de música em Negev, em Israel, mas que não estavam presentes em decorrência de uma cobertura do evento ou qualquer atividade relacionada.

Ataques não letais e outros fatores de violência

Há diversos casos de ataques não letais, que indicam os perigos permanentes para os profissionais nos territórios mencionados. Outros indicadores permitem que um país continue no topo da lista de lugares hostis para jornalistas, como casos de assédio judicial, agressões, ameaças e outros tipos de perseguição. Um indicador de que as condições permanecem hostis é o número de prisões de jornalistas, que também é um marcador importante do CPJ para mensurar a qualidade do ambiente de trabalho.

O relatório registrou uma queda na morte de jornalistas no conflito da Ucrânia, por exemplo. A queda é atribuída, por organizações que realizam esse mapeamento, a um possível aprimoramento nas técnicas de segurança de repórteres e outros profissionais, além da introdução de regras de credenciamento mais rígidas pelas autoridades ucranianas na linha de frente e nas zonas de combate. No entanto, só em 2024, o país já registrou dois ataques com mísseis direcionados a jornalistas, indicando que os profissionais seguem expostos a grandes riscos na região.

Também destaca-se a influência que contextos políticos, econômicos e atuação de organizações criminosas nos territórios exercem sobre o número de mortes de jornalistas. Países como Haiti e México, nos quais há uma grande movimentação do crime organizado, se tornam locais mais suscetíveis ao assassinato de trabalhadores da impresa. Em território mexicano, tanto membros do crime organizado quanto funcionários públicos são agentes deste tipo de violência e se escoram na impunidade sistêmica já estabelecida.

 

Fonte: Abraji

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