Desigualdades sociais e sustentabilidade de mídias no Brasil são temas de nova pesquisa do InternetLab
Devido a mudanças tecnológicas e sociais, a produção e distribuição de conteúdos jornalísticos têm se alterado, apresentando desafios para o setor econômico de mídias, sejam elas independentes e tradicionais. A adoção de tecnologias digitais no nosso cotidiano é uma força protagonista nessas transformações, e faz parte de um contexto de mudanças mais amplas.
Essa disrupção é o ponto de partida da análise realizada pelo relatório “Desigualdades sociais e sustentabilidade de mídias no Brasil”, recém publicado pelo InternetLab. O estudo busca entender as barreiras e desigualdades relacionadas à sustentabilidade do jornalismo e da comunicação produzidos a partir de mídias negras, indígenas e periféricas/territoriais no contexto da popularização das plataformas de redes sociais e do uso da internet como ferramenta para circulação de informação. Ou seja, como as desigualdades estruturais da sociedade brasileira se manifestam quando se trata do cotidiano dos meios de comunicação não tradicionais.
Para isso, a pesquisa tem dois objetivos: i) apresentar um diagnóstico inicial sobre a sustentabilidade de mídias independentes no Brasil, com especial atenção ao exercício do direito à comunicação por populações historicamente marginalizadas; e ii) a partir da escuta com interlocutores e coleta de dados, fornecer contribuições para uma agenda multissetorial que fortaleça a sustentabilidade.
A análise é feita a partir de algumas indagações fundamentais, como: i) quais foram as principais transformações no cenário do jornalismo independente nos últimos 10 anos;
ii) Quais as principais dificuldades e barreiras que as iniciativas de mídias independentes enfrentam hoje?
iii) Quais os possíveis caminhos para sustentabilidade e aumento da quantidade destes veículos cooperando com a pluralidade no debate público?
iv) Considerando o cenário histórico de desigualdades na distribuição e acesso à recursos, quais transformações, dificuldades e caminhos no que tange o Estado e a filantropia?
A fase preliminar da pesquisa envolveu a realização de um seminário com profissionais do campo da comunicação e jornalismo que atuam em mídias focadas em questões raciais, indígenas e periféricas/territoriais. O encontro teve como objetivo servir de ponto de partida para entender os desafios e estratégias na construção de um caminho sustentável e plural na produção de conhecimento e jornalismo no Brasil.
Inicialmente, foram realizadas, também, entrevistas semi-estruturadas com mídias negras, indígenas e periféricas/territoriais, representantes de veículos independentes que focam no debate de gênero ou sem algum enfoque específico, assim como representantes de organizações filantrópicas e pesquisadores do tema. A ampliação do perfil dos entrevistados teve objetivo de compreender diferentes perspectivas dos atores do campo. Além disso, realizamos coletas de dados para identificar iniciativas já existentes, tanto privadas quanto públicas, de financiamento de mídias independentes e de projetos de jornalismo
Para auxiliar sua compreensão, o relatório é introduzido por um glossário no qual são trazidas definições de algumas categorias utilizadas para classificar e descrever o campo de organizações presentes nas discussões e os veículos entrevistados ou referenciados. A criação desse léxico da pesquisa busca oferecer um panorama do contexto dos termos e suas diferenças.
Em seguida, em seu primeiro capítulo, o estudo traz diagnóstico de conjuntura que evidencia como a expansão do acesso à internet, de um lado, representou um desafio para as mídias tradicionais, e, de outro, possibilitou a criação de mídias independentes e novos formatos de jornalismo. Soma-se a esse cenário a implantação de políticas de acesso ao ensino superior – como por exemplo, a Lei de Cotas – que também afetaram as dinâmicas do jornalismo.
No entanto, ainda que ambos esses fatores tenham contribuído para uma maior pluralidade de vozes no debate público, principalmente online, a pesquisa indica que as mídias independentes ainda enfrentam obstáculos que dificultam sua sustentabilidade e consolidação. Interlocutores entrevistados no estudo apontam que o Estado e a filantropia ainda não foram capazes de desenvolver mecanismos para fazer frente aos desafios impostos, em especial para
lidar com as camadas adicionais de complexidade na garantia da sustentabilidade de mídias negras, indígenas e periféricas/territoriais. No que se refere especificamente ao Estado, o relatório destaca a insuficiência de políticas voltadas para o financiamento sustentável desses veículos.
Por outro lado, diante da deficiência da atuação estatal no incentivo ao jornalismo, o setor privado filantrópico se destaca no cenário nacional como o principal financiador das mídias independentes. Ocorre que, de acordo com uma série de mídias ouvidas no relatório, a filantropia possui uma visão instrumental do jornalismo, como o que ocorre com a pauta ambiental. Essa visão instrumental do jornalismo estabelece uma relação entre filantropia e organizações jornalísticas, focando em pautas e temas de interesse institucional.
Neste ponto, mapeamos 63 financiadores – que já atuaram como financiadores de mídias – e analisamos 89 editais, e os dados do levantamento corroboram observações apontadas pelos interlocutores. Diversas das exigências das organizações de filantropia se constituem como obstáculos para que os recursos cheguem a iniciativas periféricas, como a falta de transparência dos editais, exigência de CNPJ e regulamentação formal, uso de linguagem pouco acessível, exigência de proficiência em leitura e escrita na língua inglesa.
A partir da sistematização das falas dos nossos interlocutores, elencamos 4 pontos que podem contribuir para o fortalecimento da sustentabilidade das mídias independentes: i) criação de uma política de Estado para sustentabilidade do jornalismo de interesse público; ii) marco de regulação de plataformas que contemple a criação de um fundo público; iii) criação de um fundo filantrópico específico para o jornalismo; iv) fortalecimento de redes de mídias negras, indígenas e periféricas/territoriais, em um processo por meio do qual as organizações possam dialogar e se formar coletivamente.
É importante destacar que o relatório faz parte de uma agenda mais ampla de pesquisa do InternetLab, que se desenvolve por meio de estudos que avançam a compreensão da relação entre a internet, equidade e acesso à informação. Atuamos em diferentes frentes, abordando os desafios que emergem com as mudanças nas dinâmicas do jornalismo, bem como oferecendo aos diferentes atores envolvidos na discussão – agentes públicos, plataformas, veículos tradicionais e nativos digitais, sociedade civil, entre outros – ferramentas e insumos sobre o tema.
Acesse aqui o estudo na íntegra, em português.
Fonte: InternetLab
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