Em meio ao fogo e seca recordes, governo anuncia novas medidas contra crise climática

Em meio ao fogo e seca recordes, governo anuncia novas medidas contra crise climática

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Em reunião com as cúpulas dos três poderes no Palácio do Planalto, o governo federal anunciou, na tarde desta terça (17/9), algumas ações contra a emergência climática, com cerca de 60% do país coberto pela fumaça das queimadas descontroladas e a pior seca em 75 anos.

Nos próximos dias, o presidente Luíz Inácio Lula da Silva deve enviar ao Congresso uma Medida Provisória (MP), liberando um crédito extraordinário de R$ 514,4 milhões, principalmente para o combate, monitoramento e investigação dos incêndios criminosos.

Ainda não foi desta vez que o novo marco legal da crise climática foi oficializado, incluindo a criação da “Autoridade Climática” e de um comitê técnico-científico para apoiá-la, além da possibilidade de reconhecimento oficial da emergência climática. A medida foi comunicada por Lula na semana passada, .

Não foram fornecidos maiores detalhes sobre o assunto no evento no Planalto. Não se sabe, por exemplo, a que pasta o novo órgão ficará vinculado. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, informou apenas que há “um conjunto de propostas de reestruturação do Ministério do Meio Ambiente que vamos estar analisando, enfim, vamos estar publicando nos próximos dias”.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse que também está sendo estudada a sugestão do presidente de instituir um Conselho Nacional de Segurança Climática, com participação de representantes dos três poderes, sociedade civil e empresariado.

Uso dos recursos

Segundo nota da Casa Civil, os recursos da MP serão usados na mobilização de 180 novos agentes da Força Nacional de Segurança e no atendimento de famílias diretamente afetadas, com ações emergenciais de saúde e segurança alimentar, inclusive para populações indígenas.

A exemplo do Fundo Amazônia, deve ser criado um novo mecanismo de financiamento para a proteção dos outros biomas do país por meio de doações internacionais. Ainda conforme a nota, outra MP pretende facilitar a liberação de recursos do BNDES para a proteção ambiental.

O presidente Lula também irá assinar um despacho para reestruturar a Defesa Civil em todo o país. O governo ainda pretende ampliar as sanções por crimes ambientais e infrações administrativas, com aumento de penas de reclusão e de valores de multas, além de novas modalidades de sanções (veja a lista completa de ações ao final da reportagem).

Parte das mudanças deve ocorrer por meio de projetos de lei e outra, por atos da própria administração federal. Conforme apurou a CNN Brasil, o Planalto pretende tentar aprovar um pacote de seis projetos no Congresso que aumentam penas para incêndios criminosos.

“As medidas do governo federal para enfrentar os incêndios florestais e outros problemas ambientais são relevantes, mas não produzirão efeitos imediatos. Leva-se tempo para o treinamento e contratação de mais brigadistas e aquisição de equipamentos, por exemplo”, ressalva a coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima (OC), Suely Araújo.

Ela defende que a gestão federal assuma uma coordenação mais efetiva no combate à crise. “Há necessidade, também, de a Presidência da República articular e até mesmo liderar a intensificação do trabalho dos governos estaduais. São eles que controlam a emissão das autorizações para uso do fogo, que na seca sequer deveriam ser emitidas”, completa.

Decisões do STF e agravamento da crise

O anúncio das medidas ocorre depois da série de decisões recentes do STF que buscam obrigar o governo a tomar iniciativas mais enérgicas. A Corte já havia acatado três ações sobre incêndios florestais na Amazônia e no Pantanal e outra sobre desmatamento na Amazônia e emergência climática.

Agora, na execução das decisões do plenário do tribunal, o ministro Flávio Dino autorizou que os novos recursos destinados à emergência climática fiquem de fora do teto de gastos e facilitou a contratação de brigadistas, entre outras medidas. Em uma das determinações, o ministro afirmou que o país vive uma “pandemia de incêndios” e cobrou ações do poder público da mesma magnitude das adotadas na pandemia de covid-19 e nas recentes enchentes do Rio Grande do Sul.

Dino é relator de ações apresentadas por partidos de esquerda, ainda no governo Bolsonaro, com o objetivo de fazer a administração federal proteger a Amazônia e o Pantanal. O Instituto Socioambiental (ISA) apoiou a elaboração das ações.

Os anúncios também acontecem em meio ao agravamento da crise, enquanto o início da temporada de chuvas, em várias regiões, só deve começar em meados de outubro, segundo as previsões meteorológicas (saiba mais no quadro ao final da reportagem).

Na reunião no Planalto, Marina Silva informou que o país registra, neste momento, quase 690 incêndios, sendo que os esforços combinados dos governos federal e estaduais conseguiram extinguir 290 e controlar 179. Há ainda 108 incêndios sendo combatidos e outros 106 ativos sem combate. Dino também já havia cobrado do governo a adoção de medidas urgentes para atacar os focos de incêndio sem combate.

No Planalto, integrantes do governo insistiram que, por um lado, desde o início da atual gestão, estão sendo tomadas as medidas adequadas para combater a emergência climática e que, por outro, ela tem dimensões inéditas e planetárias.

“Nós fizemos todos os esforços necessários do ponto de vista de ter uma ação preventiva”, reforçou a ministra do Meio Ambiente. Ela lembrou que os índices de desmatamento na Amazônia caíram 50% e 45%, respectivamente, em 2023 e 2024.

Entre ambientalistas e pesquisadores, não há dúvida de que existe um esforço para conter os efeitos da seca e dos incêndios. Por outro lado, também há a percepção de que o Planalto poderia ter agido antes, com medidas de prevenção adequadas, e de maneira mais firme.

Uma reportagem de O Estado de São Paulo reuniu documentos que apontam que, desde o início do ano, a cúpula do governo foi alertada e instada a agir diante do que poderia vir a ser uma crise de grandes proporções. O jornal lista ofícios, decisões, ações e comunicados de órgãos como o próprio Ministério do Meio Ambiente (MMA), o STF, o Ministério Público e o governo do Amazonas.

O próprio Lula reconheceu parte do problema. “O dado concreto é que hoje, no Brasil, a gente não estava 100% preparado para cuidar dessas coisas. As cidades não estão cuidadas. Até 90% das cidades estão despreparadas para cuidar disso. Os estados são poucos os que estão com preparação, que têm Defesa Civil, bombeiro, brigadistas” disse.

Fogo criminoso

Apesar de admitir que a seca histórica criou as condições para o alastramento do fogo, o presidente insinuou que a onda de incêndios é orquestrada por grupos da oposição interessados em desgastar sua gestão.

Embora as investigações ainda estejam em curso, integrantes dos Três Poderes que participaram do evento em Brasília concordaram que há ação criminosa coordenada em várias regiões. “Os indicadores de que é um crime aparecem a cada dia aos milhares”, reforçou o secretário-executivo do MMA, João Paulo Capobianco. Em sua apresentação, ele mostrou dados oficiais e manchetes de órgãos de imprensa local da Amazônia indicando ações deliberadas para queimar a floresta.

Os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também foram na mesma direção. Eles se mostraram abertos a priorizar a tramitação de propostas que ampliem as penas para crimes ambientais e liberem recursos para combater o fogo.

Em contrapartida, sinalizaram que o Planalto terá dificuldades para aprovar projetos no Congresso e tentaram se isentar da responsabilidade pela crise. Ambos alegaram que têm facilitado a aprovação de propostas benéficas ao meio ambiente, o que não é verdade. Ao contrário, têm feito vista grossa ou mesmo pautado o chamado “pacote da destruição”, conjunto de projetos em tramitação contrários à conservação e aos direitos de populações indígenas e tradicionais.

Pacheco disse que o problema da crise não está no Congresso e chamou de “populismo legislativo” projetos de endurecimento de penas contra crimes ambientais. “Um aumento excessivo de penas, inclusão desses crimes como crimes hediondos… Temos de conter e buscar um equilíbrio na formatação de leis, sob pena de descambarmos para um populismo legislativo que não solucionará o problema”, defendeu.

O consultor jurídico do ISA Mauricio Guetta afirma que, atualmente, a legislação prevê penas tão pequenas para incêndio florestal e desmatamento ilegais que esses crimes compensam.

“Em geral, propostas sobre aumento de penas são consideradas como ‘populismo penal’, mas este definitivamente não é o caso. O endurecimento penal ambiental é urgente, pois, com penas tão baixas, os processos sequer chegam ao final e, quando chegam, resultam em medidas como o pagamento de cestas básicas”. Ainda segundo Guetta, não é razoável que crimes tão graves, com danos tão agudos à saúde e à vida da população, continue sendo tolerados.

“Não faltará vontade política da Câmara dos Deputados, e eu penso que do Senado, mas alguns temas, eu penso, tenham de vir bem explicados para que a gente não tenha uma reação adversa a uma tratativa que fuja de alguns pensamentos mais ou menos ideológicos sobre o cerne da questão”, comentou Lira.

“Há anos, a Câmara é a maior ameaça ao meio ambiente e aos povos e comunidades tradicionais. Mesmo com toda a sociedade mobilizada contra o ‘pacote da destruição’, Lira e lideranças ruralistas decidiram aprovar retrocessos inaceitáveis à legislação socioambiental. Isso também serve como sinal verde para os danos ambientais que estamos vendo hoje”, contrapõe Guetta.

“É preciso que todos os poderes participem desse processo. O Congresso, por exemplo, tem aprovado projetos que fragilizam o arcabouço legal de proteção ao Meio Ambiente. Juízes de instâncias inferiores estão liberando do cumprimento de pena de prisão desmatadores confessos”, reforça o presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP).

“A catástrofe do Rio Grande do Sul e esse cenário das queimadas e da seca sem precedentes abrem oportunidades para a Câmara e o Senado debaterem com mais seriedade e atenção o tema. É hora de nos debruçarmos sobre projetos para aumento de pena para crimes ambientais e estruturação do poder público no enfrentamento à crise climática”, complementa.

 

Fonte: Instituto Socioambiental

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