Faltou Fair Play: COP 29 aprova a jato regras sobre mercado de carbono
A ideia era repetir o ano passado e aprovar, logo no primeiro dia de conferência, uma decisão vitoriosa. Mas pode ser que a presidência azeri da COP29, em Baku, tenha ido com muita sede ao pote. Ontem (11/11), no primeiro dia da Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas, os países chegaram a um acordo inicial sobre o mecanismo de crédito de carbono previsto no Acordo de Paris. A falta de discussão sobre os termos da proposta, no entanto, acendeu um alerta entre alguns países e especialistas. Em suma: faltou fair play na hora de determinar as novas regras do jogo.
O objetivo é criar um mercado voluntário – e multimilionário – governado pelas Nações Unidas, através do qual seja possível vender e comprar créditos de carbono considerando as metas globais para a redução de emissões de gases de efeito estufa. O tema, polêmico, estava travado há anos nas negociações do clima. A saída encontrada por Mukhtar Babayev, presidente da COP29, foi apresentar os princípios formulados pelo órgão supervisor encarregado de elaborar as regras para o mercado, nos termos do artigo 6.4 do Acordo de Paris – essencialmente, decidir o que será considerado como abatimento e remoção de carbono para a negociação. Outros tópicos relativos ao mercado ainda serão discutidos, como o Artigo 6.2, que trata dos acordos bilateriais entre países para o comércio de créditos de carbono.
Os países concordaram ontem em adotar os princípios do órgão colegiado, deixando as negociações e discussões para depois. Babayev comemorou, afirmando que o mecanismo será uma “mudança de paradigma para direcionar recursos para os países em desenvolvimento”. “Após anos de impasses, começaram os avanços em Baku. Mas ainda há muito mais a entregar”, disse o presidente da conferência.
A adoção em tempo recorde, no entanto, deixou países descontentes – como Tuvalu, que fez uma fala crítica na plenária – e preocupou especialistas. “Dar início à COP29 com um acordo a portas fechadas baseado nas recomendações do órgão supervisor do artigo 6.4 estabelece um precedente frágil para transparência e governança”, apontou Isa Mulder, especialista em mercados globais de carbono da organização Carbon Market Watch.
“Adotar essas regras para um tema altamente sensível e disputado durante a plenária no primeiro dia reduz um tempo precioso para que países e observadores analisem e debatam esses temas, fragilizando a confiança no processo de tomada de decisões da UNFCCC”, completou. Segundo a especialista, há ainda outras preocupações, como o fato de os princípios adotados não definirem termos para lidar com projetos que envolvem tecnologias de risco (como a captura e armazenamento de carbono, que pode levar à liberação de CO2 depois de um certo período).
Apesar de concordar com a crítica, Alexandre Prado, líder em mudanças climáticas do WWF-Brasil, ressalta que o tema já havia sido discutido com os mais de 190 países em outras COPs e precisava avançar. “A situação de emergência climática é muito grande e precisamos de todo mundo no barco. Então, temos que avançar e entender que vamos aprender, inclusive, com os nossos erros. O que foi aprovado ontem já está muito melhor do que estava 10, 20 anos atrás”, comenta.
O especialista do WWF explica ainda que os princípios adotados referem-se a dois pontos: as atividades de remoção de carbono a serem contabilizadas e a metodologia a ser aplicada. “No caso da remoção, são considerações sobre monitoramento, formas de reporte, como contabilizar e a creditação do período”, descreve, avaliando como positiva a indicação dos princípios gerais para que o mecanismo possa avançar.
Ele aponta também que temas sensíveis como transparência, integridade ambiental e proteção dos direitos humanos no mercado estão adequados na proposta, e tendem a melhorar daqui pra frente. “Esse processo de implementação de mecanismo de mercado não termina aqui. A gente avançou muito. [O processo] fechou várias barreiras de coisas ruins que aconteceram nos últimos anos, relacionados a esses pontos de transparência, integridade ambiental e proteção dos direitos humanos com salvaguardas”, diz.
Mercado e financiamento
A adoção dos mercados de carbono como mecanismo de incentivo à mitigação das emissões de gases de efeito estufa, no entanto, não é consensual. Ainda mais quando o mercado é apresentado como uma ferramenta de financiamento para a ação climática em países em desenvolvimento, como feito pelo presidente da COP29. A organização 350.org, por exemplo, considera que a compra e venda do direito de emitir os gases causadores das mudanças climáticas aprofunda problemas, ao invés de resolvê-los.
“É um sinal muito ruim abrir essa COP com a adoção de um artigo que legitima os mercados de carbono como uma solução para as mudanças climáticas. Eles não são uma solução – os mercados de carbono aumentarão as desigualdades, infringirão os direitos humanos e impedirão a ação climática de fato”, disse lan Zugman, diretor da 350.org para a América Latina e o Caribe.
Entre as críticas aos mercados de carbono, estão o temor de que estimulem os países a adotar metas climáticas menos ambiciosas do que as que realmente podem cumprir, justamente para que possam negociar as emissões “sobrantes” com os mais poluentes; e o risco de assédio de grandes corporações a povos originários e comunidades tradicionais, sobretudo em áreas de floresta, com alto potencial de abatimento de emissões.
Segundo Zugman, o Artigo 6.4 não pode ser confundido com financiamento climático, o verdadeiro desafio da COP29. “A verdadeira vitória desta COP será garantir pelo menos 1 trilhão de dólares por ano em subsídios, não em empréstimos ou mecanismos de compensação que são uma desculpa velada para os maiores poluidores do mundo fingirem que estão pagando sua parte”, aponta.
Fonte: Observatório do Clima
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