

Eventos climáticos destroem escolas e causam perda de R$ 1,6 bilhão à educação na Amazônia
Eventos climáticos destroem escolas, ameaçam a vida de alunos e interrompem aulas na Amazônia Legal. Entre 1991 e 2024, a região registrou 955 desastres naturais que afetaram o ensino público municipal, causando um prejuízo de R$ 1,6 bilhão à educação.
Além dos danos estruturais, como o comprometimento de salas, casas e prédios escolares, os municípios também enfrentam custos com alimentos estragados, móveis e materiais perdidos.
Em todo o período, 7.853 colégios públicos foram danificados, sendo que 1.578 foram completamente destruídos. Os eventos que mais atingiram a educação na Amazônia foram as inundações, chuvas intensas, enxurradas e alagamentos, que representaram 86% (822) dos desastres desde 1991.
Esses danos à educação foram analisados pela InfoAmazonia, com base nas informações fornecidas pelos municípios ao Sistema Integrado de Informações sobre Desastres, da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil. O levantamento considera os prejuízos resultantes de inundações, secas, erosões, incêndios, alagamentos, vendavais, ciclones, deslizamentos e granizo, entre outros eventos climáticos.
Educação do Amazonas é a mais afetada
O Amazonas é o estado da região que mais perdeu dinheiro na educação pública por causa dos desastres climáticos, acumulando um déficit de R$ 1,04 bilhão entre 1991 e 2024 (65% do prejuízo de toda a Amazônia). As cidades mais impactadas foram Manaus, Barreirinha e Humaitá, sendo que a capital teve uma perda de R$ 80,7 milhões (8% do estado).
Francimar Santos Júnior é historiadora e professora na rede pública de ensino municipal de Manaus. Ela explica que a ocupação urbana da cidade ocorreu ao redor da floresta e que muitas casas e prédios foram construídos em áreas de vulnerabilidade.
Em 2023, o colégio onde Francimar trabalhava, a Escola Homero de Miranda Leão, foi atingida por uma árvore após uma forte chuva com ventanias. O tronco caiu dentro da sala de aula, destruindo o forro e quase ferindo as pessoas. “A escola fica à margem de um braço do igarapé do Passarinho. Então, a vegetação que está lá cresce no muro da escola. Com tantas rajadas de vento fortes, as árvores mais frágeis caíram e, claro, uma delas acabou atingindo a instituição pública. Foi um prejuízo econômico? Foi. Foi um prejuízo econômico para todos nós, que somos financiadores dessas organizações públicas”.
O susto foi tão grande que deixou o medo de que o episódio ocorra novamente. “É que essas coisas afetam a mente das pessoas, nos adoecem. Por quê? Porque, quando há uma rajada de vento, a primeira preocupação das pessoas que trabalham na escola, ou de alguns alunos que viram isso acontecer, é saber se tem alguma árvore tombando ou não”, diz a professora.
A escola fica no bairro Cidade Nova, na zona norte de Manaus, e foi planejada para abrigar imigrantes que, na década de 1980, chegavam em busca de trabalho. Ela foi construída sobre uma área florestal. Na época, as pessoas ainda usavam os igarapés para tomar banho e lavar utensílios e roupas. “Havia famílias inteiras que moravam aqui na comunidade e se alimentavam dos peixes do igarapé do Passarinho. Hoje, vejo uma família de jacarés tentando sobreviver em meio ao esgoto, em meio a tanta sujeira”, completou Francimar.
‘Instalou-se um caos’
Apesar de o setor da educação ser mais afetado pelas enchentes, considerando os dados históricos, nos últimos dois anos, os municípios também tiveram que enfrentar os efeitos das mudanças climáticas globais e do El Niño, evento que causa o superaquecimento das águas do Oceano Pacífico Equatorial.
Somente em 2024, foram 222 eventos climáticos registrados – 23% dos 955 desastres naturais registrados em 33 anos na Amazônia Legal, resultando em sete mortes e 957 feridos. O dano material no ano foi de R$ 126 milhões, o que corresponde a 7,8% do prejuízo registrado desde 1991.
Dentre esses eventos, as enchentes foram o tipo mais frequente: 78 episódios, que representam 35% dos registros do ano passado. No entanto, a estiagem e a seca também atingiram a educação, com 36 desastres com prejuízos ao setor (16% do total no ano).
De acordo com outra análise da InfoAmazonia, dos 772 municípios da região, 459 sofreram com a seca (59,5% do total), de 1º de janeiro a 31 de dezembro do ano passado.
“Muitos municípios e estados têm uma grande capacidade de trabalhar com inundações, que são os principais desastres, mas percebemos que há um desconhecimento quanto à atuação durante o período seco, especialmente em relação à estiagem. Esse período também traz a questão dos incêndios florestais, da baixa qualidade do ar e do impacto na saúde da população”, afirma o coordenador-geral de Gerenciamento de Desastres, Tiago Schnorr, da Secretaria Nacional de Defesa Civil.
“Muitos municípios e estados têm uma grande capacidade de trabalhar com inundações, que são os principais desastres, mas percebemos que há um desconhecimento quanto à atuação durante o período seco, especialmente em relação à estiagem. Esse período também traz a questão dos incêndios florestais, da baixa qualidade do ar e do impacto na saúde da população” – Tiago Schnorr, coordenador-geral de Gerenciamento de Desastres da Secretaria Nacional de Defesa Civil.
Schnorr defende um engajamento maior da sociedade para cobrar que a gestão de riscos e desastres seja uma pauta das autoridades locais. “Isso será uma imposição daqui para frente, porque os desastres, com certeza, serão mais intensos, e cada vez mais pessoas serão afetadas. Há uma necessidade de amadurecimento, como sociedade brasileira, quanto à importância da gestão de riscos e desastres”, explica.
A cidade de Pacaraima, localizada na fronteira de Roraima com a Venezuela, passou dois meses sem água. Os moradores não tinham água para beber, tomar banho ou preparar comida. A cidade perdeu R$ 15 milhões no setor de ensino público por causa dos eventos climáticos e foi o município que mais perdeu na Amazônia, em 2024.
“Instalou-se um caos. Tivemos que comprar água mineral, eram muitos galões diários. Os pais não enviavam os alunos por não terem água para tomar banho”, conta a secretária de Educação do município de Pacaraima, Alcione Alencar.
Com a seca, a barragem que abastecia a cidade secou completamente, e o município não conseguiu atender a população. Moradores gastavam até R$ 200 para encher reservatórios com água vendida e transportada por caminhão-pipa. A secretaria começou a comprar galões para distribuir e a investir recursos para que as atividades fossem entregues nas casas dos alunos.
“Nossa barragem secou, e a gente só tem essa única fonte de água. Quando caía uma chuvinha e enchia um pouco, eles distribuíam e fechavam a torneira de novo. O pessoal guardava para cozinhar”, conta a coordenadora de educação do município de Pacaraima, Angelina Silva.
Além disso, a cidade de Pacaraima também enfrenta uma superlotação causada pela crise migratória. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), entre janeiro e agosto de 2024, mais de 60 mil refugiados e migrantes atravessaram a fronteira por Pacaraima. Isso levou o município a iniciar campanhas educativas para incluir alunos venezuelanos nas salas de aula e a investir em materiais e recursos humanos para o ensino.
Apoio humanitário
Manaquiri, localizada a 157 quilômetros de Manaus, também sofreu forte impacto no setor da educação por causa da seca. Por lá, as crianças ficaram dois meses sem aula no ano passado, e algumas, até agora, não tiveram o ensino retomado. Sem os rios, elas não conseguem sair de suas comunidades para chegar à escola.
Segundo a prefeitura do município, a preocupação principal era outra: a assistência social e humanitária. A Secretaria de Educação da cidade foi utilizada para a distribuição de alimentos e água, com a compra de “kits merenda”, que eram levados até as casas dos alunos. Manaquiri perdeu R$ 14,6 milhões na educação em 2024.
“Todas as despesas são triplicadas. Para chegar à comunidade mais distante do município, normalmente levamos duas horas e meia. Durante a seca, demoramos seis, até quatro horas a mais, para chegar lá. O maior problema foi a falta de água potável e as doenças que surgiram depois disso”, contou a secretária de Educação de Manaquiri, Maria Souto.
As crianças ficaram doentes com diarreia e desnutrição. O município optou por colocar todas as secretarias para trabalhar em conjunto na resolução dos problemas causados pela seca. A pasta da educação, para conseguir distribuir os kits de merenda, enfrentou desafios logísticos para fazer os alimentos chegarem às famílias.
Durante a estiagem, a BR-319 ficou intransitável. Caminhões permaneceram dias parados na estrada, formando filas quilométricas. As demandas dos municípios do interior foram muitas, o que dificultou a passagem. “O translado todo muda. Tivemos que pagar mais caro pela comida, porque nossa principal via de acesso é a BR-319, mas ela ficou bloqueada. Foram muitos dias até as mercadorias chegarem aqui”, diz Souto.
A secretária está preocupada com os indicadores do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que, neste ano, ficará comprometido em Manaquiri: “Hoje, nossos especialistas dizem que a seca ainda não acabou. O planejamento para a recuperação pedagógica e financeira é de longo prazo. Essa é a luta diária, porque precisaria ser mais rápido, mas esses impactos comprometem muito tudo aquilo que almejamos realizar”.
Fonte: InfoAmazonia
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