

Enfraquecimento econômico dos meios de comunicação é uma das principais ameaças à liberdade de imprensa
Em um momento em que a liberdade de imprensa enfrenta um declínio alarmante em muitas partes do mundo, um fator importante – frequentemente subestimado – está enfraquecendo profundamente o jornalismo: a pressão econômica. Concentração da propriedade dos meios de comunicação, pressão de anunciantes ou financiadores, ausência, restrição ou atribuição opaca de auxílios públicos. Diante desses elementos, medidos pelo indicador econômico do Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), uma constatação se impõe: hoje, os meios de comunicação estão divididos entre a garantia de sua independência e a luta por sua sobrevivência econômica.
“Garantir um espaço de meios de comunicação pluralistas, livres e independentes exige condições financeiras estáveis e transparentes. Sem independência econômica, não há imprensa livre. Quando um meio de comunicação está economicamente enfraquecido, ele é arrastado pela corrida por audiência, em detrimento da qualidade, e pode se tornar presa fácil de oligarcas ou de tomadores de decisão pública que o exploram. Quando os jornalistas estão empobrecidos, eles deixam de ter meios para resistir aos adversários da imprensa, que são, muitas vezes, promotores de desinformação e de propaganda. É preciso fortalecer uma economia midiática favorável ao jornalismo, capaz de garantir a produção de informação confiável — uma produção que é, por natureza, custosa. As soluções existem e devem ser implementadas em larga escala. A independência financeira é uma condição vital para assegurar uma informação livre, confiável e voltada para o interesse público.” Anne Bocandé, Diretora Editorial da RSF.
O indicador relativo às restrições econômicas à mídia e às condições financeiras do jornalismo é, entre os cinco indicadores que compõem o Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa, o principal fator que arrasta para baixo a pontuação geral dos países em 2025.
Fechamentos massivos e regulares de meios de comunicação
- Em 160 dos 180 países analisados pela RSF, os meios de comunicação não conseguem alcançar estabilidade financeira, segundo dados coletados pela organização.
- Pior ainda, em quase um terço dos países do mundo, meios de comunicação fecham regularmente devido às persistentes dificuldades econômicas. Este é o caso dos Estados Unidos (57º, -2 posições), da Argentina (87º, -21 posições) e da Tunísia (129º, -11 posições).
- Na Palestina (163º), a situação é desastrosa. Em Gaza, o bloqueio total imposto há mais de 18 meses pelo exército israelense resultou na destruição de redações e na morte de cerca de 200 jornalistas. No Haiti (112º, -18 posições), a falta de estabilidade política também mergulha a economia da mídia no caos.
- Países bem classificados, como a África do Sul (27º) e a Nova Zelândia (16º), também enfrentam essas dificuldades.
- Trinta e quatro países se destacam pelos fechamentos massivos de meios de comunicação, o que provocou, nos últimos anos, o exílio de jornalistas. Este é particularmente o caso da Nicarágua (172º, -9 posições), mas também da Bielorrússia (166º), do Irã (176º), de Birmânia (169º), do Sudão (156º), do Azerbaijão (167º) e do Afeganistão (175º), onde as dificuldades econômicas se somam às pressões políticas.
Os Estados Unidos, líderes da depressão econômica
Nos Estados Unidos (57º, -2 posições), onde o indicador econômico perdeu mais de 14 pontos em dois anos, vastas regiões estão se transformando em desertos de notícias. O jornalismo local está pagando o preço mais alto da recessão econômica: mais de 60% dos jornalistas e especialistas em mídia sondados pela RSF nos estados do Arizona, Flórida, Nevada e Pensilvânia concordam que é “é difícil ganhar a vida como jornalista” e 75%, que “a viabilidade econômica de um meio de comunicação médio enfrenta dificuldades”. Além disso, a queda de 28 posições no ranking social do país revela que o ambiente geral da mídia está cada vez mais hostil à imprensa.
O segundo mandato de Donald Trump já amplificou essa observação, com o uso de motivos econômicos falaciosos como forma de colocar a imprensa sob controle: o fim do financiamento de várias redações pela Agência dos Estados Unidos para a Comunicação Global (USAGM) – incluindo Voice of America e a Radio free Europe/Radio Liberty – é uma ilustração disso. Mais de 400 milhões de pessoas no mundo ficaram repentinamente privadas de acesso a informações confiáveis. Na mesma linha, o congelamento dos fundos de ajuda internacional, através da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), mergulhou centenas de meios de comunicação numa instabilidade econômica crítica, forçando alguns deles a fechar, sobretudo na Ucrânia (62º).
Hegemonia das plataformas e concentração da mídia
A conjuntura atual enfraquece ainda mais uma economia de mídia já minada pelo domínio do GAFAM (Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft) na distribuição de informações. Suas plataformas, em grande parte não regulamentadas, capturam uma parcela crescente das receitas de publicidade que historicamente sustentaram o jornalismo. Em 2024, o gasto total com publicidade nas redes sociais alcançou US$ 247,3 bilhões, um aumento de 14% em relação a 2023. Essas plataformas não apenas enfraquecem o modelo econômico dos meios de comunicação, como também contribuem para a proliferação de conteúdos manipulados ou enganosos, amplificando os fenômenos de desinformação.
Além da perda de receitas publicitárias, que desestabiliza e restringe a economia dos meios de comunicação, a concentração de propriedade é outro fator central na deterioração do indicador econômico do Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa. Trata-se de uma ameaça direta ao pluralismo. Em 46 países, a propriedade dos meios de comunicação está altamente concentrada — ou mesmo totalmente nas mãos do Estado —, segundo a análise dos dados do Ranking.
Da Rússia (171º, -9 posições), onde os meios de comunicação estão sob controle do Estado ou de oligarcas próximos ao Kremlin, à Hungria (68º), onde o governo sufoca veículos críticos por meio da distribuição desigual de publicidade estatal, até países onde leis sobre influência estrangeira são usadas para reprimir o jornalismo independente, como na Geórgia (114º, -11), a liberdade de informação é cada vez mais comprometida por condições de financiamento opacas ou arbitrárias. O mesmo acontece na Tunísia (129º, -11 posições), no Peru (130º) e em Hong Kong (140º), onde subsídios passaram a ter maior ingerência do governo.
Mesmo em países bem classificados, como Austrália (29º), Canadá (21º), República Tcheca (10º) e Finlândia (5º), a concentração da mídia é motivo de atenção. Na França (25º, -4 posições), uma parte significativa da imprensa nacional está controlada por alguns grandes conglomerados econômicos, restringindo a diversidade editorial, aumentando os riscos de autocensura e levantando sérias dúvidas sobre a real independência das redações em relação aos interesses econômicos ou políticos de seus acionistas.
A interferência dos proprietários agrava ainda mais o cenário. Em mais da metade dos países avaliados no Ranking (92 países), a maioria dos entrevistados relatou limitações frequentes ou sistemáticas à independência editorial por parte dos donos dos meios de comunicação. No Líbano (132º), na Índia (151º), na Armênia (34º) e na Bulgária (70º, -11 posições), muitos veículos devem sua sobrevivência ao controle econômico exercido por figuras políticas próximas ao poder ou a grandes empresários. Esse envolvimento é descrito como sistemático em 21 países, entre eles Ruanda (146º), Emirados Árabes Unidos (164º) e Vietnã (173º).
Pela primeira vez, a situação da liberdade de imprensa tornou-se “difícil” em escala global
Há mais de dez anos, os resultados do Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa alertam para a deterioração geral da liberdade de imprensa no mundo. Em 2025, uma nova linha vermelha foi cruzada: a pontuação média de todos os países avaliados caiu abaixo da marca de 55 pontos — patamar que caracteriza uma “situação difícil”. Mais de seis em cada dez países (112 no total) viram sua pontuação diminuir no Ranking deste ano.
E, pela primeira vez na história do Índice, as condições para a prática do jornalismo são difíceis, ou mesmo muito graves, em metade dos países do mundo e satisfatórias em menos de um quarto deles.
Um mapa cada vez mais vermelho
Em 42 países — que representam mais da metade da população mundial — a situação é considerada “muito grave”: a liberdade de imprensa está praticamente ausente e o exercício do jornalismo é extremamente perigoso. Este é o caso da Palestina (163º), onde, há mais de 18 meses, o exército israelense vem promovendo um massacre contra o jornalismo: cerca de 200 profissionais da informação foram mortos, incluindo pelo menos 43 no exercício de suas funções, enquanto um apagão midiático é imposto no enclave sitiado. Israel (112º) continua sua queda no Ranking (-11 posições).
Três países da África Oriental — Uganda (143º), Etiópia (145º) e Ruanda (146º) — encontram-se este ano em situação “muito grave”. Hong Kong (140º) também ficou vermelho e agora compartilha a mesma classificação crítica da China (178º, -6 posições), que se junta ao trio final do Ranking, ao lado da Coreia do Norte (179º) e da Eritreia (180º). Na Ásia Central, Quirguistão (144º) e Cazaquistão (141º) agravam ainda mais o quadro regional. No Oriente Médio, a Jordânia (147º) caiu 15 posições, sobretudo em razão das novas leis repressivas contra a imprensa.
Classificação por região: o fosso entre a União Europeia e o resto do mundo está aumentando
A região Oriente Médio–Norte da África continua sendo a mais perigosa para os jornalistas, centrada no massacre do jornalismo em Gaza pelo exército israelense. Todos os países da região se encontram em situação “difícil” ou “muito grave”, com exceção do Catar (79º). A imprensa local está encurralada entre a repressão de regimes autoritários e a persistente insegurança econômica. A Tunísia (129º, -11 posições), único país do Norte da África a registrar queda, sofreu a maior deterioração no indicador econômico da região (-30 posições), em um contexto de crise política em que a imprensa independente é diretamente visada. O Irã (176º), onde jornalistas são amordaçados e qualquer expressão crítica é severamente reprimida, continua estagnado entre os últimos colocados do Ranking, acompanhado da Síria (177º), à espera de uma profunda renovação do panorama midiático no pós-Bashar al-Assad.
Entre os 32 países e territórios da região Ásia-Pacífico, 20 viram sua pontuação econômica cair no Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa 2025. O controle sistêmico dos meios de comunicação em regimes autoritários é muitas vezes inspirado no modelo de propaganda da China (178º), que se mantém como a maior prisão do mundo para jornalistas e retorna ao trio dos últimos colocados do Ranking, atrás apenas da Coreia do Norte (179º). Além disso, a concentração dos meios de comunicação nas mãos de grupos poderosos e próximos ao poder, como na Índia (151º), e as crescentes pressões econômicas acentuam a repressão e as incertezas para a liberdade de imprensa.
Na África Subsaariana, a liberdade de imprensa sofre um declínio preocupante. A Eritreia (180º) permanece em último lugar no Ranking. A pontuação econômica deteriorou-se em 80% dos países da região. Na República Democrática do Congo (133º, -10 posições), onde o indicador econômico despencou, o panorama midiático segue se polarizando e sendo reprimido, especialmente no leste do país. Cenários similares se repetem em contextos de conflito e instabilidade, como em Burkina Faso (105º, -19 posições), Sudão (156º, -7 posições) e Mali (119º, -5 posições), onde redações são forçadas à autocensura, ao fechamento ou ao exílio. A hiperconcentração da propriedade dos meios de comunicação nas mãos de figuras políticas ou empresariais, sem garantias de independência editorial, também é recorrente, como nos Camarões (131º), na Nigéria (122º, -10 posições) e em Ruanda (146º). Em tendência oposta, o Senegal (74º) registrou um avanço de 20 posições, impulsionado por projetos de reforma econômica com base no consenso.
Nas Américas, a grande maioria dos países (22 de 28) apresentou queda no indicador econômico. Nos Estados Unidos (57º), o segundo mandato de Donald Trump provocou uma deterioração preocupante na liberdade de imprensa. Na Argentina (87º), o presidente Javier Milei estigmatizou jornalistas e desmantelou a mídia pública. No Peru (130º) e em El Salvador (135º), a liberdade de imprensa é fragilizada pela propaganda e pelos ataques aos meios de comunicação com linhas editoriais críticas ao governo. No México (124º), país mais perigoso da região para jornalistas, também houve uma queda acentuada no indicador econômico. Na base do Ranking, a Nicarágua (172º), onde o governo Ortega-Murillo desmantelou a mídia independente, tornou-se o país com pior desempenho do continente. Em contrapartida, o Brasil (63º) manteve sua trajetória de recuperação após o período Bolsonaro.
A Europa, que lidera o Ranking regional, está cada vez mais dividida. A região Europa Oriental–Ásia Central sofreu a maior queda na pontuação geral, enquanto a região União Europeia–Bálcãs manteve a maior pontuação média, ampliando a distância em relação às demais regiões. Contudo, os efeitos da crise econômica são palpáveis: em sete de cada dez países da UE e dos Bálcãs (28 de 40), a pontuação econômica caiu. A implementação do Regulamento Europeu para a Liberdade dos Meios de Comunicação (EMFA), que pode beneficiar a economia midiática, já deveria ter sido concluída. A situação está se deteriorando especialmente em Portugal (8º), Croácia (60º) e Kosovo (99º).
A Noruega, único país classificado como “boa situação” em todos os cinco indicadores do Ranking, mantém o primeiro lugar pelo nono ano consecutivo, ampliando ainda mais a distância para os demais. A Estônia ocupa agora o segundo lugar, seguida de perto pelos Países Baixos, que trocam de posição com a Suécia (4º) e voltam ao pódio.
Fonte: ABI
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