Às vésperas da COP30, Congresso aprova projeto que enfraquece o Licenciamento Ambiental

Às vésperas da COP30, Congresso aprova projeto que enfraquece o Licenciamento Ambiental

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O Congresso Nacional aprovou, na madrugada desta quinta-feira (17), o Projeto da Devastação Ambiental, texto legislativo que altera drasticamente a Lei Geral do Licenciamento Ambiental no Brasil. Em uma votação marcada por críticas da sociedade civil, de organismos internacionais e de especialistas em direito ambiental, a decisão ocorre a quatro meses da 30ª Conferência do Clima das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será sediada em Belém, no Pará, e marca o que ambientalistas já consideram o maior retrocesso socioambiental da história recente do país.

Com 267 votos favoráveis e 116 contrários, o projeto aprovado permite autolicenciamento, dispensa a exigência de estudos de impacto em uma série de casos e enfraquece a participação de órgãos técnicos, populações afetadas e instituições de fiscalização. A proposta, que tramita desde 2004 e foi sucessivamente alterada sob forte influência de setores do agronegócio e da mineração, segue agora para sanção presidencial.

O licenciamento ambiental é o principal instrumento legal que avalia e autoriza a instalação e operação de empreendimentos com potencial de impacto ambiental. Ele exige estudos técnicos e a participação de órgãos públicos e da sociedade. Sua função é prevenir danos, proteger ecossistemas e garantir o desenvolvimento com responsabilidade socioambiental.

“A aprovação do PL da devastação coloca em risco a integridade do licenciamento ambiental como ferramenta para garantir avaliação segura e prevenção de impactos e danos ambientais sobre empreendimentos, por meio da articulação de critérios técnicos, estudos de impacto, participação social e respeito a direitos fundamentais. Esvaziar por completo esse instrumento é um equívoco”, afirma o advogado Gabriel Sampaio, diretor de litigância e incidência da Conectas.

Pontos críticos 

Entre os pontos mais críticos está a transformação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) em regra geral. Por esse modelo, empreendedores obtêm autorização para iniciar atividades por meio de simples autodeclaração, sem necessidade de estudos de impacto ambiental (EIA/Rima), condicionantes específicas ou análise prévia de órgãos técnicos. Estudo do Instituto Socioambiental mostra que, em Minas Gerais, 85,6% dos processos de licenciamento de barragens de rejeitos poderiam ser autorizados sob esse modelo, mesmo com alto potencial poluidor.

Além disso, o texto aprovado cria uma guerra fiscal ambiental entre entes federativos, ao permitir que estados e municípios estabeleçam regimes próprios de licenciamento — inclusive dispensando licenças para atividades impactantes —, o que compromete a uniformidade legal e pode levar a um “vale-tudo” ambiental em nome da atração de investimentos.

Outra inovação problemática é a criação da Licença Ambiental Especial (LAE), que delega ao Conselho de Governo da Presidência a definição política dos “projetos estratégicos” autorizados em até 12 meses e sem exigência de EIA/Rima ou consulta pública. O novo modelo abre margem para favorecimento político, fragiliza o princípio da impessoalidade e confronta decisões do STF que reafirmam a obrigatoriedade de etapas técnicas e participativas nos processos de licenciamento.

Também foram incluídas dispensas de licenciamento para diversas atividades de pequeno porte, como agricultura, pecuária, silvicultura, barragens para irrigação e sistemas de tratamento de água e esgoto. Especialistas alertam, no entanto, que a falta de critérios técnicos bem definidos pode abrir brechas para que empreendimentos de médio e alto risco se beneficiem indevidamente — como já ocorreu nos desastres de Mariana e Brumadinho, que resultaram, respectivamente, na morte de 19 e 272 pessoas, além da contaminação de rios e outros recursos ambientais.

A proposta ainda enfraquece a participação popular, ao simplificar e automatizar o processo de licenciamento, e esvazia o papel de órgãos como ICMBio, Funai, Iphan e ministérios da Saúde e Agricultura, que perdem poder de veto ou sequer têm participação obrigatória nas decisões. As ausências de manifestação deixam de ser impeditivas para a emissão de licenças, violando o princípio da precaução.

Outro ponto criticado é a isenção de responsabilidade às instituições financeiras por danos ambientais decorrentes dos empreendimentos que financiam. O texto considera suficiente a apresentação de licença ambiental como prova de regularidade, ignorando que a jurisprudência brasileira reconhece a responsabilidade solidária de agentes financiadores.

O PL também abre caminho para a anistia de empreendimentos ilegais por meio de licenciamento corretivo sem sanções, ignora completamente a crise climática ao não mencionar sequer os termos “clima” ou “mudanças climáticas”, e coloca em risco recursos hídricos ao permitir licenciamento sem exigência de outorga de uso da água. A revogação de dispositivos da Lei da Mata Atlântica é outro ponto de preocupação, autorizando supressão de áreas sensíveis sem análise técnica.

Veto presidencial

Para Sampaio, “a união de interesses que patrocinou essa proposta insiste em desafiar decisões do STF e a tutela de direitos fundamentais em nome de um modelo exploratório que remonta ao período colonial”. Ainda de acordo com o diretor da Conectas, “o impacto disso vai para além da seara econômica e afeta o pacto social estabelecido pela Constituição em torno de garantias democráticas mínimas do Estado de Direito.

“Diante desse cenário, é fundamental expressar ao Presidente da República a necessidade do veto ao Projeto de Lei, para que sejam retomadas as bases racionais para o debate legislativo e com a sociedade sobre essa matéria”, complementa.

Organizações socioambientais defendem o veto integral ao projeto. No entanto, mesmo que o Executivo decida vetar total ou parcialmente o texto, há forte risco de que o Congresso derrube os vetos, dada sua composição majoritariamente ruralista.

Caso os vetos sejam superados, a única alternativa será recorrer ao Supremo Tribunal Federal. Juristas apontam inconstitucionalidades no PL, como a dispensa de etapas técnicas obrigatórias e de participação social, e alertam que o novo modelo fragmenta o sistema nacional de licenciamento, gerando insegurança jurídica e abrindo caminho para uma enxurrada de ações judiciais.

Manifestações internacionais 

Durante o processo legislativo, organismos internacionais já reagiram com preocupação. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e seis mandantes da ONU enviaram alertas ao governo brasileiro sobre o risco de violação de direitos humanos e de degradação ambiental irreversível por causa da mudança do licenciamento ambiental. A relatora especial da ONU, Astrid Puentes Riaño, afirmou que a proposta “ameaça o direito de todas as pessoas a um meio ambiente saudável” e viola o princípio da não regressividade em matéria ambiental.

No início de junho, a Conectas apresentou, no Conselho de Direitos Humanos da ONU, um alerta sobre os riscos associados à possível aprovação, pelo Congresso Nacional, do projeto. A organização afirmou na ocasião que a proposta compromete o sistema de proteção socioambiental do Brasil e pode gerar impactos irreversíveis para populações tradicionais, ecossistemas e o clima global.

 

Fonte: Conectas

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