

Corte da OEA responsabiliza Estados pela crise climática: o que isso significa?
Em decisão inédita, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), afirmou que os Estados têm responsabilidade direta no combate à crise climática. Publicada no início de julho, a Opinião Consultiva nº 32 estabelece que a emergência climática compromete, de forma estrutural, os direitos humanos no continente e impõe obrigações jurídicas concretas aos governos. A decisão é um marco histórico no direito internacional.
Solicitada por Chile e Colômbia, a opinião foi aprovada por uma estreita maioria (4 votos a 3), mas representa avanços substanciais. Entre eles, o reconhecimento de que o direito a um clima estável integra o direito a um meio ambiente saudável; a exigência de que os Estados atuem com diligência reforçada, orientados pela melhor ciência disponível e pelos saberes locais; e a elevação da obrigação de prevenir danos ambientais irreversíveis à condição de norma de jus cogens — uma norma inderrogável do direito internacional, válida mesmo para países que não aderiram a tratados específicos.
Para Thales Machado, assessor da Conectas, “a decisão é muito importante porque posiciona direitos humanos no centro da resposta à crise climática, impondo obrigações jurídicas para que os Estados garantam justiça climática e proteção efetiva das populações mais vulnerabilizadas, reconhecendo unanimemente a emergência climática e o direito a um clima estável.”
A Corte também reforçou a proteção de povos indígenas, comunidades afrodescendentes, quilombolas, ribeirinhas e defensoras e defensores ambientais, exigindo políticas inclusivas e diferenciadas que garantam seus direitos, a autodeterminação e a proteção de seus territórios. O documento reafirma ainda o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, reconhecendo que os países historicamente mais emissores devem financiar a transição climática nos países em desenvolvimento. Outro ponto central da decisão é o reconhecimento de que saberes tradicionais e conhecimentos territoriais devem ter o mesmo peso que o conhecimento científico na formulação de políticas públicas, rompendo com uma lógica tecnocrática e centralizadora.
O que dizem os povos indígenas
A ativista indígena Txai Suruí comentou a decisão em artigo publicado na Folha de S.Paulo: “Para nós, povos indígenas, a Corte começa a dizer com palavras jurídicas o que sempre sustentamos com o corpo e o território. A mudança do clima não é um problema ambiental qualquer. Ela atinge as águas, os ciclos, o cotidiano, os espíritos e as pessoas.”
Para ela, “ao reconhecer que os efeitos da emergência climática são desiguais e exigem proteção diferenciada, a Corte afirma que os países têm o dever não apenas de se abster de políticas que agravem nossa vulnerabilidade, mas também de garantir ativamente nossos direitos.”
Participação da Conectas
A Conectas foi uma das organizações da sociedade civil que participaram ativamente do processo, com contribuições escritas e presença nas audiências públicas realizadas em Bridgetown, Brasília e Manaus. Durante as audiências, a organização ressaltou que o direito a um meio ambiente saudável impõe obrigações substanciais, procedimentais e especiais para grupos em situação de vulnerabilidade, e que essas obrigações devem ser guiadas pelos princípios da não discriminação e da equidade intergeracional. A Conectas também destacou a importância de uma transição energética justa, que respeite os direitos dos povos e comunidades tradicionais, como no caso dos quilombolas da Serra dos Rafaéis, no Piauí, afetados pela instalação de parques eólicos financiados por bancos públicos e multilaterais. A organização ainda cobrou maior responsabilidade dos bancos de desenvolvimento na definição de políticas climáticas e econômicas, apontando a necessidade de planos concretos de redução de emissões que orientem os investimentos conforme as metas do Acordo de Paris.
Orientação para Estados
Embora a Opinião Consultiva nº 32 não tenha efeito vinculante como uma sentença, ela serve como orientação jurídica robusta para que os 34 países da OEA alinhem suas políticas públicas, decisões judiciais e estratégias de litígio. Na prática, o documento fortalece a base legal para que comunidades afetadas pela crise climática — como povos indígenas, quilombolas, mulheres, jovens e populações tradicionais — possam exigir proteção, reparação e justiça. A decisão impõe um novo patamar de responsabilidade para os Estados, que devem não apenas mitigar danos ambientais, mas também garantir medidas de adaptação com base na ciência, na justiça social e no respeito aos territórios.
ONU apoia medida da Corte
Especialistas da ONU em direitos humanos saudaram a Opinião Consultiva histórica da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre a emergência climática, classificando-a como um marco na proteção dos direitos humanos frente à crise ambiental. Eles destacaram o reconhecimento da emergência climática como um risco existencial para a humanidade e o reforço das obrigações estatais de agir com diligência redobrada para prevenir danos irreversíveis ao sistema climático.
A Corte enfatizou a necessidade de cooperação entre os Estados, de transição para modelos sustentáveis de desenvolvimento e de regulação eficaz de setores como combustíveis fósseis, agricultura e desmatamento. Os especialistas também ressaltaram a valorização dos saberes tradicionais e indígenas, o alerta contra soluções tecnológicas não comprovadas e a proteção de defensores ambientais. A decisão reforça o direito a um clima saudável e reconhece a natureza como sujeito de direitos.
Fonte: Conectas
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