

Estudantes em áreas dominadas por grupos armados no Rio têm pior desempenho escolar e maiores taxas de abandono, revela novo estudo
Estudantes que vivem e estudam em áreas dominadas por grupos armados na Região Metropolitana do Rio de Janeiro têm desempenho escolar significativamente pior do que aqueles em áreas não dominadas. A diferença de desempenho no SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) chegou a alcançar 10 pontos na série histórica analisada, o que equivale a cerca de 6 meses de aprendizagem. A conclusão faz parte do estudo “Educação Sob Cerco, efeitos da violência armada no aprendizado e abandono escolar nas escolas do Grande Rio” lançado hoje e realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Instituto Fogo Cruzado (IFC), o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI-UFF) e o Centro para o Estudo da Riqueza e da Estratificação Social (CERES-IESP).
O relatório mostra que, ao longo da série histórica analisada, alunos de escolas em áreas não dominadas apresentaram resultados melhores tanto em Língua Portuguesa quanto em Matemática nas duas séries analisadas (5º e 9º ano) — independentemente do tipo de dominação armada (milícia ou tráfico) presente nas demais regiões. Nessas áreas não dominadas da capital, está também a menor proporção de estudantes com conhecimentos classificados como “abaixo do básico” – mínimo definido pelo IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) – cerca de 19%. Já as áreas controladas apresentam estágio de aprendizado “abaixo do básico” em níveis que vão de 22,6% a 38,7%, a depender da localidade na região metropolitana e do tipo de controle armado.
O levantamento mostra ainda que o convívio crônico com a violência armada funciona como uma desvantagem cumulativa, que afeta inclusive os efeitos esperados de fatores socioeconômicos e esforços familiares para garantir maior aprendizado aos filhos.
“A violência armada é mais do que um risco imediato: ela corrói as chances de desenvolvimento pleno de crianças e adolescentes, aprofundando desigualdades estruturais. A normalização dessa convivência nociva com a violência armada pode ter efeitos permanentes no desempenho escolar, na saúde mental e nas perspectivas de futuro desses estudantes”, destaca Flavia Antunes Michaud, chefe do escritório do UNICEF no Rio de Janeiro.
Além do desempenho escolar, o controle territorial impacta diretamente na permanência na escola. A análise geral para toda a região metropolitana aponta que, em 2022, escolas em áreas não dominadas apresentaram uma taxa média de abandono escolar no 3º ano do ensino médio de 7,2% — abaixo das taxas de áreas dominadas, que variam de 9% a 9,6%. Há, contudo, diferenças entre capital e entorno metropolitano: enquanto no entorno a maior taxa de abandono ocorre em áreas de milícia (7,9%), na capital esse índice chega a alarmantes 12,5% em áreas de tráfico.
Outro dado revela que escolas localizadas em áreas que registraram mais de três confrontos armados ao longo do ano tiveram, em média, taxa de abandono superior a 10%, frente a 7,7% em locais sem registros de violência armada aguda. A parte um do Educação Sob Cerco, lançada em maio de 2025, dá uma dimensão do tamanho do problema: em 2022, foram registrados 4.400 confrontos próximos a escolas no Grande Rio, com 46% das escolas da região registrando ao menos um episódio de violência aguda. Uma escola de São Gonçalo registrou 18 episódios de violência armada aguda — na média, um registro a cada duas semanas — liderando o ranking de unidades mais afetadas.
“Os dados mostram com clareza o impacto da violência armada crônica, ou seja, o controle territorial armado, no aprendizado. E mostram ainda o impacto dos confrontos, sobretudo aqueles ocorridos em ações policiais, na permanência na escola. Na hora de implementar políticas de acesso à educação e segurança, é importante termos em conta que os impacto dos tiroteios com a presença das forças de segurança são mais significativos para a permanência dos estudantes nas escolas. A compreensão disso é imprescindível para podermos produzir políticas públicas que protejam os nossos cidadãos e não que ameacem seus direitos básicos”, destaca Maria Isabel Couto, diretora de Dados e Transparência do Instituto Fogo Cruzado.
“Sabia-se que a violência armada impactava a educação de crianças e adolescentes, contudo, pela primeira vez conseguimos objetivar esse impacto. Controladas as variáveis já conhecidas, as crianças que estudam em áreas sob controle de grupos armados têm metade do aprendizado durante o ano letivo. Por outro lado, as operações policiais também fazem parte dos fatores que impactam o aprendizado. Temos que encontrar alternativas para a segurança pública que também contemplem a proteção das crianças e adolescentes e os processos educacionais”, ressalta Daniel Hirata, coordenador do GENI/UFF.
Recomendações
Contextos com violência impactam a aprendizagem: crianças e adolescentes aprendem menos em ambientes inseguros. Nenhum cenário que ponha em risco o direito à educação deve ser tolerado. Por isso, o UNICEF, IFC, GENI-UFF e CERES-IESP recomendam:
- Diminuir desigualdades no acesso e permanência segura na escola por meio do enfrentamento ao controle territorial armado, garantindo trajetos seguros, valorização das equipes escolares e fortalecimento de práticas pedagógicas adaptadas às realidades locais.
- Incluir o tema da violência armada no planejamento e execução de políticas de educação, entendendo-a não apenas como questão de segurança pública, mas como pauta da educação, saúde e assistência social.
- Criar e fortalecer mecanismos de governança integrada e interinstitucional, reunindo representantes da educação, segurança, saúde mental e sociedade civil, com destaque para movimentos de vítimas da violência armada, assegurando equilíbrio e fiscalização efetiva das forças de segurança e grupos armados.
- Desenvolver indicadores combinando dados da educação e da segurança pública para compreender melhor os impactos da violência armada, monitorar riscos e subsidiar políticas públicas baseadas em evidências.
- Garantir os 200 dias letivos e carga horária integral, mesmo em contextos de violência, por meio de reposição de aulas, políticas de resiliência e coordenação entre gestores e comunidade escolar.
- Identificar e analisar os mecanismos usados por grupos armados para exercer controle sobre territórios e entender como esses mecanismos impactam diretamente a vida e o aprendizado de crianças e adolescentes.
- Rever a abordagem da mídia sobre a violência armada, evitando narrativas que reforcem estigmas e simplificações, e assumindo compromisso com os direitos humanos e informação qualificada.
Sobre a série de estudos
Este relatório faz parte da série Educação Sob Cerco, desenvolvida pelo UNICEF, IFC, GENI-UFF e CERES-IESP, que busca evidenciar como a violência armada crônica e aguda impacta a educação pública no Grande Rio. Link para o primeiro relatório, lançado em maio de 2025.
Fonte: Fogo Cruzado
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