Escolas privadas oneram Justiça com ações por matrícula adiantada

Veículo: Jornal da USP - SP
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O artigo 205 da Constituição Federal de 1988 declara o direito à educação a todos. Nesse contexto, surgem os milhares de processos judiciais, foco da pesquisa de João Pedro Paro, cientista social e mestre em direito pela USP. Com sua orientadora Nina Ranieri, professora da Faculdade de Direito (FD) da USP, ele analisou 4.712 ações pela Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.

O custo médio de um processo no Estado é de R$ 1.707,45. Com a quantidade de ações analisadas o valor chega a ultrapassar R$ 8 milhões, gerando, assim, mais um rombo aos cofres públicos.

Os processos são do período de 2004 a 2016 e mostram que a principal razão para essa demanda (80% dos casos) é a solicitação de matrícula adiantada de crianças na educação básica, consequência do chamado “corte etário”. Esse corte é a data utilizada em cada unidade federativa para determinar se uma criança pode ou não ingressar na escola. Em São Paulo, assim como Minas Gerais, Pernambuco e Ceará, o corte etário é no dia 30 de junho. Por todo o País o corte varia entre 31 de março e 31 de dezembro.

“O corte etário tem maior impacto no Ensino Fundamental I (1º ao 5º ano). Isto porque a educação infantil (antes dos 6 anos de idade) não é obrigatória e muitas vezes ocorre, de forma irregular, em estabelecimentos que não possuem cadastro na Secretaria da Educação. Uma criança que completa 6 anos após esta data deverá esperar o próximo ano letivo para entrar no Ensino Fundamental. Esta data foi escolhida em razão do planejamento semestral da Secretaria do Estado”, explica João Pedro Paro.

“Muitos processos são contra o diretor da instituição e alguns são contra o dirigente de ensino da delegacia de ensino da região correspondente à escola. Esses casos são erros processuais que são ajustados pelos juízes. A educação é serviço público e, por esta razão, quem faz as regras e concede o direito para empresas privadas explorarem esta atividade é o Estado”, detalha o pesquisador.

O que surpreendeu foi que 87% das ações são advindas de instituições privadas. Entre as escolas envolvidas, o interior paulista obteve uma quantidade superior de processos em relação à capital, desconstruindo a ideia de que o volume de processos acompanhava a distribuição demográfica.

Isso decorre justamente do tipo de rede de ensino, como explica Paro. “Na capital, temos uma rede de ensino privado mais consolidada e que atende a população de uma forma mais ampla. No interior, o mercado de educação privado é mais restrito, sendo poucos os colégios que dominam esta atuação.”

Nos 12 anos analisados, foi percebido que em 2012 o pico no número de processos saltou de 469 para 1.305, pois o Conselho Estadual de Educação, que estabelece normas e regulamenta o direito à educação no Estado, deliberou esta data de corte sem oferecer alternativas para relativizar a regra. No entanto, nos anos seguintes, é possível notar que a taxa foi diminuindo em grande escala.

“Esse pico decorre de uma série de outras variáveis. A mais importante está associada à deliberação do Conselho Estadual de Educação, que ocorreu em 2009 e passou a vigorar em 2010. Após isso, houve um acomodamento, espécie de conformação do público consumidor do serviço educação de que há uma necessidade de respeitar o quesito etário”, avalia o pesquisador.

A cidade de Santos apareceu como outra surpresa na pesquisa. O município litorâneo possui um número muito maior que a média de processos judiciais por cidade. Um pouco mais de 40% estão concentrados em cinco colégios particulares, que são beneficiados por ações movidas por advogados para que as crianças iniciem seus estudos antes da hora.

Embora tenha sido uma grande maioria de casos envolvendo escolas privadas e o corte etário ser o principal motivo, há processos que envolvem instituições públicas e apresentam razões diferentes. A justificativa para as ações judiciais, neste caso, é a necessidade de transferência escolar. Alguns casos acontecem pelo fato de uma instituição de ensino ser bem mais distante da residência do estudante, ou porque os pais avaliam que uma possui um ensino ou estrutura melhor do que outra.

Para João Pedro Paro, seu estudo – que envolveu análise do marco teórico do direito à educação e do quadro empírico dos processos por métodos qualitativos e quantitativos – indica a necessidade de uma reavaliação do corte etário, fonte da maioria dos processos educacionais. “Propomos uma efetiva revisão do corte etário a fim de repensar os custos públicos assumidos de forma desnecessária e sem alcançar os objetivos almejados.”