Organizações assinam nota contra dispositivos que ameaçam o jornalismo no PL das Fake News
Cerca de 50 organizações da sociedade civil assinaram uma nota conjunta na quarta-feira, 06 de abril, pedindo a retirada completa dos dispositivos sobre imunidade parlamentar e remuneração de conteúdo jornalístico do Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como “PL das Fake News”. A manifestação pública é uma ação da Coalizão Direitos na Rede direcionada ao relator Orlando Silva (PCdoB-SP) e ao Congresso Nacional.
A nota aponta que a versão atual do texto é mais equilibrada em comparação com as versões anteriores, mas que “seguem na proposta medidas que ameaçam o trabalho jornalístico e a própria existência de veículos de informação, especialmente iniciativas digitais e de pequeno e médio porte”.
As entidades enfatizam a preocupação com o dispositivo que estende a imunidade parlamentar material às redes sociais, impedindo que deputados e senadores sejam responsabilizados, civil e penalmente, por opiniões e palavras proferidas em ambiente digital. Além disso, alertam sobre o artigo que estabelece a remuneração, pelas plataformas, a produtores de conteúdo jornalístico com base em direito de autor, que apesar de bem intencionada “trata-se de medida que requer debate aprofundado, à luz de iniciativas semelhantes em discussão em outros países, o que ainda não foi feito pelo Congresso brasileiro”.
Confira a nota na íntegra:
Projeto requer mudanças para não colocar jornalismo em risco
Salvo-conduto e imunidade a parlamentares que espalham desinformação e definição de modelo de remuneração de conteúdos ameaçam o trabalho e a pluralidade jornalística – e por isso devem sair do texto
As entidades e indivíduos abaixo signatários instam ao relator Orlando Silva e ao Congresso Nacional que retirem os dispositivos sobre imunidade parlamentar e remuneração de conteúdo jornalístico do Projeto de Lei n. 2630 de 2020, conhecido como “PL das Fake News”. Debatido desde julho de 2020 na Câmara dos Deputados, o projeto foi aprimorado e a versão em pauta é mais equilibrada em termos de garantia de direitos dos usuários da Internet do que versões anteriores do texto. Seguem na proposta, entretanto, medidas que ameaçam o trabalho jornalístico e a própria existência de veículos de informação, especialmente iniciativas digitais e de pequeno e médio porte. Considerando a importância do jornalismo para o enfrentamento à desinformação, entendemos como fundamental que dois dispositivos sejam totalmente suprimidos do PL, sem prejuízo de aprimoramentos em outros aspectos relevantes do texto.
Imunidade parlamentar
O Artigo 22 do projeto de lei traz questões relevantes a respeito da operação de contas de interesse público e da transparência que deve reger seu funcionamento online. No entanto, o parágrafo 8º do artigo, na atual versão do substitutivo, estende a imunidade parlamentar material às redes sociais, impedindo que deputados e senadores sejam responsabilizados, civil e penalmente, por opiniões e palavras proferidas em ambiente digital.
O parágrafo preocupa vários setores da sociedade. Parte do trabalho jornalístico é reportar desinformações difundidas por políticos, confrontando-as com dados e fatos verificados. O trabalho da imprensa na cobertura da pandemia da covid-19 e da agenda ambiental mostram como a desinformação propagada por parlamentares nas redes sem questionamento ou responsabilização pode custar vidas.
Apesar do argumento de que o texto apenas reforça o que já está na Constituição Federal, sua presença em lei específica representa um alargamento da imunidade parlamentar, permitindo o entendimento de que esses atores estariam acima das regras de moderação de conteúdo de plataformas digitais. O texto cria, inclusive, um regime desequilibrado e preocupante entre parlamentares e usuários comuns de redes sociais, no qual o primeiro grupo estaria blindado das regras de moderação de conteúdo em função da imunidade proposta no parágrafo 8º.
Quando falamos do combate à desinformação, a instituição de mecanismos de salvo-conduto para qualquer grupo de atores da sociedade deve ser evitada, considerando inclusive os riscos da disseminação de outros tipos de conteúdos danosos, como incitação à violência e discurso de ódio, que muitas vezes acompanham as práticas de desinformação no ambiente online.
Remuneração de conteúdo jornalístico
O Artigo 38 do projeto de lei estabelece a remuneração, pelas plataformas, a produtores de conteúdo jornalístico com base em direito de autor, e determina que a regulamentação da lei disponha sobre critérios, formas para aferição de valores, negociação, resolução de conflitos, transparência e valorização do jornalismo profissional. Apesar de a proposta ser bem intencionada, trata-se de medida que requer debate aprofundado, à luz de iniciativas semelhantes em discussão em outros países, o que ainda não foi feito pelo Congresso brasileiro.
Em primeiro lugar, o texto apresenta linguagem vaga e carece de uma série de definições, sobretudo o que se entende por “conteúdo jornalístico”. Em tempos de sofisticação das práticas de desinformação no ambiente digital, são inúmeras as iniciativas que, se passando por veículos jornalísticos, especializaram-se em produzir e distribuir notícias falsas. Remeter o artigo para regulamentação pelo Executivo está longe de resolver o problema.
O detalhamento trazido pelo relator na última versão do substitutivo acerca das pessoas jurídicas que teriam acesso à remuneração e sobre processos de negociação coletiva tampouco é capaz de garantir regras mínimas que alcancem de maneira democrática o conjunto das instituições jornalísticas em funcionamento no país. É grande, por exemplo, o risco de a medida fortalecer apenas os grandes grupos de comunicação, que se beneficiariam de melhores acordos com as plataformas. Ou, ainda, de o conjunto de trabalhadores da imprensa não ser beneficiado neste modelo.
Em diversos países que hoje discutem o tema, incluindo o Brasil, tem-se apontado, por exemplo, para criação de fundos de apoio ao desenvolvimento do jornalismo a partir da taxação das plataformas como forma de sustentabilidade do jornalismo. Somente um debate aprofundado sobre a questão permitiria ao país definir qual o melhor caminho para suas necessidades históricas. Assim, entendemos que o artigo 38 deveria ser retirado integralmente do texto para a devida e urgente discussão sobre meios de financiamento e fortalecimento do jornalismo, visando a construção de um modelo de remuneração equilibrado e dedicado a apoiar todo o setor e também a equacionar eventuais desequilíbrios entre empresas e iniciativas de pequeno e médio porte e os grandes grupos em operação no país.
É fundamental que o Parlamento brasileiro considere a importância dos temas mencionados, para que a iniciativa de regular plataformas visando garantir liberdade, transparência e responsabilidade no ambiente digital não resulte em obstáculos ainda maiores para o trabalho jornalístico em toda a sua diversidade no país.
Brasil, 06 de abril de 2022.
Organizações signatárias
ABI – Associação Brasileira de Imprensa
Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo
Agência Lupa
Ajor – Associação de Jornalismo Digital
A Nossa Pegada
Aos Fatos
Artigo 19 Brasil
Associação Cearense de Imprensa (ACI)
Associação de Comunicação Fala Roça
Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
Centro de Direito, Internet e Sociedade do IDP (CEDIS)
Coalizão Direitos na Rede
Coletivo Baiano pelo Direito à Comunicação (CBCom)
ComunicAtivistas
Conectas Direitos Humanos
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil
Delibera Brasil
EMERGE – Centro de Pesquisas e Produção em Comunicação e Emergência
Escola de Comunicação da Universidade Católica de Pernambuco
Coordenação do Curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco
FAOR – Fórum da Amazônia Oriental
FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas
FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
Instituto Alziras
Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)
Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife – IP.rec
Instituto Liberdade Digital
Instituto Soma Brasil
Instituto Vero
Instituto Vladimir Herzog
InternetLab – Centro de pesquisa em direitos e tecnologias
Internet Society – Capítulo Brasil
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Kurytiba Metropole
Laboratório de Políticas de Comunicação – Universidade de Brasília
Marco Zero Conteúdo
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Movimento Mega
NETLAB – Lab de Estudos de Internet e Redes Sociais – Universidade Federal do Rio de Janeiro
OBSERVACOM – Observatorio Latinoamericano de Regulación, Medios y Convergencia
Olabi.org
Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político
Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadoras com Visão de Gênero e Raça, filiada à Red Internacional de Periodistas con Visión de Género (RIPVG)
Repórteres sem Fronteiras (RSF)
RNCD BRASIL – Rede Nacional de Combate à Desinformação
SaferNet Brasil
Sleeping Giants Brasil (SGBR)
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro
Terra de Direitos
Viramundo
Indivíduos signatários
Adilson Vaz Cabral Filho, professor do Curso de Comunicação da Universidade Federal Fluminense
Aline Grego, professora do curso de Jornalismo
Aline Vieira Costa, fundadora, gestora e editora-chefe d’A Nossa Pegada
Álvaro César Nascimento, jornalista
Ana Regina Barros Rêgo Leal, UFPI e RNCD Brasil
Andrea de Lima Trigueiro de Amorim, professora Universidade Católica de Pernambuco
Arthur Coelho Bezerra, pesquisador
Carolina Monteiro, co-fundadora da Marco Zero Conteúdo e Diretora da Escola de Comunicação da Universidade Católica de Pernambuco
Carlos Eduardo Barros, pesquisador e mestrando no PPGCI do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro
Cecília Bizerra Sousa, doutoranda PPGCOM/UFMG, conselheira da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadoras com visão de Gênero e Raça (RIPVG-Brasil)
Carla Teixeira, professora da Escola de Comunicação e coordenadora do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco
Cláudia de Abreu, integrante da Comissão Nacional de Ética dos Jornalistas
Claudia Noronha, jornalista, integrante da Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Expressão da ABI
Cláudio Bezerra, professor do curso Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco
Cristina Serra, jornalista
Cristina Tardáguila, jornalista
Felipe Correa Oliveira de Mello, bibliotecário da Escola de Química da UFRJ
Flavio Wittlin, mestrando do MASP da ENSP/Fiocruz e consultor de projetos da Viramundo
Helena Chagas, jornalista
Ilimar Franco, jornalista
Ivan Accioly, jornalista
Josir Cardoso Gomes, pesquisador e Doutor em Ciência da Informação
Juca Kfouri, jornalista
Karine de Oliveira Gonçalves, coordenadora do Instituto Soma Brasil
Luciana Menezes Carvalho, jornalista e professora no Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
Luiz Carlos Taveira, jornalista
Luiz Fernando Taranto, jornalista
Luiza Gomes Henriques, jornalista e Ssmestranda no Icict/Fiocruz
Flavio Lofêgo Encarnação, professor da Universidade Federal do Acre e cientista da informação
Luziário de Sousa da Silva, jornalista e mestrando UFPI/Teresina
Marcelo Träsel, professor do curso de Jornalismo e do PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Marco Schneider, professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal Fluminense
Marcus Miranda, jornalista e diretor da ABI
Marquinho Mota, Indigenista
Mauro José Sá Rego Costa, professor universitário UERJ
Moêma Coelho, jornalista
Maria Eduarda Alves de Andrade, jornalista
Paulo Cezar de Andrade Prado (Paulinho), jornalista
Paulo Jerônimo, jornalista
Rose Marie Santini, professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Salomão Castro, presidente da ACI
Vilson Antonio Romero, vice-presidente da Associação Riograndense de Imprensa e conselheiro da ABI
Vlaudimir Salvador de Oliveira, Recife
Fonte: Abraji