Primeira infância: o desafio da educação indígena
Em 2016, com a inauguração da Escola Municipal Indígena Bahu, no território do povo Juma, localizado às margens do rio Assuã, afluente do rio Purus, no sul do Amazonas, era esperado pelas crianças e adolescentes da aldeia que o acesso à educação fosse facilitado, visto que anteriormente fazia parte da rotina deles viajar 800 quilômetros até a aldeia de seus parentes do povo Uru-Eu-Wau-Wau, no Alto Rio Jamari, no estado vizinho de Rondônia.
O caminho para escola foi reduzido com a obra realizada pela Prefeitura de Canutama (AM), mas as dificuldades para a manutenção do ensino ainda existem. Problemas de infraestrutura e falta de materiais didáticos para o funcionamento do espaço e até para a permanência de uma das educadoras afetam o aprendizado não só da primeira infância, mas do ensino fundamental e médio.
Além disso, a demora para a inauguração da escola Bahu, construída entre os anos de 2015 e 2016, prejudicou a formação de jovens na época, como Puré Juma, hoje com 20 anos. Ele viu de perto todo o processo de montagem das estacas de madeira, mas teve que concluir seu ensino fundamental em uma escola pública do município amazonense Humaitá.
Mais tarde, Puré iniciou o ensino médio no Instituto Federal do Amazonas (IFAM), mas quase dois anos de curso técnico em administração foram realizados remotamente por conta da pandemia de Covid-19. Com a dificuldade de acesso à internet, ele ainda não conseguiu concluir o curso, mas planeja finalizá-lo em 2023.
A etnia Juma pertence à família linguística Tupi- Kagwahiva. Nos anos 40 e 60, o grupo indígena, que era de 15 mil pessoas naquele período, sofreu ataques e massacres de invasores do território. No final dos anos 90, o povo chegou ao risco de extinção com apenas quatro sobreviventes: Aruká, único guerreiro, e suas três filhas, Borehá, Maitá e Mandeí. Em 1989, elas se casaram com indígenas Uru-Eu-Wau-Wau, que também falam o Kagwahiva.
Por decisões erradas da Fundação Nacional do Índio (Funai), os Juma passaram mais de 20 anos fora da Terra Indígena Juma, em Canutama. Neste período, eles moravam no território Uru-Eu-Wau-Wau, no Alto Rio Jamari. Apenas no ano de 2013, a Funai retornou com as famílias Juma-Uru-Eu-Wau-Wau para o território original por decisão da Justiça Federal do Amazonas.
Com a necessidade de manter ativa a língua Tupi-Kagwahiva e os costumes e tradições do povo Juma, o jovem Puré se tornou professor e porta-voz da Escola Bahu, dando aula de língua materna para as dez crianças e adolescentes que frequentam o estabelecimento de ensino. Ele é filho da cacica Borehá Juma e Erowak Uru-eu-wau-wau, também pais de Borep, Awip e Thiago Tembu.
“Para mim é uma grande honra dar aula, porque ensinar vem dos ancestrais e é algo que quero preservar. Sei o básico para passar adiante. Com meu avô Aruká, eu fiz entrevistas para saber como nosso povo foi dizimado e as guerras que tiveram mais conflitos. Foi bom o momento, porque pude tirar as dúvidas que tinha e com quem meu povo entrou em conflito”, relata sobre os momentos de isolamento durante a pandemia em que esteve ao lado do guerreiro Aruká Juma, morto em 2021, vítima da Covid-19 e do descaso com a saúde pública e indígena.
Os alunos que frequentam a escola Bahu têm entre 7 e 17 anos e estudam em um espaço comum, independente do ano escolar ou faixa etária. Segundo Puré, a escola deveria dar aulas do primeiro até o sexto ano do ensino fundamental I, mas muitos alunos continuam no espaço e seguem estudando até o nono ano do ensino fundamental II.
“Hoje, a situação da escola é precária. Possui goteira no teto e não tem uma estrutura para a ventilação do ambiente, as carteiras estão quebradas, faltam livros, não tem um lugar específico ou armário que possa guardar os livros e nem outros materiais didáticos”, afirma Puré sobre a estrutura do espaço.
Além dele, a escola Bahu conta com o trabalho da educadora Valcinara Cruz de Lima, de 36 anos. Contratada pela Prefeitura de Canutama, a professora se esforça para manter uma regularidade nas atividades escolares das alunas e alunos da aldeia Juma. Ela sai de seu município, Lábrea (AM), rumo à ponte do Rio Assuã, uma viagem de quase 95 quilômetros por estrada. Depois se desloca de barco até a aldeia.
Trabalhando com os Juma desde 2021, Valcinara fica longe dos filhos e de outros integrantes da família para realizar seu ofício. A prefeitura custeia o valor da passagem de ônibus até a ponte e os indígenas fornecem gasolina para transportar a professora até a aldeia. A dificuldade com a alimentação é o principal fator que influencia no tempo de estadia. Quando na aldeia, ela se abriga em um quartinho dentro da escola. Ela faz viagens frequentes a sua cidade de origem para buscar comida e também para resolver questões pessoais.
“A convivência com os Juma é maravilhosa. Eles são ótimas pessoas, me ajudam bastante. Eu gostaria de poder ficar mais tempo e já cheguei a comentar com a Borep (aluna e irmã de Puré) que queria ficar pelo menos uns três meses direto dando aula na aldeia”, conta. “Eu passo de 30 a 40 dias na aldeia, até quando acaba o alimento e não levo mais porque, além de estar tudo caro, a comida pode vencer. A cacique Borehá e o esposo dela me ajudam bastante com essa questão, porque para eu ficar o tempo que planejo, às vezes o alimento acaba, mas eles me ajudam até eu retornar para Lábrea”, disse a professora.
Formada em Agroecologia pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Valcinara Lima cursa especialização em Matemática à distância, pelo Centro Universitário Fael (Unifael). Na escola, ela ministra a disciplina de língua portuguesa e relata que a estrutura prejudica o aprendizado dos alunos. “Já comentei com Mandeí para irmos em Canutama falar com o prefeito, ou alguém que pudesse ajudar a levar uma placa solar para poder ter energia. A escola está bem velhinha. Seria ótimo se eles [a prefeitura] pudessem reformar”, diz.
É a primeira vez que Valcinara dá aula em território indígena. Ela destaca a relação com os Juma. “As crianças adoram estar comigo. Toda tarde, quando é meio-dia, elas me chamam pra tomar banho no rio. Gostam de estar sempre dialogando e me divirto demais. Adoro as crianças. É muito bom estar com eles”.
A energia da aldeia Juma funciona a partir de um motor gerador movido a combustível, ligado do entardecer até às 21h. Apenas ano passado foi instalada a internet, que está ligada a uma placa solar. A instalação facilitou a comunicação dos indígenas, que anteriormente precisavam se locomover até a ponte do Rio Assuã para ter acesso à rede de telefonia. O percurso era feito em 40 minutos de viagem de voadeira (lancha com motor de popa). Outra opção é a comunicação através de radiofonia. A situação se agravou na pandemia, entre 2020 e 2021, quando os indígenas fizeram isolamento na aldeia com uma barreira de proteção. “Atualmente, a escola não tem acesso ao motor gerador de energia e internet instalada é limitada”, diz Puré.
A Secretaria de Educação de Canutama, responsável pela Escola Bahu, dos Juma, afirma que os problemas são herança de gestões anteriores à do prefeito “Zé” Roberto Torres (PSC). “Se você perguntar hoje, nas aldeias, como era a merenda de ontem e como é a merenda de hoje, você vai ver que tem uma outra atenção, vai ver como é a questão da distribuição de material [didático] que chega na aldeia, que demora, mas o coordenador pedagógico dá um jeito e manda”, declarou a assessoria. (Leia mais no final do texto o que diz a prefeitura)
De acordo com a secretaria, os recursos vindos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) não suprem a necessidade de todas as 42 escolas geridas por Canutama. Outras três escolas indígenas fazem parte da jurisdição do município e também se encontram com problemas de estrutura. “Nós estamos com um ano e oito meses de governo. Já começamos a dar suporte nas escolas da zona rural. Só que os recursos não são para dar suporte de uma vez só. Então a gente está começando pelas escolas que estão mais problemáticas e o nosso objetivo é que até o final do ano que vem a gente chegue até as aldeias, porque elas são mais distantes”, complementou a assessoria.
Sobre a solicitação dos Juma para a instalação de uma placa solar que atenda à escola, a secretaria pontua que o problema não diz respeito à prefeitura, mas sim a uma empresa ligada a um programa do governo federal, que instala placas solares em todas as zonas rurais do país.
De acordo com a secretaria, o município trabalha de acordo com os recursos que possui, sem discriminar ninguém.
Direito legal
Os povos indígenas têm direito a uma educação escolar específica, diferenciada, intercultural, bilíngue/multilíngue e comunitária, de acordo com a legislação nacional, conforme o Decreto 6.861/09. A educação escolar indígena é de competência do Ministério da Educação e cabe aos estados e municípios garantir esse direito.
Professora e doutora em educação, Márcia Mura, de Rondônia, destaca que as escolas chegaram aos territórios indígenas por meio de muita luta. Com mais de 20 anos de magistério, ela mesma já enfrentou diversos desafios ao insistir em oferecer a temática indígena para os estudantes.
“Infelizmente, a educação específica, diferenciada, existe no papel, mas em grande parte não acontece na prática”, analisa a especialista. Essas escolas enfrentam o desafio de funcionarem dentro do que determina a legislação, com autonomia na organização. “O estado precisa investir nas escolas dos primeiros anos, no ensino médio, com qualidade, com todos os direitos garantidos dentro da legislação. É disso que precisa”, ela afirma.
Apesar da obrigação legal, a educação indígena aparece de forma pouco relevante nos planos de governo dos candidatos ao Governo do Amazonas nas Eleições 2022. Os dois candidatos que disputam o segundo turno das eleições em novembro: Wilson Lima (União Brasil) e Eduardo Braga (MDB) não citaram o tema nos programas de governo. Dos candidatos que participaram da eleição no primeiro turno, apenas mencionaram o tema em seus planejamentos o candidato indígena Dr. Israel Tuyuka (PSOL), que afirma que pretende criar um subsistema de educação escolar indígena, fortalecer e ampliar o Programa de Bolsas de Permanência Estudantil no atendimento a estudantes indígenas, quilombolas e de populações tradicionais da capital e do interior e criar centros universitários indígenas. Carol Brasil (PDT) propôs ampliar as escolas indígenas, sem dar detalhes sobre a proposta.
Segundo o mais recente Censo Escolar da Educação Básica, de 2018, há 3.345 escolas indígenas no Brasil, com 255.888 matriculadas registradas e 22.590 professores. O censo mostrou também que 1.029 escolas indígenas não funcionam em prédios escolares e 1.027 não estão regularizadas pelos sistemas de ensino. De acordo com o levantamento, 1.970 escolas não possuem água filtrada; 1.076 não possuem energia elétrica e 1.634 não têm esgoto. A falta de bibliotecas atinge 3.077 escolas e 1.546 desses estabelecimentos de ensino não usam material didático específico. Ao todo, 3.288 escolas estão localizadas em área rural e 57 escolas em área urbana.
Educação na primeira infância
Nesse contexto, a educação escolar indígena na primeira infância (0 a 6 anos) ainda é uma realidade distante e em que não há consenso sobre as práticas a serem adotadas. No livro “Educação escolar indígena no século XXI: encantos e desencantos”, o professor e líder indígena Gersem Baniwa afirma que muitos povos e comunidades não aceitam a educação formal de crianças pequenas por entenderem que elas devem ser educadas por suas famílias nas tradições, línguas e conhecimentos ancestrais. “Assim, a oferta da educação infantil se tornou opcional para os povos indígenas, com direito a consulta sobre o interesse ou não”, afirma.
Márcia Mura reforça que existem diferenças entre a educação indígena e a educação escolar indígena. A educação milenar, passada de geração para geração por meio da oralidade, fica sob a responsabilidade das comunidades. Já a educação escolar acontece a partir da relação com o Estado e é influenciada pelo histórico de colonização e violência contra os povos indígenas.
“Partindo dessa concepção de educação indígena, que é essa educação milenar, passada de geração para geração, eu acredito que não é necessário que crianças de 0 a 3 anos vão para uma escola, porque eles já têm todo um processo de educação tradicional”, analisa.
A especialista afirma que a cultura indígena tem seus próprios procedimentos de educação nessa faixa etária e, quando isso é institucionalizado, há o risco de especificidades não serem consideradas.
“Porque já é complicado a presença na escola, quando ela não considera as especificidades, de toda maneira é uma intervenção”, diz. Para a professora, ter uma escola com crianças nas primeiras fases da vida seria totalmente fora do que faz parte da cultura indígena.
Segundo o Censo Escolar de 2018, apenas 5.365 matrículas de crianças em escolas indígenas são em creches; 27.053 na pré-escola; 174.422 no ensino fundamental e 26.878 no ensino médio. Além disso, 21.891 estão matriculados na educação de jovens e adultos e 279 se inscreveram em cursos de educação profissional.
As regiões Norte e Nordeste têm a menor porcentagem de escolas funcionando em prédios escolares adequados – 65% e 69%, respectivamente. Na região Sudeste está a maior taxa – 94,59%.
As escolas encaram o desafio de corresponder às inquietações, potências e sonhos dos estudantes indígenas. “A escola indígena precisa encantar as crianças e os jovens”, defende Gersem Baniwa em seu livro. E, segundo ele, precisa também oferecer as condições básicas de acesso e permanência, o que significa ter infraestrutura moderna, laboratórios multimídias, transporte e alimentação escolar de qualidade.
“Sem encantamento, a escola perde as crianças e jovens indígenas a outras seduções mais atraentes da modernidade, nem sempre humanas e humanizadoras. O acesso e permanência estão intrinsecamente relacionados, por um lado, às condições sociopolíticas e materiais garantidas pelo Estado, por outro lado, pelo lugar, papel e importância dada a ela pela comunidade indígena e pelas pessoas indígenas, individualmente. É necessário, pois, definir o seu papel e o seu lugar social, para saber de que ela precisa para acolher, manter, motivar, formar, educar, acompanhar e avaliar o sucesso do sujeito aluno”, afirma.
Em entrevista recente à Amazônia Real, Baniwa falou sobre as dificuldades do setor. “Fazer com que as diretrizes curriculares da educação escolar indígena sejam aplicadas é o nosso maior desafio. Na verdade, já deixou de ser um desafio e passou a ser um drama”, disse.
Uma realidade das novas gerações é o resgate das línguas maternas. A colonização fez com que muitos indígenas falassem apenas o português. Na ocupação dos jesuítas nos territórios ocorreu a criação da língua geral, conhecida como nheengatu, que mistura o tronco Tupi com português. “Mesmo que inicialmente essa língua tenha sido utilizada para catequizar, para colonizar, para comercializar, escravizar e matar, aos poucos os próprios povos indígenas foram se apropriando dela. O nheengatu é falado pelos Mura de Autazes, no Amazonas, e outras localidades, como o quilombo no Vale do Ribeira (SP). Seria muito importante, nas escolas urbanas, ribeirinhas, extrativistas, mesmo em territórios indígenas, onde povos tiveram suas línguas roubadas e arrancadas, trabalhar o nheengatu”, aponta Márcia Mura.
Realidade longe do ideal
A realidade encontrada pela reportagem da Amazônia Real é diferente do que é apontado como ideal pelos especialistas. Na terra indígena Nove de Janeiro, do povo Parintintin, no sul do Amazonas, por exemplo, duas escolas atendem crianças e adolescentes e estão em situações estruturais muito diferentes.
A Escola Municipal Indígena 9 de Janeiro tem alunos do 1º ao 5º ano do ensino fundamental I e a Escola Estadual Indígena Kwatijariga recebe do 6º ao 9º ano do ensino fundamental II em modo presencial e do 1º ao 3º ano do ensino médio, por mediação tecnológica, atendendo o povo Parintintin, Tenharim, Apurinã e não indígenas do território.
O prédio da escola Kwatijariga, em funcionamento desde 2014, acaba de passar por uma reforma e, apesar de receber 15 alunos no ensino fundamental e 12 no ensino médio, tem capacidade para atender até 100 estudantes por turno (matutino, vespertino e noturno) em suas quatro salas de aula. Pelas manhãs, o espaço é cedido à Escola Municipal 9 de Janeiro, pertencente à jurisdição de Humaitá (AM). A reportagem apurou que a escola municipal tem estrutura precária e por isso as aulas não são realizadas no local cedido.
O gestor da escola municipal, Marcelino Parintintin, só quis falar com a reportagem se fosse remunerado. Disse ser vice-cacique e não detalhou o motivo para a falta de reparos no prédio. O funcionamento ocorre dessa forma desde 2019.
Procurada, a secretaria de educação de Humaitá, responsável pela Escola Nove de Janeiro, não respondeu.
Com ambiente estruturado e revitalizado, a escola estadual Kwatijariga terá anexo, em 2023, dois espaços de estudo, um na aldeia Pupunha, também no território Nove de Janeiro, dos Parintintin, e uma no rio Marmelos, Terra Indígena Sepoti, do povo Tenharim. Segundo o professor e responsável local pela escola, Joel Joveliano Parintintin, essa é uma conquista para os alunos. “Como é difícil o acesso logístico e o transporte, eles [lideranças] fizeram uma reivindicação de espaço escolar, visto a distância até a aldeia Traíra. O Estado aceitou e vai suprir a necessidade e aumentar o número de matrículas”, ressaltou.
No ano que vem a escola estadual também passará a ter o ensino presencial para os alunos do 1º ao 3º ano, que hoje estudam pela mediação tecnológica, um método de ensino à distância realizado pela Secretaria de Estado de Educação e Qualidade de Ensino do Amazonas (Seduc/AM).
O formato digital, realizado por módulos, com aulas gravadas por professores em Manaus, é apresentado como uma solução para a falta de espaços escolares que atendam o ensino médio ou o grau técnico no interior do maior estado em extensão territorial do país. O método que distancia as relações de troca entre alunos e professores e padroniza os saberes não seria o mesmo sem a presença de mediadores, nesse caso o professor Joel Jovelino.
“No ensino fundamental dou aulas de História, Historiografia Indígena, Geografia e Contextos Locais. No ensino médio, devido às aulas serem realizadas por etapas, sou apenas o professor presencial para tirar as dúvidas dos alunos e aplicar as avaliações e frequências diárias. O ensino médio, como é um ensino regular, atende não-indígenas que moram na aldeia, casados com indígenas, que haviam parado de estudar e foram chamados de volta para a escola, aumentando o fluxo de alunos”, explicou Joel.
A escola mantém um calendário especial, respeitando as necessidades da aldeia e, por enquanto, o ensino básico é voltado para a demanda do povo Parintintin, inclusive com aulas de língua materna, mesmo que o aluno seja não-indigena ou de outra etnia. A expectativa é que até 2026 todos os espaços de ensino da rede estadual, representados pela escola Kwatijariga, incluindo os anexos inaugurados ano que vem, tenham do ensino fundamental ao médio o método presencial.
Descaso e desperdício
No Alto Jamari, em Rondônia, as famílias Juma-Uru-Eu-Wau-Wau contavam com uma estrutura pequena e tinham dificuldades em receber livros. O que se percebe tanto no território Juma quanto do povo Parintintin é um descaso das gestões municipais com a educação escolar indígena.
As jurisdições onde as aldeias se localizam constroem uma estrutura mínima para a realização das atividades, com material didático ultrapassado e que desvaloriza o saber dos jovens, o que configura um grande desperdício de oportunidades de aprendizado.
A professora Valcinara Cruz de Lima afirma que as crianças e jovens Juma são muito inteligentes. “Eles gostam de aprender coisas novas. São divertidos e engraçados. Gostam de assistir filmes. Aprendem tudo muito rápido”, conta.
Assim como crianças de outras comunidades indígenas, elas precisam de uma escola que ofereça de fato possibilidades para a realização de seus sonhos, valorizando os saberes tradicionais e dando oportunidades de conhecimentos.
Em resposta, a secretaria de educação do município de Canutama, responsável pela Escola Bahu, dos Juma, se colocou ciente das dificuldades na estrutura do espaço, mas disse ser um problema das gestões anteriores a do atual prefeito “Zé” Roberto Torres (PSC). “Se você perguntar hoje, nas aldeias, como era a merenda de ontem e como era a merenda de hoje, você vai ver que tem uma outra atenção, vai ver como é a questão da distribuição de material [didático] que chega na aldeia, que demora, mas o coordenador pedagógico dá um jeito e manda”, declarou a assessoria.
A reportagem apurou que as afirmações da secretaria podem ser contestadas diante da falta de alimentação para a educadora Valcinara, que custeia uma cesta básica para sua permanência na aldeia, e após o fim conta com o apoio de Mandeí Juma, tia de Puré, para se alimentar, além do defasado material didático presente na escola Bahu.
Questionada sobre como a prefeitura tem administrado financeiramente a educação, a secretaria de educação de Canutama informou que o recurso, advindo do Fundeb, não supre a necessidade de todas as 42 escolas geridas pelo município. Outras três escolas indígenas fazem parte da jurisdição do município e também se encontram com problemas de estrutura. “Nós estamos com 1 ano e 8 meses de governo. Já começamos a dar suporte nas escolas da zona rural. Só que os recursos não são para dar suporte de uma vez só. Então a gente está começando pelas escolas que estão mais problemáticas e o nosso objetivo é que até o final do ano que vem a gente chegue até as aldeias porque elas são mais distantes”, prometeu a prefeitura de Canutama.
Esta é a última reportagem especial da Amazônia Real que integra a série “Eleições 2022: Escolha pelas Mulheres e pelas Crianças”, parceria entre Nós, mulheres da Periferia, Alma Preta Jornalismo e Marco Zero Conteúdo, apoiada pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.
Leia as duas primeiras reportagens da série:
Amazonas tem mais de 250 mil crianças sem creches
Violência sexual, um crime familiar na primeira infância