Abuso sexual infantil online: maioria dos abusadores não são estranhos e, sim, pessoas que as crianças conhecem, mostra estudo

Veículo: Revista Crescer - SP
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Quando se pensa em abuso sexual infantil online já vêm à cabeça uma imagem de alguém desconhecido, escondido em algum porão, buscando presas aleatórias pelas redes. Mas um estudo recente, publicado pela Rede JAMA, mostrou que esse tipo de crime pode ser bem mais complexo, já que, na maioria das vezes, o abusador é alguém que a criança ou adolescente conhece fora da internet. Segundo o diretor do Centro de Pesquisa sobre Crimes Contra a Infância David Finkelhor, da Universidade de New Hampshire, tendem a ser pessoas que conhecem as crianças em ambientes offline e começam a se comunicar com elas de maneira inadequada.

“O abuso sexual está migrando para o ambiente online e a maioria dos estudos que foram feitos até agora sobre o tema não incluiu toda a gama de experiências”, disse Finkelhor, autor principal. “Cerca de um terço dos abusos são cometidos por outros jovens. Há uma quantidade considerável de abuso sexual ocorrendo porque as crianças estão tirando ou recebendo imagens e usando-as sem consentimento”, explicou ele.

O estudo, publicado na última sexta-feira (14) pela Rede JAMA, entrevistou 2.639 jovens de 18 a 21 anos, perguntando sobre experiências de potenciais abusos sofridos durante a infância, e descobriu que a faixa etária de vulnerabilidade é maior entre 13 e 17 anos e que as meninas sofrem mais do que os meninos. Dos participantes, 933, cerca de 35%, relataram ter experimentado pelo menos um caso de “abuso facilitado pela tecnologia” antes dos 18. Em geral, a pesquisa descobriu que 15,6% dos participantes sofreram abuso sexual online na infância.

Segundo a pesquisa, mais de 5% experimentaram o aliciamento online feito por adultos. Cerca de 11% sofreram abuso relacionado a imagens, como alguém que tira ou compartilha uma foto sem o consentimento da criança. Por volta e 7% tiveram imagens de abuso sexual infantil autoproduzidas, ou seja, eles mesmos tiraram fotos e as compartilharam com alguém que, em seguida, compartilhou sem sua permissão com outros adultos.

A troca de mensagens de texto com cunho sexual, incluindo a captura e o compartilhamento não consensual de imagens, aconteceu com 7% dos entrevistados. Cerca de 3% experimentaram a conhecida pornografia de vingança, que é quando as imagens são tiradas ou compartilhadas para humilhar intencionalmente a vítima. Uma parcela de 3,5¨% passou por “sextortion”, termo utilizado pelos pesquisadores, que é uma mistura de sexo com extorsão. Significa que o abusador ameaça divulgar imagens sexuais da vítima, se não conseguir o que quer, o que pode ser desde dinheiro até alguma atividade sexual.

Quase 2% dos jovens afirmou já ter sofrido exploração sexual comercial online, ou seja, forneceu serviços sexuais, que podem ser conversas, imagens ou outras atividades online, por alguma recompensa.

Finkelhor também disse que a tecnologia tem facilitado a ocorrência de mais casos de abuso sexual do que antes, especialmente com a prevalência de câmeras. “A vida social e as interações interpessoais de todos os tipos agora têm um componente tecnológico, então, não é surpresa que isso esteja desempenhando um papel cada vez maior”, afirma o autor. “Pode haver alguma facilitação também pelo fato de que as pessoas, de alguma forma, acham, erroneamente, que podem cometer certas atitudes online e se safar, o que seria mais difícil fazer cara a cara”, diz o pesquisador.

Para o especialista, as descobertas do estudo impactam imediatamente na necessidade cada vez maior de os pais e cuidadores reforçarem conversas sobre segurança online com os filhos, crianças e adolescentes. “O que temos de entender é que as crianças precisam de muito mais informações e treinamento para julgar quem é confiável, quais são os sinais de que há algo errado, se alguém está perguntando algo inapropriado, como se livrar e recusar propostas e manipulações que possam aparecer, principalmente quando se trata de pessoas que elas conhecem”, explica.

“É muito importante que os pais conversem com seus filhos sobre relacionamentos românticos e sexuais e repassem a eles seus valores sobre isso. Além disso, é preciso oferecer ajuda específica e exemplificar situações com as quais eles devem tomar cuidado”, orientou.

1. Converse com o seu filho. A chamada educação digital é real e necessária. Explique sobre a internet e suas implicações – positivas e negativas -, de acordo com o desenvolvimento dele, claro.

2. Conheça o seu filho. É o que Filipe Colombini, psicólogo e CEO da Equipe AT, explica como responsividade parental. “Esteja sensível às necessidades do seu filho – o que só é possível com proximidade e vínculo. É assim que você entende quais são os padrões de comportamento da criança: como representa os afetos? Interage? Reage?”, diz.

3. Fique atento aos sinais. E isso passa por conhecer como a criança lida nas mais variadas situações. Irritabilidade, agressividade, comentários, expressão nas brincadeiras ou em desenhos podem dar pistas de que tem algo errado acontecendo na vida dela dentro (ou fora) das telas.

4. Adote a monitoria positiva. “E o positivo aqui não é fazer o que a criança quer”, afirma o psicólogo. Ou seja, deixe claro para o seu filho que você precisa estar ciente do que ele faz na web, por mais que ele não goste, se frustre e se irrite. Dê limites sobre acessos, seja por meio de ferramentas de bloqueio, verificação de histórico, tempo de telas e muita conversa.

5. Mergulhe no mundo social virtual da criança. Isso quer dizer estar junto, saber o que ela está acessando, ouvindo, dançando. Quais mensagens tal dança ou vídeo está passando? “Do mesmo jeito que os pais pesquisam determinado assunto para o trabalho, eles precisam ter tempo e acessar esse universo virtual do filho”, finaliza Colombini.