Denúncias de pornografia infantil online no Brasil cresceram 9% este ano, alerta ONG
O número de denúncias de pornografia infantil na internet recebidas entre janeiro e outubro deste ano pela Central Nacional de Denúncias da ONG Safernet aumentou 9% em comparação ao mesmo período de 2021. Os dados foram apresentados nesta sexta-feira, Dia Mundial de Prevenção e Reparação ao Abuso e à Exploração Sexual Infantil. Segundo especialistas da ONG, as denúncias vêm subindo progressivamente nos últimos anos no país, mas são apenas a ponta de um problema mais amplo e complexo que muitas vezes não chega ao conhecimento das autoridades.
Entre 1º de janeiro e 31 de outubro de 2022, a Safernet recebeu 96.423 denúncias de pornografia infantil, contra 88.457 no mesmo período do ano anterior. São páginas de redes sociais, links de grupos abertos, páginas de fóruns, entre outros, que veiculam imagens de abuso e exploração sexual contra crianças.
As denúncias recebidas na Central (www.denuncie.org.br) são repassadas a especialistas do Ministério Público Federal, que atuam em parceria com a ONG e analisam os casos e comprovam a materialidade do crime, que então passa a um processo de investigação policial.
— Desde 2011, as denúncias não ultrapassavam 90 mil por ano. Mas desde 2020 há um aumento progressivo. Foram 98 mil naquele ano, em 2021 mais de 101 mil — conta Manu Ribeiro, gerente de projetos da Safernet.
Um dos fatores atrelados a esse aumento, afirma, é a pandemia da Covid, que aprofundou a forma como as pessoas utilizam as tecnologias de informação e trocam e se relacionam com outras pessoas.
— Outro fator importante é o atual contexto de vulnerabilidade sócio-econômica e desemprego, que pode levar à associação e produção de imagens para algum tipo de troca econômica. São pacotes de imagens de abusos compartilhadas nas redes em troca de dinheiro. Quanto maior a vulnerabilidade no país, mais percebemos esse aumento (nas denúncias) — explica Manu Ribeiro.
A perspectiva é que o número de denúncias conhecidas seja apenas a ponta do iceberg, que não corresponde à totalidade desse crime:
— O que chega nos canais de ajuda e de denúncias é muito aquém da realidade, porque é de fato quem consegue denunciar, quem acha esses canais, que tem ciência que eles existem. Mas ainda há muito a fazer em questão de prevenção e de levantar essa pauta e a existência desses canais.
Segundo o fundo End Violence Against Children, uma parceria global lançada pela ONU em 2016, um em cada oito adultos relatam ter sofrido abuso sexual quando crianças. Os números não se referem apenas a casos ocorridos online, mas dão uma dimensão de um crime que se perpetua na sociedade e expõem a urgência de combate ao abuso e à exploração sexual infantil.
Em maio, a Safernet foi contemplada com recursos desse fundo da ONU para criar um projeto que aumente a disponibilidade de dados da central de denúncias de forma segura. A ideia do D.I.S.C.O.V.E.R, como foi chamado, é ajudar a melhorar a compreensão do contexto nacional e a capacidade de detecção automatizada de conteúdo, entender padrões, como as páginas se comunicam e onde os sites estão hospedados, explica Manu Ribeiro. Isso, acrescenta, também pode ajudar na criação de políticas públicas mais efetivas para combater esse tipo de crime.
— Falamos de pandemia e digitalização da vida, de estarmos mais na internet, mas isso não pode vir sem uma perspectiva crítica do uso da rede. Temos projetos em educação e cidadania digital para falar nas escolas sobre esse tema, trazer a importância de denunciar, e para que crianças e adolescentes conheçam os recursos que existem, de como bloquear um usuário que tenta uma aproximação para aliciamento sexual, e para que as pessoas entendam as consequências de perpetuar esse tipo de conteúdo — diz a especialista da Safernet.
No Brasil, é crime vender ou expor fotos e vídeos com cenas de sexo explícito envolvendo crianças ou adolescentes. Também é crime divulgar essas imagens ou ter posse delas.
“Pornografia infantil” não é consentimento
Seguindo uma tendência internacional, liderada pela organização inglesa Internet Watch Foundation, a Safernet está deixando de usar a expressão “pornografia infantil” em suas comunicações ao público. Isso porque a pornografia adulta legalizada pressupõe a participação livre e voluntária dos atores filmados ou fotografados em atos sexuais consensuais.
— No caso das crianças, não existe consentimento. Crianças não são cúmplices do próprio abuso. Ao usarmos a expressão “imagens de abuso contra crianças”, colocamos o foco nas vítimas. E no abuso, mostrando a dimensão desse crime — conclui Manu Ribeiro.
A Central de Denúncias mantida pela Safernet pode ser acessada na página www.denuncie.org.br . As suspeitas de violência sexual contra crianças ou adolescentes também podem ser relatadas por telefone, pelo Disque 100.